Cultivar Abril
Cultivar é preciso, seja a terra, o mar, a escrita, a música, as artes plásticas, a ciência ou a tecnologia.
Sempre que leio ou escrevo, que semeio ou planto, que pinto ou desenho, eu sinto que o que faço é fruto de um passado, duma cultura que me foi dada, duma água onde bebo, que pertence a um rio que corre e que eu gostava de agarrar.
Hoje eu olho para trás e a vida corre à minha frente como um filme, e leio nessas imagens uma vida, um país e as mudanças que Abril nos deu.
Lembrar Abril é reviver um passado tão próximo e tão intenso, que marcou profundamente o povo português, e não é por acaso que o estudo “40 anos do 25 de Abril” promovido pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, “Expresso” e “SIC Notícias”, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, revela que na sondagem realizada, quatro em cada cinco dos portugueses olha para a transição do 25 de Abril como um motivo de orgulho.
No mesmo estudo são consideradas como as grandes vitórias do 25 de Abril a criação de um regime democrático e o Estado social.
Estado social de que os portugueses não querem abdicar e que a presença da Troika no nosso país tem posto em causa.
E porque vivemos em democracia choca-me profundamente que nestas comemorações dos 40 anos da Revolução dos Cravos, a Assembleia da República o faça sem a participação dos militares de Abril, independentemente de estarem todos de acordo com as posições políticas por eles defendidas, é da mais elementar justiça ouvir a sua voz nestas comemorações.
Que democracia é esta que não dá a palavra aos principais responsáveis pela sua implantação?
Comemorar o 25 de Abril é comemorar um ato que teve como protagonistas os militares, militares esses que derrubaram um sistema político obscurantista de direita, e abriram um caminho para a democracia que o povo referendou.
E foram esses mesmos militares que abriram a porta à democracia que souberam regressar aos quartéis, sem que a isso tenham sido obrigados.
Comemorar é sempre prestar um tributo e esse tributo é aos homens que fizeram o 25 de Abril, sem eles não faz sentido!
Alguém dizia nestes dias: Portugal está a passar por uma desmemoriação acelerada, e é bem verdade, é preciso lembrar os factos com seriedade e reconhecer o papel das Forças Armadas neste contexto.
Ninguém nega o papel do povo – dos políticos, dos operários, dos rurais, dos artistas, dos intelectuais – em todo este processo, mas o ponto de partida, o 25 de Abril, deve-se aos militares, e é essa a data que se comemora.
Cultivar Abril é preciso, antes que tudo se apague.
Semear, plantar, regar, para que floresçam todos os anos.
E como em tudo na vida é preciso que deem semente para se reproduzirem….
Por:
Fernanda Lage
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