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    Arquivo: Edição de 21-03-2014

    SECÇÃO: Crónicas


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    Portugal – dos grandes e dos pequenitos

    «Precisamos de ti para sair do buraco! Vem e não te acomodes…» – era isto que vi partilhado na página de uma rede social ligada à promoção de eventos de um clube de futebol. Tocou-me este assumir de que precisavam da ajuda dos seus associados e simpatizantes para se manterem em águas navegáveis. Cada vez tenho mais consciência de que não está a ser nada fácil atravessar este maremoto e também, cada vez tenho mais respeito por todos aqueles que tentam a todo o custo fazer a travessia, com o mínimo de danos possíveis. Sem capacidade financeira de gerar grandes receitas, todos “se cortam” e se “põem de fora”, cada vez mais os apoios escasseiam.

    Lia numa notícia que até os Bombeiros Voluntários já estão a experimentar novas formas de financiamento – estão desgastadas todas as que já nos habituávamos: peditórios de rua, rifas, convívios, campanha de novos associados, etc.. Li que agora se viram para o “crowdfunding” onde cada um pode contribuir solidariamente com uma transferência bancária através da internet, a exemplo dos projetos musicais e de teatro que se procuram autofinanciar desta forma. Nunca se “peca por tentar” e lembrei-me disso quando um destes sábados eles enchiam os Aliados com carros antigos que exibiam com orgulho e onde todos queriam tirar uma foto. Aprendi que até o respeito tem que ser “bem entregue” e o meu vai para toda a gente que procura afincadamente remar contra a corrente.

    A coesão do grupo é essencial nestas cruzadas de luta para subsistência, em que muitas vezes já se vai perdendo a autonomia financeira, aliado isto ao facto de cada vez existirem mais “cortes” nos subsídios, parcos, mas que serviam como “almofada de amortecimento” aos orçamentos feitos de forma tangencial para o equilíbrio do “deve e haver”. A força gerada por uma liderança forte, que conduza a um inabalável espírito de equipa torna-se crucial para não se perder o lugar conquistado por décadas de trabalho e de história. A crise será a culpada de muita coisa mas também o fausto de outros tempos ter-nos-á distanciado do que se terá tornado demasiado “pequenito” ou até insignificante para o salto que queríamos dar para a ribalta, onde as luzes a que nos queríamos expor brilhariam com maior intensidade.

    Dá-me a impressão que esta crise também irá servir para nos unirmos. Para procurarmos as nossas origens – um país onde havia o hábito da tertúlia e do debate de ideias. Convívios sadios, onde as pessoas se uniam por paixões e interesses comuns. Foi na procura de tudo isto que fiz questão de marcar presença numa reunião onde me seria permitido aprender mais sobre o Associativismo e Cooperativismo. Eu não fazia ideia de que as associações locais (na forma como se organizavam e votavam para escolher os seus órgãos diretivos), antes de abril de 1974 eram um dos bons exemplos práticos na aplicação (com sucesso), de um sistema democrático. Terá sido por esse motivo que a primeira Assembleia Constituinte foi composta, na sua maioria, por representantes de associações que existiam à altura em Portugal e que colocaram a sua experiência ao serviços dos legisladores.

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    Nesta sessão que presenciei e a uma dada altura, Domingos Martins, presidente da Federação das Coletividades do Distrito do Porto pergunta-nos o que achávamos que seria o Associativismo. Fomos balbuciando conceitos e definições até que a uma dada altura nos manda dar as mãos – afinal o associativismo era tão simples quanto isso. Esse dar as mãos significa também a responsabilidade de cuidarmos uns dos outros, quando a vida nos faz comungar de uma bandeira, de uma família, de um credo, de uma equipa e tanto mais que se possa incluir aqui. Não preciso ir longe buscar um exemplo porque o meu quotidiano é feito dessa preocupação por parte da associação de solidariedade onde trabalho. Pequenita, precisa de tanto para apoiar…tantos. Aqui, forçosamente temos mesmo que aprender a dar as mãos – a equipa, no seu todo. Comungamos de um quotidiano onde o único caminho é a convergência na procura de soluções (improvisadas na sua grande parte), para os que socialmente estão mais fragilizados.

    Acredito que sobre esta minha consciência (que a uma dada altura despertou para a importância de ir à inércia e fomentar-lhe vida) recai o fator amadurecimento. No caso do futebol, o interesse sobre os “pequenitos” terá mesmo a ver com o facto de a minha canalhada pertencer a clubes regionais de futebol, alargado muitas vezes à prática de outras atividades desportivas. Cresceram a pedir à tia se lhe apertava os cordões das chuteiras e o amor que ganham aos clubes que representam em nada diverge dos “grandes”. Assumo que terá também influência o facto de ao fundo do meu quintal me deparar todos os dias com um campo de futebol abandonado. Outrora não era assim, o azul estava lá, bem visível num campo pelado onde havia sempre movimento, gerado por Direções bairristas que representavam os interesses desportivos da nossa comunidade de Vermoim. As “pedras do caminho” de Fernando Pessoa, refletem a oportunidade até para a terra, cimento e pedras, que são como as pessoas – merecem não ficar devotados ao abandono.

    Será por tanto disto que agora me coloco sempre ao lado das causas onde a atitude é de que tudo vale a pena. “Sair do buraco”, são palavras que me desassossegam – não é lugar que queira para ninguém porque significa a desmoronamento que nos atira para a história, que fica a fazer parte das nossas histórias. Com resquícios de memória que me deixou a força do pontapear que se sente na foto do “Matateu” (e que me levou a olhar pelas redes sociais para toda a dinâmica do seu clube do coração), vejo que eles se inspiram na “força de reação” que ele deixou como exemplo. Percebi que estão a arranjar forma de se reinventarem e continuarem a escrever a sua própria história. O mesmo se aplicará a todos os outros clubes – pequenitos em dimensão (e em conta bancária), mas grandes em atitude. Dei por mim que tudo tem a ver com o “associativismo”, que leva a que as pessoas se agreguem de tal forma que depois enchem o coração de crença e convicção.

    Não posso duvidar que as associações, coletividades e similares, irão recuperar à história o valor que têm para as comunidades onde estão inseridas e que começam agora a sentir necessidade de sair fora de portas e procurarem soluções conjuntas, com junção de sinergias, que vão gerar a força motriz suficiente para tomar ao leme a nau que segue em contramão. Li algures que «todo o obstáculo no seu caminho será pequeno se a sua vontade de vencer for grande – quer seja um sentimento, um problema, uma situação ou uma fase». Numa luta desenfreada pelo “salve-se quem puder” eu ainda acho que os fortes deviam cuidar dos mais fracos mas a vida também me tem dado uma consciência de que não está a ser bem assim. Os que se querem manter “à tona” vão soprando a ver se o outro cai, para se alimentarem das “migalhas” que deixam quando precisam de correr definitivamente a cortina.

    Porque cada vez mais se assiste a uma competição, que é desigual, torna-se sensato que os “pequenitos” se abriguem em entidades que os possam representar e os ajudem a acautelar os seus interesses nos “dribles da vida” onde está sempre implícita a vitória e a derrota, porque se estabelecermos um paralelismo – a bola é redonda mas o mundo onde vivemos também sempre será redondo. Agora, o que nenhuma crise conseguiu alterar foi uma lei, que é natural – “a força do todo sempre será maior que a soma das partes”, e será por isso que Portugal estará cheio de “grandes”, que até podem não ser grande coisa e de “pequenitos”, que serão tão grandes!

    Por: Glória Leitão

     

     

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