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    Arquivo: Edição de 01-03-2014

    SECÇÃO: Crónicas


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    Quanto tempo é muito tempo?

    O tempo perguntou ao tempo

    Quanto tempo o tempo tem

    E o tempo respondeu ao tempo

    Que o tempo tem tanto tempo

    Quanto tempo o tempo tem.

    Lengalengas, provérbios, adivinhas, expressões idiomáticas, canções infantis, cantigas de jogos de roda, contos tradicionais, alguns inspirados na gesta dos Descobrimentos, cantados, à vez, por homens e mulheres enquanto segavam o centeio, bem como outras manifestações de cunho popular são preciosidades, do tesouro linguístico comum, repositório anónimo de sabedoria, corolário de atividade reflexiva no silêncio dos trabalhos agrícolas cujos temas têm merecido ensaios e tratados científicos, filosóficos, literários e de outros tipos.

    A abordagem é convidativa pelo encanto formal e pela singeleza que ostentam, usando sabiamente os jogos de palavas, a rima, o ritmo além de conteúdos adaptados à vida de todos, assim contribuindo, abundantemente, para o sentido global desses textos. No discurso, em prosa ou em verso, tudo significa, assim a forma (significante) como o conteúdo (significado). Vejam-se, a título de exemplo, a prosa repassada de emoção nas “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett ou o desenho textual tão próximo de ações e ambientes em qualquer dos grandes romances de Eça de Queirós, a musicalidade de quem vai caminhando, tão importantes como o conteúdo, do poema “A Moleirinha” de Guerra Junqueiro ou a simplicidade comovedora da redondilha maior na “Balada da Neve” de Augusto Gil assim como, num estilo mais objetivo e realista, adaptando a sensibilidade criadora a diferentes situações da vida e da evolução social, de Cesário Verde em “O Sentimento dum Ocidental” (Ave-Marias). De igual modo, para uma peça teatral são fundamentais os cenários, a iluminação e a mise-en-scène associados à qualidade do texto e da sua interpretação; o mesmo se diga em relação aos arranjos musicais associados a uma bela canção e à qualidade do seu ou da sua intérprete.

    Anónimos embora, presume-se que os textos que, de início, referi, tenham sido criados por gente simples mas inteligente e atravessaram épocas, geração após geração. A origem humilde parece evidente e são várias as razões para assim crermos: o anonimato, a linguagem corrente, os temas, na sua maioria adequados à infância ou a públicos não necessariamente instruídos (à exceção talvez dos que tiveram nos Descobrimentos a sua génese) todavia por todos aceites e compreendidos. É que, se os simples encontram interesse e facilidade de apreensão nesses formatos, quem os abordar com outros meios encontra neles, igualmente, matéria de deleitosa degustação.

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    Atenho-me ao nome que dei a esta crónica e à lengalenga que lhe deu início. Falemos, pois, do tempo. O vocábulo tem aplicações diversas: na meteorologia, aquilo que entendemos por “está bom tempo!” se há uma conjugação positiva de temperatura, ausência de nuvens e um belo sol ou se, pelo contrário, “está um péssimo tempo” quando ocorrem chuva, frio, ventos fortes, inundações e outros fenómenos atmosféricos desagradáveis e de consequências nefastas; no sentido sequencial que pode ser medido em minutos, horas, dias, semanas, anos ou décadas, o correspondente a uma geração, expresso em sintagmas como «aconteceu há duas horas…» ou «há uma semana que ninguém a vê», a que corresponde o que os antigos gregos denominavam kronos, de que deriva o nosso tempo cronológico; um terceiro sentido é um momento indeterminado em que algo de especial acontece, sentido qualitativo a que os gregos atribuíam o termo kairós, como «este é o tempo dos homens…», em oposição a «o tempo de Deus». «O pensamento humano estruturou-se de forma a considerar a vida e os eventos que a preenchem de maneira sequencial, contável. A perceção de tempo inferida a partir dos nossos sentidos é estabelecida via processos psicossomáticos onde diversas variáveis, muitas vezes com origem puramente psicológica tomam parte, e, assim como certamente todas as pessoas presenciaram em algum momento uma ilusão de ótica, da mesma forma de que em algum momento houve a sensação de que, em certos dias, determinados eventos transcorreram de forma muito rápida e de que em outros esses mesmos eventos transcorreram de forma bem lenta, mesmo que o relógio – aparelho especificamente construído para medida de tempo – diga o contrário» (Wikipédia – A enciclopédia livre). A causalidade que está presente em todos os momentos da nossa vida, ou seja, que a causa sempre precede o efeito tem sido amplamente discutida no âmbito da mecânica quântica e de outras ciências modernas. «Mesmo a relatividade que trouxe consigo a dependência explícita do tempo com o referencial e os debates quanto à possibilidade de viagem no tempo, preserva a causalidade: se, em um referencial, o evento 1 é causa do evento 2 precedendo-o no tempo, portanto, em qualquer outro referencial esta relação de causalidade será preservada mesmo que a medida do intervalo de tempo entre os eventos possa ser expressa mediante valores bem diferentes nos diferentes referencias escolhidos» (Wikipedia – a enciclopédia livre). Ainda que Albert Einstein, nas suas investigações acerca da relação entre o tempo e a velocidade da luz e do tempo quanto a outros referenciais, tenha escrito: «Uma ilusão. A distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente ilusão», a verdade é que ainda não existe prova indiscutível que enferme o princípio da causalidade e outros princípios da ciência e da nossa experiência diária e permanente.

    Todo este exórdio, que alguns poderão achar deslocado e exorbitante, vem a propósito da minha participação em “A Voz de Ermesinde”. Em janeiro de1994, entreguei um poemazinho ao Sr. Dr. Manuel Augusto Dias, então chefe de redação de “A Voz de Ermesinde” e, desde então, venho emprestando a minha singela contribuição à comunidade de Ermesinde e aos seus leitores em forma de crónicas. Foram já centenas de crónicas e poemas que fui deixando. De alguns desses trabalhos resultou um livro que publiquei há quatro anos. Estou agradecido a todos os leitores que partilharam desse trabalho, transmitindo-me as suas opiniões oralmente e através das redes sociais. Vieram de Trás-os-Montes, do Brasil, da França, quiçá de outros lugares. Agradeço, sobremaneira, a diretores, chefes de redação, jornalistas, estagiários e outros colaboradores do jornal durante este período. Foi muito tempo? Foi pouco? Muito, pouco, algum, bastante, tanto e ainda outros são quantificadores indefinidos que não implicam juízo de valor. Verdade é que vinte anos passaram. De nada me arrependo, nada exigi nem me foi requerido. Não é uma despedida. Como é hábito generalizado lembrar datas e períodos, este trabalho foi a marca que deveria ter sido assinalada há mais de um mês. Continuarei a enviar os meus trabalhos enquanto os responsáveis do jornal desejarem. No dia em que se tornarem aborrecidos ou deixarem de corresponder ao que deles esperam os leitores, pousarei “a minha pena” e darei lugar a outros, porque essa é a lei da vida.

    Por: Nuno Afonso

     

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