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    Arquivo: Edição de 15-12-2013

    SECÇÃO: Crónicas


    CRÓNICAS DE LISBOA

    Natal (idade)

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    O Natal é das crianças, diz-se, talvez porque o símbolo genuíno deste período no mundo cristão seja um menino (Jesus Cristo) deitado num simples berço (ou manjedoura) de palha e semi-nu, rodeado dum casal (homem e mulher, para os católicos Maria e José) e de dois animais domésticos. Talvez por isso ou não, os presépios viraram moda conduzindo-nos para o imaginário mítico dum “modis vivendi” simples. Quem é insensível, e não pensemos apenas nas crianças, que fica indiferente àquelas imagens, desprovidas de luxos e representativa duma forma de vida da época, mesmo que não professe o cristianismo ou seja crente? Obviamente que o mundo mudou muito nestes dois mil e treze anos da era cristã e as banalidades de hoje, para os ricos e remediados, seriam luxos para muitos milhões de seres humanos, por esse mundo fora, onde sobrevivem (?) milhões de “meninos-Jesus”, que não têm sequer acesso a coisas tão básicas para a vida humana. Vivemos, pois, num mundo terrivelmente desigual, mesmo naqueles que professam a mesma fé e a mesma religião, pelo que o Natal não é igual para todos, muito longe disso. Deveríamos, pois e pelo menos nesta época natalícia, olhar em redor e não fecharmos os olhos ao sofrimento humano, nas variadas formas, por vezes bem perto de nós, na nossa rua , bairro ou cidade. “Mas quem sou eu e que força tenho para resolver os problemas do mundo?”, pensamos e dizemo-lo, para não agirmos e para justificarmos o nosso egocentrismo em relação àquilo que de mau nos rodeia, fechando-nos ainda mais e com essa atitude tornarmos-nos mais frios e egoístas. Assim, o Natal encontra em cada um de nós o caminho aberto para se converter ao consumismo, perdendo grande parte da força e do seu significado e simbolismo: família, crianças, amor, paz, solidariedade, fraternidade, etc, entre os humanos, sejam familiares ou não. E nessa festa, seriam as crianças os elos unificadores e congregadores entre os adultos, mas também elas já foram “convertidas” pelos adultos a uma nova “religião”- o consumismo e o materialismo - que, friamente, vai alterando os valores humanos.

    Endeusados pelos pais, avós e outros familiares, por serem cada vez mais raros, devido à baixa natalidade, estas novas crianças continuam a ser o centro das festividades natalícias, nas famílias onde ainda existem crianças e jovens, mas perderam a graça e a genuinidade das crianças doutros tempos não muito longínquos, em que a alegria natalícia provinha de valores bem mais simples e genuínos e não na sofisticação e na quantidade das prendas que lhes são oferendadas por aqueles que as idolatram, estes, por vezes, que acabam por ser vítimas das exigências daqueles seres cada vez mais insatisfeitos, face ao “mundo da abundância” a que são habituados. A crise em que muitas famílias deste ex-rico país caíram, acaba por trazer problemas afetivos mais difíceis de gerir, porque muitas dessas crianças estavam habituadas a extravagâncias e que agora os pais não podem satisfazer.

    E nos lares onde já não há, por vezes há muito tempo ou algumas gerações, crianças e jovens, como é passado o Natal dos dias de hoje? São lares onde faz falta o chilrear e a alegria contagiante das crianças e dos (ainda) jovens sem rebeldias nefastas ou com comportamentos contestatários ou mesmo desviantes, porque os erros passados já estão consolidados na sua educação e onde não existe um futuro de continuidade da respetiva árvore genealógica.

    É verdade que globalmente a população mundial continua a crescer, ameaçando o equilíbrio da Terra, mas, geograficamente muito desigual. Se nalgumas partes do globo o aumento da população é dramático, em vários aspetos, nos países desenvolvidos, a natalidade tem vindo a diminuir, criando sérias ameaças à sustentabilidade do modelo económico e social neles vigente. Este é um problema que tem que ser entendido e encarado em todas as suas variáveis e implicações e não apenas segundo as variáveis “capitalistas”. Mas, infelizmente, os governantes, com os mandatos sempre a curto prazo, estão mais preocupados com a questão da sustentabilidade financeira e esquecem-se que o modelo das sociedades da “abastança”, real ou fictícia, foi matando valores humanos, principalmente a família, onde se realiza o sublime papel da natalidade e a sustentação do modelo de sociedade, sem esquecer a perpetuação intergeracional das famílias.

    São muitas as desculpas invocadas por aqueles que não querem ter filhos, alguns motivos com razão, que, contudo, até eram mais graves e difíceis no tempo em “nasciam os filhos que Deus quisesse e todos se haveriam de criar”, como dizia o povo, mas talvez os motivos mais fortes sejam reflexo dum puro egoísmo e duma forma de vida que oferece outras alternativas à maternidade e à paternidade. O investimento (dinheiro, tempo e longo, sacrifícios, etc., inerentes a um filho) pode ser gasto noutros prazeres, pensarão muitos jovens casais e adiam ou recusam a natalidade e a sua insubstituível realização humana. Esta sociedade do bem-estar, muito aberta a aprovar e a aceitar certos comportamentos e devaneios, incluindo os sentimentos e os afetos, tem vindo a matar valores e a revolucionar a sociedade dos afetos, para além da vital questão da perpetuação das famílias e até da espécie humana, esta contudo garantida pelos fortes movimentos migratórios provenientes das regiões pobres e de elevada natalidade. Paradoxalmente e porque um filho e ou um neto é cada vez mais raro em muitas famílias, estes acabam por ser tratados como príncipes, apesar de infelizmente persistir horrenda violência sobre as crianças mesmo nos países desenvolvidos, mas relevando os aspetos negativos, com consequências nefastas dessa forma de educação, isto é, fomentar nas crianças os egoísmos e os egocentrismos que determinarão a sua personalidade e atitudes futuras. Que tipo de cidadãos estamos a educar e a formar? Esta é, pois , uma época que nos deveria levar a meditarmos nos erros que estamos a cometer sobre as nossas crianças e jovens, mas que se refletirão também nos seus próprios ascendentes (pais, avós, etc.), porque : “filho és, pai serás (?); como fizeres, assim receberás”.

    O Natal é das crianças e com as crianças, mas onde estão elas. “Made in China”, como muitas coisas que tornam o Natal tão consumista e que adquirimos ainda mais nesta época? Também lá o novo-riquismo de alguns chineses já está a sobrepor-se aos valores familiares tradicionais, mesmo não sendo uma nação cristã. Para onde caminhamos?

    Por: Serafim Marques

     

     

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