Um erro criativo
À margem dum sonho pequenino,
A sombra crua do viver antigo
De trabalho insano e frugal sustento.
Que um homem não vive só do vento
Nem se governa com letra e fantasia.
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Braço de menino é curto, longo o cabo da enxada,
Duro o manejo da charrua na vessada
E o largo quarto de lua descrito p’la gadanha,
Mas pode segar a gabela de ferranha
Estrumar a loja, dar de comer à cria.
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“Trabalho de menino é pouco
Mas quem o despreza é louco”-
Assim diz o povo, e com razão
Pois de geração em geração,
A realidade sustenta a teoria.
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Por um vidro partido, nessa manhã de inverno,
Soprando, o vento arrepiava as folhas dum caderno
Que o menino abandonara na carteira
E onde deixara escrita mensagem certeira
De um tema proposto que, em breve, interrompia.
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Sequência de palavras que um erro intercalava:
- “Entre parêntesis” - a mestra ensinava.
O meu pai (tralha ) trabalha
Segmento inconcluso, que o contexto nos valha
Na compreensão do que o menino pretendia.
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Ríamo-nos, tolos, daquele ato falhado
Inconscientes do seu significado:
Mais do que erro ortográfico, erro de escolha
Do rumo a seguir na vida, inscrito ali na folha
Não apenas exercício, profecia.
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O rapaz cresceu, entre aldeia e serra
Parco no convívio, amanhando a terra.
Adiante foi chamado à vida militar
E, como tantos outros, seguiu p’ro “ultramar”
Porque era assim que, em regra, acontecia.
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Do seu canto europeu, nem um ligeiro apelo
A lembrança fagueira de um antigo anelo,
Pais falecidos, herança minguada
Entre irmãos repartida … quase nada.
Era só o que a vida prometia.
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Angola era uma luz mais promissora
Pensava dia a dia, hora a hora,
E, enquanto não findava a comissão,
Retomava o estudo na intenção
De alcançar o objetivo que antevia.
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Fez a primária, o ciclo, o quinto ano
Venceu o erro, corrigiu o engano
Da frase que deixara interrompida
E concluiu que em tudo, nesta vida,
A força de vontade é nossa guia.
Por:
Nuno Afonso
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