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    Arquivo: Edição de 17-05-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    Para além das aparências

    Rodou a maçaneta para a esquerda, espreitou e voltou a encostar a porta de mansinho, não o suficiente para evitar que os alunos se tivessem apercebido. A cabeça da professora descreveu um ângulo de 90º no mesmo sentido mas nada viu embora achasse estranho. No intervalo, momento em que todos os docentes se reúnem para afagar o estômago que mais não seja do que bebericando café ou chá e pôr a conversa em dia, a funcionária veio apresentar-lhe um ofício:

    - Desculpe, fui à sala para lho entregar mas estava lá um padre…

    A professora virou-se para a funcionária, em seguida para mim e soltou uma risada:

    - Um padre? Ouviu esta, Nuno? O padre era você. Que lhe parece?

    Outros, em tais circunstâncias, ficariam agastados. Católico praticante e antigo seminarista, não me senti, nem um pouco, aborrecido. Foi a minha vez de intervir:

    - Então acha que, pelo facto de usar fato e gravata, me assemelho a um padre?

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    - Desculpe, senhor professor, não quis ofender - respondeu a senhora atrapalhada.

    - Não se preocupe. Quem falou em ofensa? Esteja tranquila.

    A mulher saiu e a conversa tomou rumo diferente relacionado com alunos e burocracias. Por isso é que se diz que os professores não sabem falar de outra coisa mesmo quando se encontram fora do espaço escolar. Salvo raras exceções, já éramos conhecidos, o que permitiu recordar situações partilhadas em tempos não muito distantes: parceria no Conselho Pedagógico do Agrupamento num caso, filhos de algumas colegas de quem fui professor no Segundo Ciclo, alunos que transitaram daquela escola para as minhas turmas e outras ainda. Porém, o quiproquó da funcionária deu azo a divagar um pouco, fazer um rápido flash enquanto as minhas anfitriãs discorriam acerca de momentosos problemas daquela escola.

    Desde que o Concílio Vaticano II dispensou os sacerdotes de usarem as vestes talares, estas foram substituídas por roupas urbanas, via de regra fato e gravata, usadas em momentos importantes da vida em sociedade. A ninguém lembraria visitar pessoa de respeito ou comparecer a um evento importante com outra indumentária, não obstante a progressiva democratização dos costumes. Em qualquer repartição pública, os funcionários apresentavam-se com essa indumentária, advogados, engenheiros, médicos, comerciantes ou empregados de escritório, nos respetivos locais de trabalho, mostravam deferência em relação aos clientes pela sua apresentação, exceto quando existia um hábito distintivo: bata, beca, toga ou similar. Tal uso trazia implícito o respeito devido à sua profissão e àqueles que os procuravam no exercício das respetivas funções.

    Por respeito, habituei-me a comparecer na escola, diariamente, de fato e gravata. Lembrava-me dos meus tempos de miúdo em que todos os professores vestiam a rigor. Eram homens respeitáveis e respeitadores. Em nenhum outro lugar, o respeito era mais adequado e exigível do que na escola. A conquista da liberdade no pós-25 de Abril de 1974, trouxe uma liberalização de costumes que, em muitos casos, degenerou em abandalhamento. Via colegas desleixados no vestir, como nas atitudes, que assim julgavam afirmar a sua qualidade de democratas e, no meu íntimo, reprovava tais excessos. Jamais consegui identificar-me com semelhantes procedimentos, a dignidade das pessoas estava para lá desses exageros. Exterioridades! poderão alguns ajuizar. Não, se forem acompanhadas de ações que lhes correspondam e a elas se ajustem. Constituir-se como modelo a seguir, dar bom exemplo nas relações com alunos e outros docentes, ser educado e afável mas exigente consigo e com os demais, assíduo e pontual em todos os momentos, disponível e colaborante nas iniciativas dos (das) colegas ou dos alunos, fugir de mexericos e maledicências, demonstrar fair-play sempre que acontecesse disputa de lugares e outros nos ultrapassassem, em suma, demonstrar profissionalismo, competência e humildade, e temos um rol a condizer com a referida encadernação.

    Todas estas considerações ocuparam o meu espírito nos breves instantes em que as atenções dos presentes se concentraram em matérias que eram da vivência daquela escola e de possíveis expansões dentro do agrupamento de Alfena.

    Quantas coisas podem caber num brevíssimo instante de reflexão!

    Por: Nuno Afonso

     

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