Sentimentos em tamanho XXL!
Uma das formas que tenho para interiorizar uma filosofia muito própria de encarar a minha vida, vivendo-a na forma como passou a fazer sentido para mim, é procurar e encontrar pessoas que já se deram ao trabalho de pensar e há frases, mesmo curtas, que eu encontro e não me importava nada de ter sido eu a escrevê-las. De todas as formas, encaro-as como aprendizagem e adoto-as, interiorizando-as, pois são assinadas por gente social e intelectualmente evoluídas. O mesmo acontece com os ditados populares que também respeito, não só por serem de senso comum mas também porque foram “construídas” através de uma escola única: a da vida, transmitida através das gerações. Neste apontamento é esta, que vai merecer a minha reflexão e se atribui a Aquilino Polaino-Lorente: «Desfazendo a família, desfaz-se a sociedade inteira. A família é anterior e superior à sociedade, tal como a sociedade é anterior ao Estado. Sem pessoa não há família. Mas sem família a pessoa quebra, não amadurece ou estrutura-se mal. Sem família não há sociedade. Sem sociedade não há Estado. O próprio futuro e sobrevivência do Estado dependem da família».
E penso que serão esses laços profundos que ligam as pessoas entre si, ao ponto de nunca serem abandonadas (mesmo quando se tornam dependentes), atraiçoados pelas contingências da vida, como é o caso de um antigo colega de trabalho que passeava com o neto que montava na sua pequena bicicleta e, num final de tarde, um carro colheu-o junto à berma da estrada, poupando o menino, que escapou ileso a este acidente. Este avô foi atirado para um estado tetraplégico e de total dependência da sua família. Morando no final da minha rua confesso que nunca tive a devida coragem para o visitar mas a vida cruzou-me com ele num convívio com familiares que fizeram questão em o ter lá. Ao olhar para ele vi uma “sombra” do homem que conhecia e tinha sido meu colega de trabalho durante 12 anos, sempre com uma boa disposição e alegria que contagiava toda a gente. Acusei também o “desabafo” da sua filha: as pessoas não terem a disponibilidade para lhe irem dizer olá.
Recentemente, no “meu” autocarro (que apanho normalmente no mesmo horário, a exemplo do que fazem dezenas de pessoas), habituei-me a ver praticamente sempre no mesmo lugar uma avó que tem a responsabilidade de levar a neta, pela manhã para a sala de estudos e que, a uma dada altura, dizia a esta menina: «Sabes, esta senhora foi colega de trabalho do teu avô». Perguntei como se chamava a pessoa a que se referiam – o Geraldino –, que eu soube ter falecido há cerca de um ano e que, morando na mesma freguesia, eu nem sequer imaginava que estaria doente, acamado durante oito anos e cuidado pela sua família de uma forma extremosa, ao ponto de ainda hoje ver uma esposa com ar sofrido e triste, de quem não se importaria nada de ter continuado com o trabalho de cuidadora desde que ele tivesse podido ficar. Ao olhar para o rosto moreninho daquela jovenzinha, imagino a alegria que teria tido aquele nosso colega (irreverente, contestatário mas humano e companheiro, amigo e respeitador) ao vê-la crescer e partilhar dos seus sonhos.
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Nesta “viagem” que faço mentalmente por terras da Maia, lá venho eu para as terras de Ermesinde, onde encontro também um colega de há muitos anos que me sorri com a mesma doçura e respeito. Cumprimenta-me assiduamente porque é vizinho aqui do nosso gabinete de trabalho e explicou-me que se reformou há alguns anos e agora cuida da esposa que depende dele porque é muito doente e ele é incansável, segundo sei, em retribuir os anos em que ela também esteve ao lado dele quando, a trabalhar em regime de turnos, se desgastava mas nunca ao ponto de ter ficado impossibilitado de poder estar lá, ao lado da sua companheira de sempre, apoiando-a de forma incondicional.
Em tempos de agora, nas minhas viagens e durante um percurso relativamente curto, lá vou eu a falar com a Carolina, que me disse estar com dificuldades na Matemática e no Inglês mas também chegamos à conclusão que há-de ser uma questão de tempo até ela perceber que tudo funciona como uma “engrenagem”, e quando ela “apanhar o fio” vai conseguir de certeza porque, tal como lhe explicava um destes dias, ela tem que “Insistir, Persistir e nunca Desistir”. O Senhor Moura lá se vai cruzando comigo, não escondendo o sorriso por trás das suas barbas brancas e todos os dias neste meu percurso passo pela casa do Andrade (que me disse ser também “andrade” até morrer). Já não acompanha o compasso na Páscoa mas o neto, que cresceu, já lhe sucedeu nesta visita, pelas casas de gentes de Vermoim. Ainda foi grande a lição que a sua filha me deu quando disse que o pior que lhe podiam dizer era: «Mais valia Deus tê-lo levado!», e a sua revolta vai no sentido da resposta que dá: «Falam bem, porque não é o pai delas!», aquele que ela quer reter junto a eles, na casa que ele tinha idealizado e construído para abrigar a sua família que está lá, incondicionalmente ao seu lado!
Um destes sábados, depois de visitar o Sr. Albino (o pai da Rosinha da farmácia), e ver a forma cuidada como ele está a ser amado pela sua família (mesmo quando a D.ª Maria José se zanga quando os filhos e os genros se “piram com ele”, mesmo debilitado, levando-o a visitar os amigos), eu senti mesmo necessidade de registar por escrito esta forma que encontrei para homenagear e curvar a cabeça perante estas pessoas que escolhi para representar tantas outras que felizmente existem espalhadas pelas terras do nosso país e por esse mundo fora, e que são do tamanho da sua generosidade e do seu amor – o tal XXL ou até mais: o “extra large”, aquele tamanho que abarca tudo o que lá caberá como entrega única, em dias de S. Valentim que para elas, sim, são todos os dias, contabilizados em… um dia de cada vez!
Por:
Glória Leitão
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