Obrigado!, digo eu...
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Foto URSULA ZANGGER |
Numa segunda semana de julho eu tinha escolhido uma semana para gozar as minhas férias numa escolha que era muito minha – ser feliz e, ao palmilhar pela vida eu tenho percebido que cada um é efetivamente feliz à sua maneira, daí que o “barómetro” que mede a felicidade tem calibrações diferentes de pessoa para pessoa e é também por isso que só mesmo eu poderei falar de um sentimento que também é vivido muito à minha maneira porque é a mim que me preenche.
Coincidentemente também nesta semana e num dia cujo dígito era o 9, eu celebrava 52 anos em que vinha ao mundo e, no final deste dia, colocava como agradecimento a tantas manifestações de carinho o seguinte comentário:
«A forma de agradecer a todos os que me guardam num cantinho do seu coração e hoje ficaram felizes por mim é dizer-lhes obrigado, por tornarem tão bonito este meu dia, que começou com a alvorada e terminou agora, em paz e com aquela sensação que gostaria me continuasse a acompanhar nestes 52 anos de vida: dançar slow com a vida – embalada pelas alegrias e até pelas tristezas, pelo sol e pelas estrelas e principalmente nunca esquecer que o caminho se faz, caminhando».
Este dia tinha começado bem porque, logo pela primeira hora da manhã, eu encontrava gente amiga que tomava café numa esplanada da Maia à qual me juntei para um café da manhã, porque não resisti mesmo ao sorriso e ao carinho com que fui agraciada, ainda mais que tinha no pequeno grupo um menino, Tomás, de sorriso enorme, de carinho enorme e também de educação e de saber estar, enorme e nem sempre comum nos tempos de hoje.
Seguia depois o meu caminho que, a meio da tarde e durante uma semana, me levariam para o local privilegiado e que eu tinha escolhido para passar as minhas férias: apoiar o jornal “A Voz de Ermesinde” na Feira do Livro que decorria em Ermesinde e que era uma experiência que nunca tinha vivenciado e também – estava certa! – em que iria aprender tanto, sobre tanta coisa que eu não sabia.
Claro que foi enriquecedor e ficou muito para além de todas as minhas expectativas, porque eu nunca tinha parado, durante tanto tempo, a conviver com gente de livros, ainda mais gente corajosa como esta que não se acomodou ou abrigou numa palavra que hoje é quase moda usar – “crise” – e que serve também para se cruzar os braços e muitas vezes pôr-nos numa atitude de vassalagem perante a vida como se estivéssemos à espera de um carrasco que nos vem “executar”.
Com uma autarquia (que será seguramente o exemplo de muitas outras) corajosa e com gente também muito corajosa do pequeno stand onde estava instalada, eu pude ver um trabalho inexcedível e gente que não se demoveu do seu propósito: fazer com que este evento cultural fosse um sucesso e não se deter perante as adversidades de um tempo que não era próprio de um verão de julho, em que até a chuva nos visitou, como é tradição das feiras dos livros, conforme ouvia comentar e até rir.
Num espaço mais reduzido de expositores certo é que livreiros que acreditam nos livros que comercializam e no talento de autores que convidaram, deram o melhor de si e as pessoas foram correspondendo muito pelo respeito que sentiram por esta teimosia e coragem e até por “cultura” e orgulho de participarem numa animação muito de carácter intelectual e lúdico que animou este “ex-libris” de Ermesinde, que é considerado como uma “sala de visitas” desta cidade – o Parque Urbano.
Além da sorte de estar instalada junto ao pequeno palco onde os acontecimentos culturais decorriam, dali podia presenciar a azáfama que todos os dias envolvia colaboradores deste evento num espaço destinado à “oficina de ideias” que juntava crianças e jovens, apelando a apoiando no desenvolvimento de capacidades de criatividade com manuseamento de materiais e letras que os entretinham ao som de música alegre, como eles, que eu ouvia rir e “palrar” numa animação constante.
Assisti extasiada a um encontro de gerações porque, mesmo em apresentações de livros tão particulares, como foi o caso de “O Caracol”, pude ter à minha frente uma assistência composta na sua maioria por pequenada mas penso que o seu autor, Renato Roque, foi tão eloquente, tão avô e tão intenso, que precisei de interrompê-lo para que me autografasse um livro para um senhor que tinha cerca de 80 anos de idade e os seus olhos brilhavam de entusiasmo quando lia a dedicatória que lhe foi feita.
Também e neste encontro a vida cruzava-me com o tal menino com cuja família eu tinha partilhado o café do meu aniversário: Tomás, que sentado na fila da frente com os seus colegas do ATL prendia-se a uma história cujo seguimento teve que interromper, porque precisava de sair mais cedo para ir a uma consulta médica e não esqueço o sorriso rasgado que me endereçou – não me tinha esquecido e não saiu sem se despedir com um acenar de carinho, e também de respeito, porque em tempos que se situam em 1977 a vida me tinha cruzado com a sua avó, Eduarda que foi minha colega de trabalho durante 12 anos e de quem tinha ficado amiga.
Aqueles meninos que se prenderam a “O Caracol”, um livro escrito por uma pessoa de sorriso fácil, seguramente iriam compreender o gesto que partilhei na minha crónica anterior, “Mamie”, quando explicava porque não tinha coragem de matar este pequeno ser e que inclusive me ajudava a passar o passeio para que não fosse “atropelado” pelos pés dos humanos e, se calhar, olhar-me-iam de forma especial quando soubessem que o principal motivo também era para que nunca mais me aparecessem como iguaria no prato, mesmo que cozinhado com mestria.
Depois desta apresentação em especial, também foi difícil conter a emoção no dia seguinte. Uma menina com cerca de oito anos veio ter comigo pedindo-me que lhe vendesse um exemplar do livro que queria ler à noite ao irmãozito que tinha cerca de dois anos e, quando lhe disse o preço, ela praticamente ficou em “pânico” porque só tinha metade do dinheiro e como dizia – precisava do livro, tinha assistido à sua apresentação e, se ela gostou da história, o irmão também ia gostar. Teve sorte porque junto a mim estava a “pessoa oportunidade” que financiou o restante em falta e ela lá foi com o livro agarrado a ela como se tivesse encontrado o seu tesouro.
Foram 10 dias recheados de eventos e acontecimentos, em que se conhecem pessoas anónimas fantásticas, com vidas fantásticas e de sorrisos fantásticos, que cada vez mais me fazem consolidar a ideia de que viver é mesmo a melhor aventura com que a vida nos pode presentear, e lembro autores que escrevem por paixão e vi-os declamar a sua poesia que os emocionou, que nos emocionou e, para mim, a “cereja em cima do bolo” foi assistir a uma tertúlia de gente intelectual que fala e se preocupa com um país que se chama Portugal no qual parece que as pessoas começam a perceber que tem gente dentro e que também nem o melhor cozinheiro conseguirá fazer “omeletes sem ovos”.
Quando a diretora do jornal me disse: “Obrigado, Glória, por tudo!” eu, refletindo enquanto vou escrevendo estas minhas notas de tanto que fui aprendendo, a que acrescento a paciência do meu vizinho da frente, Manuel Valdrez que representava a Àgorarte e que me emprestava a sua caixinha mágica – o seu computador, para eu me ligar ao mundo e aos amigos, que me aturava as tropelias e as gargalhadas, a minha família que me protege a retaguarda, os meus colegas das Saibreiras que me visitaram para me dar coragem e incentivo, os meus amigos que vêm lá de longe para uma cafezinho, os meus vizinhos de stands livreiros que perceberam e desculparam qualquer falha própria de quem é novata nesta andanças e toda a equipa de “A Voz de Ermesinde” que confiou em mim, só posso finalizar dizendo:
Obrigado! digo eu, por tudo o que me foi permitido aprender e por tudo o que me é permitido partilhar nesta forma que tenho de me ir ouvindo a mim mesma, escrevendo.
Para mim tudo se resume mesmo no sorriso do Tomás, que representa todos os sorrisos de meninos e meninas, pequenos e grandes e que enchem a alma de qualquer pessoa que tem a sua forma particular de ser feliz e que foi ainda enriquecida por uma flor de papel que nos foi entregue no final e como gesto de despedida de uma Câmara Municipal que se atreveu.
Bem hajam! A todos!
Por:
Glória Leitão
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