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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-01-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    Quando se acredita!

    Quando chega ao final do mês e vou ao multibanco confirmar a transferência do meu salário, se calhar será considerada falta de ambição eu nunca pontuar se é pouco ou muito, porque as graças que dou quando está disponível é a certeza de que posso cumprir os meus compromissos e poder carregar o meu passe – a garantia de que me posso deslocar para o trabalho durante todo o mês que começa. Tudo o resto se há de conquistar.

    O mesmo acontece agora no trabalho de “part time” e aqui as graças que dou é ter duas pernas, não importa se são jeitosas ou não, preciso é que sejam saudáveis porque isso é que me permite caminhar e lutar pelos meus sonhos. Certo é que caminho muito mas também transformei este trabalho numa atividade gratificante, porque encontrando gente menos recetiva, também encontro gente fantástica com quem aprendo. Ainda, posso sentir o tempo, posso ver as estrelas, posso escutar a noite, escutando-me, e até a chuva não incomoda em dias em que precisamos muito de aliviar a pressão.

    O que seria muito mais difícil ao andar de carro, quando palmilhamos por ruas que muitas vezes desconhecíamos é que ao fazê-lo encontramos bocadinhos de passado, lembranças que nos trazem saudade e foi o que aconteceu há pouco tempo atrás, quando entrei numa associação recreativa e cultural localizada numa das freguesias da cidade do Porto, Aldoar. Eu tinha-me esquecido do que lá encontrei – o valor do Associativismo e tudo o que ele representava nos nossos tempos passados.

    Numa das inúmeras dádivas que recebo da vida, consegui mais um “tijolinho” da minha construção e representado pela amizade que neste caso, vinha acompanhada de mais um valor acrescentado na minha aprendizagem, tendo em conta que é uma pessoa que tem a paixão pelo associativismo.

    Curiosa que sou na necessidade que sinto de aprender e de tanto me tornar chatinha a fazer perguntas, querendo saber como sobrevivia uma coletividade, tive o privilégio de poder ir conhecer a sua associação, onde desempenha as funções de presidente, e dei logo de caras com a história de um passado que estava honrado na exposição de fotos das pessoas que ao longo do tempo tinham acreditado naquele projeto.

    Lá, encontrei as tradicionais áreas de convívio – cafetaria, sala de jogos, sala de informática e, numa outra, encontrei miúdos, já adolescentes, que praticavam um desporto que também me fez levar à minha adolescência: ténis de mesa (mas eu gosto mais de dizer pinguepongue), uma atividade desportiva que eu pensava já não ser muito procurada. Eu tinha praticado este desporto em 1978 e também num centro cultural e recreativo de uma empresa onde trabalhei.

    Foi-me explicado que nas atividades desportivas estão envolvidos cerca de 40 adolescentes e eu fiquei contente, porque é saudável o desporto e é saudável partir de um espírito associativo que penso ser “herança” e passar de geração para geração, o que significa que senão todos, alguns lhe darão continuidade.

    Tem que ser mesmo herança, porque quando me mostravam a associação eu vi uns olhos brilhantes de saudade quando me falavam de passado de menino, explicando-me o que era aquela associação há mais de 45 anos, como se lá estivesse, recuando no tempo, presenciando e vivenciando tudo o que cabia numa cabeça de criança, e depois também vi o orgulho por tudo o que seria obra feita ao longo dos anos no sentido de preservar e inovar.

    Encontrei uma pessoa que lutava por sonhos, concretizáveis, porque falava em crescer no futuro com projetos já em curso e numa fase de concretização da possibilidade de poderem ser alargadas as instalações com a deslocalização para outro espaço que seria cedido pela autarquia da localidade – amigos e parceiros desta e de todas as associações que são inúmeras e que se encontram espalhadas pelo país, conforme pude constatar ao fazer uma ligeira pesquisa na internet.

    Este alargamento de instalações destina-se a poder dar melhores condições aos miúdos que se podem estender nas suas atividades desportivas, que incluem o futebol, e também a pessoas mais idosas que procuram a associação para se encontrarem e conviverem no tradicional jogo de cartas, o que se pode estender à malha, ao xadrez ou mesmo às damas.

    Quem me conhece bem... diz que eu nunca seria uma pessoa vazia, porque arranjo sempre temas sobre os quais escrever as minhas ponderações e é isso mesmo, porque efetivamente ter visitado aquela associação fez-me registar por escrito as minhas reflexões, ao perceber que, em tempos da nossa infância, as pessoas sentiam necessidade de se associar e faziam-no por partilhar sonhos comuns e objetivos comuns.

    Penso que todos nós teremos na nossa recordação coletividades e associações que existiam próximo de nós. Eu, por exemplo, morei muitos anos junto a um campo de futebol que pertencia à Casa do Povo da minha freguesia que, na sua essência, tinha como objetivo representar os interesses das pessoas ligadas à lavoura – os “moços” que não faziam descontos para a Previdência e aqui viam protegidos os seus direitos. Tinham também associadas a si atividades desportivas e também de lazer, com a organização de convívios e dos tradicionais bailes de S. João, animados por altifalantes.

    Em coletividades, associações culturais, comissões de festas religiosas, ou não, casas do povo ou associações de solidariedade o principio básico é o mesmo: juntarem-se porque partilham de valores e causas comuns, sem fins lucrativos e com o objetivo de servirem o próximo, voluntariamente, e sem retirarem proventos da sua dedicação que, na maioria das vezes, sai cara por tudo o que tem que se sacrificar pelo nível de entrega que lhe está implícito.

    Pensava que eram causas com tendência a serem esquecidas e abandonadas, mas agora acho que estou enganada, porque vamos sentir a necessidade de as “reativarmos” e voltarmos a um convívio saudável de partilha e discussão de ideias, que contribuirá para a herança de um saber que fica deixado como um legado às novas gerações.

    A fazer isso, envolvendo-nos e participando, sairíamos todos do “bunker” onde nos enfiamos nós e os nossos filhos - a nossa casa, o nosso computador, a nossa internet, e poderíamos, em grupo, discutir problemas, discutir soluções e depois disso não ficarmos inertes, “arquivando” tudo o que vamos debatendo e que consideramos positivo para nós, cidadãos, e para o País, porque devíamos usar os meios de que atualmente dispomos para as transmitir – se formos muitos alguém nos ouve e se forem sensatos dar-lhes-ão o devido encaminhamento.

    Ao sairmos do nosso casulo, ajudamo-nos e ajudamos os nossos filhos porque aprendemos e ensinamo-los a conviver e a trabalhar em grupo, em equipa, percebendo que o todo é mais importante que a soma das partes, porque hoje e cada vez mais num futuro a curto prazo é importante a entreajuda e penso que o isolamento nos conduz ao individualismo e ao egocentrismo e elimina-se a nossa capacidade de partilhar conhecimento que só é forte se for usado como sinergia e em grupo.

    Cada vez se torna mais corajoso ter gente que se entrega a causas altruístas, e esse facto não é percetível à maioria das pessoas, que esquece que quem o faz não é remunerado por isso. Fá-lo voluntariamente, por necessidade de se “doar” a si mesmo, aos seus conhecimentos, à sua disponibilidade, à sua crença, e isso é percetível na associação que visitei e na instituição onde trabalho, uma outra forma de associativismo – garantir, preservar e gerir a solidariedade, com a ajuda preciosa das autarquias que confiam e sabem que ao ajudarem estão a contribuir para a história e para os valores das suas pessoas.

    É lógico que tudo isso gera controvérsia, há sempre os críticos e os céticos, “treinadores de bancada” que à distância contestam e muitas vezes gostam de pôr em causa as pessoas que sendo corajosas, teimosas e inovadoras, se atrevem a ousar mas aqui, para quem acredita que a única forma de arranjar coragem e continuar a seguir em frente é lembrar-se do conto popular sobre o velho, o rapaz e o burro, a que o povo sabiamente dá a seguinte conclusão:

    “Vamos lá rapaz, com as nossas lições: burro é quem dá ao mundo satisfações!”

    Associações, coletividades, casas do povo, também geram postos de trabalho, que por mais ínfimos que sejam não devem ser desprezados ou desvalorizados por envolvem sempre famílias, o pilar básico onde assenta uma sociedade, que por si é o espelho dos seus cidadãos – nós mesmos!

    Por: Glória Leitão

     

     

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