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    Arquivo: Edição de 15-11-2011

    SECÇÃO: Crónicas


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    Os sonhos e o futuro

    Desde o alvor do conhecimento individual, os sonhos são parte de nós: inspiram-nos, incentivam-nos, interpelam-nos, fazem-nos viver. A sua resolução depende da força interior que possuirmos e das circunstâncias que nos favorecem ou limitam. Não existem sonhos de maior ou menor importância porque estão condicionados pelo que somos e pelo que temos. Para uns pode ser o alimento dos filhos; para outros aquela viagem que os lóbis turísticos supervalorizam; para muitos a cura de uma doença grave que os atingiu. Os sonhos são, com frequência, plurais, interligam-se, a realização de um serve de apoio a outro mais alto que, por sua vez, permite alcançar um que, antes, parecia inacessível.

    Ás vezes os sonhos morrem porque a sua concretização não correspondeu ao que deles esperávamos.

    Há pessoas que desistem ante as dificuldades que teimam em empecer-lhes o almejado objetivo, as que aguardam, pacientemente, a oportunidade de realizarem o que sonharam e continuam, passo a passo, na senda de novos desafios, aquelas que conduzem os sonhos para além do limite das próprias forças e das circunstâncias que as balizam, transformando-os em utopias. É comum dizer-se que alguém “sonhou demasiado alto” quando não obtém sucesso; porém, se os sonhos comuns fazem avançar a História, as utopias mudam-lhe o rumo, quer se fale em termos individuais, quer coletivos. De utopias individuais é provável que alguns leitores tenham conhecimento como eu tenho; de coletivas lembremo-nos do Infante D. Henrique, que sonhou novos mundos e reuniu à sua volta uma plêiade de sábios geógrafos, cartógrafos e afins – dando de barato ter havido ou não uma verdadeira Escola de Sagres – que tentou descobrir os mistérios para além do que era conhecido, dando início à epopeia dos Descobrimentos.

    Não existe criatura racional que não tenha sonhos, por mais comezinhos que pareçam. Quando eles já não existem, também nós apenas fingimos viver uma vez que, no dizer de António Gedeão, «o sonho comanda a vida» e, desaparecido o comandante, o navio fica, por inteiro, à mercê da natureza.

    E porque o homem tem necessidades básicas, sendo a própria subsistência de todas a maior, como disse o genial Padre António Vieira num dos seus magníficos Sermões, forçoso é garanti-las da melhor forma possível. Esse é, pois, o magno sonho de todo o ser vivente. Para o realizar, empenham--se todos os esforços sobretudo quando se constitui família e é forçoso que esta seja alimentada e os filhos preparados para o futuro. Deste sonho primário e primacial e das maneiras de o realizar derivam outros que têm a ver com os itinerários que a essa realização podem conduzir.

    O PRIMO DO BRASIL

    O Luiz deixou Portugal quando tinha três anos na companhia da mãe e de seis irmãos mais velhos com destino ao Rio de Janeiro onde o pai os esperava. O Brasil era, a partir de então, a sua nova pátria. Da terra onde nasceu não guardou uma imagem, um traço de memória, mas acarinhou o sonho de ali voltar um dia. Não era um sonho urgente, havia outros a preencher o seu coração e o seu espírito. Como todas as crianças, cresceu, socializou-se, foi à escola, subiu, degrau a degrau, o edifício da vida. Os anos passaram e, quando entendeu que chegara o momento, traçou o plano de viagem que tinha como primeiro objetivo “fazer o Caminho de Santiago” a começar na cidade do Porto. Aproveitaria a oportunidade para visitar a numerosa família que por cá ficara.

    Foi recebido com todo o carinho e soube, desde então, que tinha todo o apoio de que viesse a necessitar. Mochila às costas e bordão de peregrino ajustado aos tempos atuais, seguiu viagem rumo ao santuário mais antigo da Europa. Sobre a mochila, a bandeira do Brasil. A segunda quinzena de outubro trouxe-lhe um tempo magnífico que facilitou a sacrificada viagem por terras minhotas e galegas e lhe permitiu conhecer a realidade geográfica e humana que ia percorrendo: paisagens deslumbrantes, encontros felizes, contactos com gente simpática e atenciosa, boas condições de alojamento e alimentação.

    - Encontrei peregrinos de vários países: Brasil, Portugal, Espanha, França, Alemanha e outros. Em português e em espanhol nos entendíamos e, quando havia necessidade, «jogava o meu inglês» – disse-me de alma em festa e corpo fatigado da longa viagem.

    A bandeira do Brasil concitava atenções e sorrisos de agrado:

    – Eh brasileiro! Força!

    Retribuía com gestos de agradecimento. Nos locais pré-estabelecidos para término de etapa, escolhia entre estalagens ou hotéis. Ficou em quintas que recomendaria a outros visitantes da cidade ou da vila em que pernoitava.

    – Primo, olha, fiquei impressionado com a beleza natural e com as casas que fui vendo ao longo do trajeto. Monumentos e também residências de construção recente, modernas e bem cuidadas, maravilha!

    PROGRESSO

    Concordei, explicando que o país evoluiu muito no último meio século, a imagem que brasileiros e portugueses há muito radicados no país irmão fazem acerca de Portugal já nada tem a ver com a realidade. O progresso é inegável ainda que os números do desenvolvimento nos coloquem aquém de vários outros países europeus, o que tem motivado críticas de parceiros da Zona Euro e dentro de portas se evoque o passado com saudosismo primário e pouca informação. No presente, as dificuldades que encontramos são de carácter não apenas endógeno mas, sobretudo, exógeno, devido à crise internacional que atingiu muitas economias dentro e fora do grupo de países da Moeda Única. Para comprovar a evolução registada desde o início da década de 60 do último século, poderíamos referir, no campo da saúde, a criação do Serviço Nacional de Saúde, que universalizou o acesso da população a cuidados médicos com a atribuição de “médico de família” à generalidade da população e uma quantidade de medicamentos comparticipados, internamentos e intervenções cirúrgicas, embora, em regra, bastante demoradas. Em resultado, a mortalidade infantil que, em 1960, era de 77,5 por mil crianças nascidas em Portugal, na Europa situava-se nos 5,4 por mil. Em 2009, era, apenas, de 3,6 por mil, inferior à que se registava na Europa no ano anterior: 4,3 por mil. O horizonte de vida dos portugueses aumentou significativamente devido à melhoria na assistência médica e medicamentosa, a melhores condições higiénicas e alimentares. Quanto à Educação, em 1960, existia em Portugal uma elevada taxa de analfabetismo, poucos concluíam a instrução primária e muitos não iam além porque esse nível permitia a entrada na polícia (PSP) ou na guarda (GNR) e o direito a fazer exame de condução; hoje, a escolaridade obrigatória estende-se ao 12º Ano, isto é, todos os jovens deverão possuir o curso secundário completo, embora ainda se registe um elevado índice de abandono, o parque escolar aumentou exponencialmente e as condições de frequência são incomparavelmente superiores às que existiam meio século antes. No que respeita ao Ensino Superior, em 1960, havia três universidades públicas (Lisboa, Porto e Coimbra) e, no setor privado, a Universidade Católica sedeada em Lisboa, hoje, além dessas, temos a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade do Minho, de Trás-os-Montes e Alto Douro, da Beira Interior, de Aveiro e de Évora (criada no fim do século XVI, extinta dois séculos mais tarde e reaberta em 1973), vários Institutos Superiores e Institutos Politécnicos, contando ainda com algumas universidades e institutos privados. O número de licenciados cresceu imenso, assim como o de Mestres e Doutores nas diversas área do saber, assim como instituições científicas de alto coturno referenciadas no estrangeiro. Outro setor em que se registou fortíssimo incremento, é o das Comunicações e Transportes, e basta referir que, em 1960, não tínhamos uma única auto-estrada, a projetada A1 entre Lisboa e Porto ainda não existia, tendo-se inaugurado o trecho entre a capital e o Carregado em 1961 e, dois anos depois, mais um lanço entre a cidade do Porto e os Carvalhos. Foi concluída por volta de 1990. Conta-se de um cidadão inglês, que visitou Portugal nos anos 80, e confessava a um amigo português ter-se perdido na auto-estrada à saída do Porto, só a reencontrando a poucas dezenas de quilómetros de Lisboa. Hoje, Portugal é uma teia de autoestradas e vias rápidas (IPs – itinerários principais e ICs – itinerários complementares) e ainda das antigas estradas nacionais e municipais. Em contrapartida, ao setor ferroviário foram amputados vários ramais, uma das mais significativas contribuições para o isolamento de populações do norte e do interior centro do país.

    Diversos outros fatores de progresso têm-se registado em Portugal nos últimos anos. O parque habitacional, que tão grande admiração causou ao primo Luiz, ficou a dever-se, sobretudo ao investimento dos emigrantes que foram trabalhar para a França, a Alemanha, a Suíça e sonharam passar os derradeiros anos da vida na sua terra e àqueles que se valorizaram pelo estudo ou em atividades empresariais e aplicaram algumas das suas economias em habitação.

    Não obstante as enormes dificuldades que estamos a viver, Portugal tem condições de prosseguir com êxito rumo ao futuro. É indispensável que não deixemos fenecer os nossos sonhos.

    Por: Nuno Afonso

     

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