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    Arquivo: Edição de 15-02-2011

    SECÇÃO: Destaque


    NOTÍCIAS DO CENTRO SOCIAL DE ERMESINDE

    RVCC – Uma nova oportunidade

    Do chão sabemos que se levantam as árvores, algumas flores, os animais, mas também se levantam os homens e as mulheres e com estes as suas esperanças...

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    Janeiro 2010, o meu mundo tinha ruído e eu não conseguia encontrar o meu caminho. Já trabalhava na Associação Ermesinde Cidade Aberta, tinha um excelente ambiente de trabalho e contudo eu não conseguia encontrar-me interiormente.

    Não conseguia abandonar a minha atitude de auto-destruição com a vida pois eu não era vítima mas sim a principal culpada do meu colapso, tendo em conta que está sempre nas nossas mãos parar e recomeçar mas, os motivos porque decidimos como decidimos tem a ver com cada um de nós e nem sempre são justificáveis aos olhos dos outros.

    Tinha 50 anos, 2 filhas fantásticas e um orçamento mensal disponível muito reduzido.

    Encontrei o meu dossier de trabalho onde guardava todas as evidências do meu percurso profissional e apesar de toda a experiência adquirida e acções de formação que tinham enriquecido a minha formação técnica desde 1977, altura em que comecei a trabalhar, como escolaridade completa tinha o Curso Geral do Comércio, que corresponde hoje ao 9º ano de escolaridade.

    Ao longo do meu percurso profissional senti-me sempre uma protagonista do princípio de Peter – promoção até ao nível da incompetência.

    Ouvia falar do processo RVCC – opção EFA ou validação de competências e as opiniões que ouvia sobre este processo era de que não seria muito fiável ou ainda que seria necessário expor toda a nossa vida. As pessoas reagiam com desconfiança. Não valia a pena, diziam os mais cépticos.

    Sabia que o Centro Social de Ermesinde tinha um pólo de formação onde funcionava um Centro de Novas Oportunidades e em Fevereiro de 2010, após reunião em que me foi explicado como funcionava o processo decidi inscrever-me e começar a validação das minhas competências.

    A partir desse momento sabia que teria acesso a um computador e foi a minha entidade patronal que me apoiou dando-me a possibilidade de o adquirir ao abrigo do e-escolas.

    Como o processo RVCC é gratuito tinha tudo para começar.

    Compareci às sessões calendarizadas e percebi que tinha que mostrar conhecimentos em vários domínios. Era-me garantido todo o apoio necessário por parte dos Técnicos e teria que ser feito na primeira pessoa.

    Era a altura de saber quem era pois a base deste processo seria a minha história de vida – PRA, Portefólio Reflexivo de Aprendizagem.

    Esclarecida sobre como o fazer e sobre os temas que teria que validar comecei a escrever e ao fazê-lo percebi que a elaboração do dossier estava a servir para que eu me lembrasse de todo o valor que tinha adquirido ao longo do tempo. Não me tinha dado conta do tanto que tinha aprendido, até com as coisas menos positivas.

    RVCC, significa aprender, fazendo-o. É esse o grande valor acrescentado deste processo tendo em conta que se não soubermos, ensinam-nos.

    Ao seguir as orientações que estavam a ser dadas no Centro de Novas Oportunidades eu comecei a encontra-me comigo mesma. A minha vida, lentamente, estava a ganhar um novo sentido e nunca senti, de forma nenhuma senti a devassa da minha privacidade.

    Haviam de ter escrito numa primeira avaliação: “ninguém escapa ao sonho de voar, Glória”. Graças ao RVCC eu abri a gaiola da minha vida. Tinha descoberto que aprender era a chave para o meu novo caminho e quando pensava que tinha perdido tudo, constatei que com o saber e a aprendizagem podia conquistar a coisa mais importante: eu mesma.

    Enquanto se dava o processo de validação e como prenda de aniversário a minha filha mais nova ofereceu-me a prova de acesso à faculdade pelo processo dos maiores de 23 anos, no ISMAI.

    Fui admitida. Ao pensar que isso me chegava, por ter conseguido passar essa etapa, as professoras que me entrevistaram fizeram-me perceber que lá também havia lugar para quem queria fazer um novo caminho e transformei esta opção numa nova conquista.

    As minhas filhas e a minha família já tinha feito tudo o que lhes competia para me ajudar agora era a minha guerra, queria saber o que podia fazer para mudar as coisas. O inimigo que tinha que derrotar estava dentro de mim.

    Arranjei “patrocinadores” para a minha causa, explicando-lhes que nada tinha para oferecer a não ser a minha vontade de me erguer.

    Lembrava-me sempre do que me tinha dito a minha filha velha: “mãe, não estou aqui para te julgar mas sim para te ajudar” e a isso chamei oportunidade, que foi o que senti quando compareci numa reunião com os Directores da Cooperativa MAIÊUTICA, fundadora e proprietária do ISMAI – Instituto Superior da Maia, para expor os motivos porque não podia continuar a estudar – financeiramente era impossível e eu só pedia para assistir às aulas enquanto não pudesse retomar de novo os estudos.

    Nesta reunião decidiram que por eles eu continuava na faculdade e deixaram bem claro que eu tinha adquirido o direito de andar lá de cabeça erguida. Fazia parte da família ISMAIATA de que eles muito se orgulhavam e é assim que me sinto: a fazer parte de um todo.

    Fiquei atordoada. Aquelas pessoas eram accionistas de um prestigiada instituição de ensino que este ano tem cerca de 5 000 alunos e também não me julgaram, olharam para mim olhos nos olhos e mandaram-me seguir em frente.

    Estou no 1º ano do curso de Gestão de Recursos Humanos, pendente de uma bolsa de estudos e os meus Sponsors ou patrocinadores são a Maiêutica/ ISMAI, o Centro Social de Ermesinde, a Associação Ermesinde Cidade Aberta e tantas pessoas que substituíram as outras, as que tiveram que me deixar para trás e a quem eu chamava amigos.

    Uma certeza eu tenho, não fui admitida por ser “decorativa”, pelo que visto, pelo que aparento ou por ser muito inteligente mas, fundamentalmente, por ser corajosa e também porque valorizaram o meu curriculum profissional, que extraí do meu dossier de RVCC e que estava devidamente documentado.

    Enquanto isso, faltava-me completar o processo RVCC. Porque era importante andando eu no 1º ano da faculdade? Porque era o meu 12º Ano. Tinha sido a minha reflexão para a mudança, o pilar que me catapultou para uma nova vida e era importante para mim ser validada.

    Este processo provou-me que é sempre possível mudar, lutar contra o conformismo a que por vezes nos entregamos. A mudança tem que ser interior e temos que ter coragem de derrubar os muros que erguemos para passar a construir pontes que nos levarão a novas oportunidades.

    Não é um percurso fácil, por vezes dá-nos vontade de desistir tanto mais que, ainda hoje, ouço o mesmo que ouvia em 1977 quando comecei a trabalhar: “Não vale a pena. Não vais conseguir. Para que andas nessa vida? Isso não é futuro. “ – e pior me fariam sentir porque não tenho os 17 anos com que comecei mas sim 50 anos.

    A atitude continua a ser ignorar este tipo de comentários pois também aprendi que o que os outros pensam, passou a ser um problema deles e também porque mais vale o “mal de inveja” que o “mal do coitadinho”.

    O RVCC é um caminho que nos abrirá uma porta, uma janela ou mesmo um postigo e o conselho que dou a toda as pessoas que ainda não têm a escolaridade obrigatória – 12º ano, é:

    FAÇAM-NO! Não pelos outros mas por vocês mesmos.

    Escolham um Centro de Novas Oportunidades e inscrevam-se.

    Tal como no meu caso, aqui encontram todo o apoio necessário para vencer as etapas necessárias à conclusão deste processo.

    Sejam exigentes ao ponto de quererem aprender com a vossa história pois só assim saberão com o que podem contar.

    Este processo ajuda-nos a encontrar os pontos fortes e fortalecer os pontos fracos.

    Mais formação ajuda-nos a ficar mais competitivos para o mercado de trabalho e, principalmente ajuda-nos a perceber quem somos, de onde vimos e para onde queremos ir.

    Não é garantia de emprego mas aumenta a nossa capacidade para o conseguir. Não nos dá soluções mas mostra-nos caminhos e pode abrir-nos portas.

    No último passo que dei para ser validada a nível de capacidade de aprendizagem e tendo adoptado como princípio de que, aquele que pergunta é tolo por cinco minutos, mas aquele que não pergunta permanece tolo para sempre, procurei explicações num Gabinete de Psicologia, que é uma das valências do ISMAI, onde coloquei as minhas dúvidas.

    A prescrição que me passaram foi ler o que me recomendaram:

    «Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,

    mas não esqueço que a minha vida é a maior empresa do mundo.

    E que posso evitar que ela vá à falência.

    Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver,

    apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

    Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.

    É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.

    É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

    Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.

    É saber falar de si mesmo.

    É ter coragem para ouvir um "não".

    É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

    Pedras no caminho?

    Guardo todas, um dia vou construir um castelo...»

    Fernando Pessoa

    No meu caso, o castelo? Sou eu e está a ser construído em cima das minhas ruínas.

    As pedras para o construir??? São as que me atiraram ao longo da vida. Guardei-as todas, para a eventualidade de vir a precisar delas.

    16 de Dezembro de 2010, compareci perante o júri que validou o meu RVCC no Centro de Novas Oportunidades do Centro Social de Ermesinde. Orgulhosa e de cabeça erguida.

    Também, por Decreto-Lei recente o meu CAP de formadora, que eu pensava caducado, validou e talvez agora faça sentido para mim.

    Há uns dias ficávamos chocados com uma reportagem feita por uma jornalista que optou por viver como sem-abrigo durante 1 semana para nos dar a conhecer como viviam as pessoas que por opção, ou não, sobreviviam naquelas condições.

    No meu caso bastou-me viver comigo mesma e ter palmilhado anos e anos ao lado de mulheres e homens “coragem” e gente que cai e outras que se levantam.

    Não é por falta de retaguarda familiar que me apoiará em caso de urgência, mas optei por ser a protagonista da minha história vivenciando uma realidade que está a ser comum a muita gente, anónima na maioria dos casos: como recomeçar de novo quando pensamos que perdemos tudo?

    Fiz questão de deixar este testemunho e posso afirmar que se deixarmos de olhar só para trás ou para a frente e começarmos também a olhar para os lados a oportunidade pode estar lá. Temos é que saber ler os pequenos sinais. Foi isso que mudou a minha vida.

    Um avaliador do processo de RVCC dizia-me há pouco tempo que era gratificante ver que a Glória que tinha lhes tinha chegado em Fevereiro, tinha dado lugar a uma outra pessoa completamente diferente.

    Ele nem fazia ideia de como eu me sentia amedrontada, insegura, frustrada e deprimida. Dou-lhe toda razão e o RVCC neste momento não aumentou o meu rendimento mensal disponível que continua a ser o mesmo, mas ajudou-me a perceber que, mesmo continuando a ser um péssimo negócio, financeiramente falando, sinto-me um melhor ser humano.

    Agora e aos olhos dos outros, por mais simples que seja o trabalho que executo ou possa vir a executar será digno seguramente e sinto-me uma pessoa mais competente para o fazer e quando se cruzar comigo por favor não diga: de que lhe valeu estudar! Eu responderia com muita convicção: de muito e ainda bem que o fiz!

    Se, ao contrário, também me disserem: ainda bem que teve coragem de validar as suas competências que foi adquirindo ao longo da vida porque precisamos de si, espero do fundo do coração, nunca me esquecer de quem sou e de onde vim e fazer como os líderes, não produzir seguidores mas ajudar a criar novos líderes, de si e das suas vidas.

    Reformulei o meu conceito de Amigo e, tendo em conta que será uma pessoa que entende o nosso silêncio, nos escuta mesmo que não tenhamos nada para falar, nos apoia à distância, alegra-se com o nosso sucesso e preocupa-se com as nossas dificuldades, que nos “adopta” e nos respeita como somos, posso dizer que até isso ganhei e aqui não conta a quantidade mas sim a qualidade.

    Chamo-me Maria da Glória Soares Leitão. Trabalho na Associação Ermesinde Cidade Aberta, como Ajudante de Acção Directa no Protocolo de Rendimento Social de Inserção, e ganhei o direito de dizer que nunca é tarde para mudar.

    Eu só agora comecei e tenho tanto para fazer, corrigir e aprender….

    Como ninguém conquista nada sozinho, através deste testemunho expresso uma GRATIDÃO imensa aos meus sponsors e um MUITO OBRIGADO a todos os que acreditaram em mim.

     

     

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