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    Arquivo: Edição de 30-07-2010

    SECÇÃO: Destaque


    XVII FEIRA DO LIVRO DO CONCELHO DE VALONGO

    O gato de Schroedinger (*) veio à Feira

    Coube ao jornal “A Voz de Ermesinde” a inesperada honra de praticamente encerrar a XVII Feira do Livro do Concelho de Valongo, com a apresentação do livro “Ciência é Cultura”, de António Alberto Silva, traduzida numa conversa fascinante introduzida por Renato Roque. Ao lado deles na mesa, a abertura deste acto final da Feira coube à directora do jornal “A Voz de Ermesinde” Fernanda Lage.

    Em lugar de honra estiveram também Luís Ramalho, presidente da Junta, e Raul Santos, presidente da Assembleia de Freguesia de Ermesinde. Ainda presentes, para além, naturalmente da directora da Biblioteca Municipal, Isaura Marinho, esteve o presidente da Direcção da Associação Académica de Ermesinde, Alberto Mateus.

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Foi uma conversa divertida, fascinante e exigente aquela a que deu início Renato Roque, fotógrafo por paixão e engenheiro por formação académica, ao introduzir o livro “Ciência é Cultura” (notas pendentes para a Filosofia de um professor pendente da Física) de António Alberto Silva. Mas este, engenheiro electrotécnico e mestre em Física, quer no seu livro quer na conversa havida aqui na Feira, fez mais lembrar o saber dos enciclopedistas, nunca remetidos a uma medíocre competência técnica alheia à universalidade e à humanidade, como parece ser apanágio dos que hoje tudo querem justificar em função de uma suposta inevitabilidade técnica.

    Renato Roque começou por questionar, a partir de uma citação de Gonçalo M. Tavares em “Ciência é Cultura” essa questão da Ciência ser, ou não, coisa distinta da Cultura. E lembrou que até aos renascentistas havia uma identidade entre Ciência e Arte.

    Ao que António Alberto Silva (AAS), em resposta, comentaria que hoje há, simultaneamente, uma sub e uma sobrevalorização do papel da Ciência.

    A Ciência e a Tecnologia, desde o surgimento do Homo sapiens, têm vindo a determinar o curso da História. Mas a adopção de um certo modelo tecnológico dito desejável, levaria ao exaurimento incontornável do planeta, caso fosse universalmente aplicado.

    Assim, por exemplo, se os mesmos níveis de consumo desejável nas economias ocidentais, mantendo um crescimento contínuo do PIB, se tornasse também uma realidade nas economias emergentes da Índia e China, o Planeta não aguentaria.

    Questão esta que recentra o lugar da Ciência e Tecnologia. Quando se chega a uma situação em que tudo – incluindo a sobrevivência da espécie – pode ser posto em causa, quais afinal os valores que nos devem nortear?

    Para António Alberto Silva, sem qualquer dúvida, o PIB deveria decrescer concertadamente em todo o mundo.

    Ou então não nos resta senão esta medonha caricatura do mundo em que vivemos, o qual nós podemos poluir até à exaustão, que depois vem a Ciência e despolui.

    Mas as razões deste desconcerto, deu-as também o autor que, iniciando a conversa na Feira com a referência ao seu lado humano (esteve a ver a bola, era a final do Mundial...), se apresentou depois como o cidadão que reflecte o seu modo de vida. Só mais tarde, enveredou pela referência aos caminhos especulativos da Física Quântica, das portas que nos abre, mas também das surpresas com que nos embosca.

    Mas voltemos então às razões de AAS, muito fácil e pedagogicamente explicadas:

    «Quem manda nisto é o capital financeiro, que não tem regulação política. Todavia é aí que as grandes decisões são tomadas. E aqui estamos no domínio da Ética e da Filosofia.

    Por exemplo, a que é que damos importância? Podíamos dar mais importância ao lazer, à saúde, em detrimento da produção para o mercado.

    E AAS dá alguns breves exemplos da irracionalidade deste modelo, como os elevados níveis de consumo de carne de vaca, em grande parte responsável pela produção de metano que faz acelerar o efeito de estufa; como a exportação de laranjas por parte de Israel, onde a água escasseia; como as melancias que vêm da Venezuela, transportadas de avião, e por aí fora...

    E terminando: «Hoje não há “uma” verdade científica».

    De passagem fez a crítica de Karl Popper e, enveredando pelo caminho da Filosofia, fez depois a abordagem das novidades conceptuais trazidas com a Física Quântica.

    Já não se pode dizer que uma teoria deixa de ser científica quando haja algo que a contradiga. Por exemplo, a teoria quântica, embora cheia de buracos, tem vindo a permitir uma cada vez mais complexa percepção do mundo, mesmo que sejamos obrigados a aceitar, como no exemplo do gato de Erwin Schroedinger, que ele possa estar, ao mesmo tempo, «meio vivo e meio morto».

    A teoria quântica seria lógica [à escala humana]?

    AAS referiu depois várias controvérsias científicas importantes, como entre Leibnitz e Newton. Referiu, por exemplo, como a dinâmica de Newton e o electromagnetismo, sendo dois modelos «poderosísimos, verdadeiros, coerentes e verificáveis» se opunham um ao outro.

    Outro exemplo, a polémica entre Max Planck (que formulou a teoria quântica), Niels Bohr (que a aplicou ao modelo atómico de Rutherford), Albert Einstein (que sendo genial na relatividade restrita e geral, terá duvidado da física quântica), e August Heisenberg (autor do princípio da indeterminação que afirma que é impossível especificar e determinar, simultaneamente e com precisão absoluta a posição e a velocidade de uma partícula).

    «Há hoje quem considere – apressa-se AAS a lançar ainda ainda mais o pânico sobre a assistência –, que o problema da Física de Newton não é apenas o de só se aplicar a pequenas velocidades, é o mesmo problema da Relatividade e da Física Quântica, é o de ser intrínseca a sua imprevisibilidade.

    E ilustra: «Se tivermos 3 electrões em interacção (e bastam 3, sublinha), o seu comportamento não tem uma solução analítica, mesmo qualquer que seja a sua situação de partida».

    «Feitos os cálculos – dispara ainda sobre todos nós, os leigos, a abrir a boca de espanto até às orelhas – o sistema solar, ao fim de três milhões de anos, é caótico».

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    E aborda depois a questão da flecha do tempo. «É possível tudo voltar atrás no tempo? Sim, pelos conhecimentos actuais (...). Segundo as leis da Física... eu posso ressuscitar, mas é pouco provável!».

    «Embora não pareça uma coisa lógica aos nossos olhos, pelas leis da Física que conhecemos hoje, o tempo é reversível».

    E para aniquilar de vez as sólidas certezas dos presentes ainda adiantou: «Há casos em que o princípio da causalidade é violado: a mudança de spin num electrão faz alterar imediatamente o estado de um fotão, antes de ele ter tempo, sequer, de o saber».

    Finalmente, e abordando o impacto do conecimento científico actual na nossa vida quotidiana, AAS voltou às questões do início: «Uma teoria física é uma construção humana». Por sua vez, «há construções humanas que exigem saberes exteriores à Ciência». Por isso preferia falar antes de «empreendimentos culturais humanos».

    «Atiro uma bomba atómica ou não? Construo uma central nuclear ou não?, as perguntas deixam de ser meramente técnicas, passam a ser éticas!».

    (*) O Gato de Schroedinger: Um gato, juntamente com um frasco contendo veneno, é colocado numa caixa lacrada protegida contra a incoerência quântica induzida pelo ambiente. Se um contador Geiger detectar radiação então o frasco é quebrado, libertando o veneno que mata o gato. A mecânica quântica sugere que depois de certo tempo o gato está simultaneamente vivo e morto. Mas, quando se olha para dentro da caixa, apenas se vê o gato ou vivo ou morto, não uma mistura de vivo e morto (wikipedia)

    Por: LC

     

     

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