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    Arquivo: Edição de 15-06-2010

    SECÇÃO: Destaque


    O CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

    Electrificação de Ermesinde

    Sendo Ermesinde uma terra já de certa dimensão, no início da década de 1920, e tendo diversas indústrias instaladas, várias vezes se insurgiram os seus moradores mais destacados pelo facto de não terem energia eléctrica, para utilização na indústria, na iluminação doméstica e, sobretudo, na iluminação das ruas. Tanto mais que esta última se tentou, nos primeiros anos da República, a acetileno, mas o resultado foi medíocre e, por isso, pouco tempo depois, foi totalmente posta de parte.

    As actas da Junta de Freguesia de Ermesinde, no segundo período da Primeira República, estão carregadas de referências à preocupação com a vinda da energia eléctrica para Ermesinde.

    A boa nova chegou ainda no período da Primeira República. Na sessão da Junta de Freguesia de 8 de Março de 1925, o Presidente deu conhecimento de ter recebido da Câmara Municipal de Valongo, um ofício a participar que, dentro de breves dias, iria abrir concurso para o fornecimento de energia eléctrica à vila de Valongo e a Ermesinde.

    Entretanto, dá-se a “Revolução” do 28 de Maio de 1926, os cofres do Estado cortam substancialmente com as despesas públicas e o problema da electrificação fica adiado, mas os ermesindenses não o deixam cair no esquecimento.

    É que, entretanto, surge o quinzenário Éco de Ermesinde, que assume claramente um papel reivindicativo. O seu n.º 10, de 20 de Julho de 1927, logo na primeira página, sob o título “Em defesa da Terra”, é, a este propósito, bastante explícito. Depois de se referir à falta de escolas em Ermesinde, acrescenta:

    «Falta-lhe também um engrandecimento urgente, indispensável – a luz eléctrica, iluminação eléctrica não só pública, mas também particular.

    Há quantos anos se vem espalhando aos quatro ventos que Ermesinde vai possuir em breve iluminação eléctrica? Mas este em breve nunca se chega a realizar e nunca temos a consolação de saber que este problema é um facto bem definido por uma realização condigna, pois as Câmaras e Comissões Administrativas, que têm passado pelo Concelho ou não o sabem resolver ou não têm coragem para o fazer. E, no entanto, Ermesinde continuará envolvido pela mais densa escuridão como a mais sertaneja aldeia da província.

    Não, isto não pode continuar assim. (...)».

    Em quase todos os números do referido jornal, este problema se levanta, até que na edição de 1 de Junho de 1928, se afirma, logo na página 1, que «A luz eléctrica vai ser um facto». Aí se dá notícia de uma reunião importante que teve lugar no dia 25 de Maio de 1928, no Hotel da Travagem. Apesar da referida reunião ser de carácter particular, a ela compareceram algumas das pessoas de maior destaque social de Ermesinde (entre as quais, se destacam os Srs. Manuel da Silva Baltazar Brites, Armando Leitão Nobre, António Martins Correia, Alcino Moreira Neto, Manuel José Moreira Júnior, António Figueiredo de Almeida e António da Silva Panelas) e o Presidente da Comissão Administrativa da Câmara de Valongo. Decidiu-se recorrer ao auxílio material dos lavradores da terra, para que o projecto avançasse, e a verdade é que avançou mesmo. Para tanto, chegou a ser necessário que a Câmara de Valongo, à semelhança do que aconteceu com muitas outras de todo o país, contraísse um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos.

    Mas, o que é facto é que no dia 29 de Setembro do ano seguinte (1929), a um Domingo, a iluminação eléctrica era, festivamente, inaugurada nas principais ruas de Ermesinde.

    A notícia da inauguração da luz eléctrica em Ermesinde

    “O Comércio do Porto”, de 1 de Outubro de 1929, na sua página 3, deu ao acontecimento destacada reportagem, que ilustrou com uma fotografia (a 3 colunas) da mesa que presidiu à sessão de boas vindas que decorreu na sala da Junta da Freguesia.

    Dessa notícia, intitulada “Luz por toda a parte / Em Ermezinde”, transcrevemos o excerto que se segue, com a ortografia desse tempo:

    «(...) Ora a valorisar mais e mais Ermezinde, que já entrou decididamente na avenida larga do progresso, está o ultimo melhoramento por que a freguezia acaba de passar, ou seja a illuminação electrica, publica e particular, que no domingo foi solemnemente inaugurada.

    No edificio da junta de freguesia / Marcado para as 7 horas da tarde, só cerca das 8 teve começo o cerimonial da inauguração com a chegada do chefe do districto snr. tenente-coronel Nunes da Ponte, que á mesma vinha presidir, e do presidente da Camara Municipal de Vallongo, que officialmente recebia o snr. governador civil do Porto.

    A moderna Praça da Estação obrigou à demolição do edifício do Canecão, onde se festejou a inauguração da chegada da electricidade a Ermesinde
    A moderna Praça da Estação obrigou à demolição do edifício do Canecão, onde se festejou a inauguração da chegada da electricidade a Ermesinde

    *

    Com um ambiente de quase escuridade – não chegára ainda o momento do Fiat Lux... – foram os distinctos visitantes recebidos á entrada do jardim que dá acesso ao edificio da junta pelo presidente e outros membros d’esta.

    Entretanto, a banda de musica de Paços de Ferreira, postada no jardim, executa “A Portuguesa”, subindo ao ar foguetes.

    Com o snr. tenente-coronel Nunes da Ponte, entram os snrs. Marques dos Santos, presidente da commissão administrativa da Camara de Vallongo, com outros vereadores; tenente Miranda, administrador do concelho da Maia; engenheiro Graf e Antonio Pereira da Silva, representante da casa A. E. G., fornecedora das instalações electricas; Mario Barreiro e Fernando Alvaro de Mattos, respectivamente commandante e presidente da direcção dos Bombeiros Voluntarios de Ermezinde, dr. Gaspar Pinto da Silva e José Joaquim Telles, respectivamente director e proprietario do Collegio da Formiga; Manuel Teixeira da Silva; representantes da Imprensa, convidados, etc.

    Ladeando a escada que conduz á sala das sessões da junta, posta-se um piquete de bombeiros voluntarios de Ermezinde, sob o commando do chefe-adjunto snr. Alfredo Braz Pinheiro, em guarda de honra.

    Em cima, no salão, pequeno em excesso para conter todos quantos tomam parte n’aquelle acto solemne, faz-se uma pequena sessão de boas vindas.

    O presidente da Camara Municipal de Vallongo, snr. Joaquim Marques dos Santos, falla em primeiro logar. Agradece ao illustre chefe do districto a honra d’aquella visita, que tanto realce vem dar à inauguração da luz. Com sinceridade synthetisa as aspirações de Ermezinde, que são tambem as aspirações do concelho. Pouco se tem feito, mas algo se tem feito.

    Boa vontade não falta; o que falta é dinheiro para corporisar uma infinidade de desejos, que, todos significam progresso. Pede a attenção do chefe do districto para o seu concelho e termina com um muito obrigado pela deferencia do distincto visitante.

    Uma pequena pausa e o snr. tenente-coronel Nunes da Ponte falla a seguir, agradecendo. Pelo concelho de Vallongo – diz – interessou-se sempre e sempre procurou o seu desenvolvimento.

    Consultando bem as aspirações de Ermezinde, comprehende e acarinha o direito que lhe assiste de ser villa. D’este desejo – affirma – já fez sciente o governo portuguez, crendo que a sua consecução não se faça demorar. Fez o elogio da Camara de Vallongo e do seu devotado presidente, snr. Marques dos Santos, fazendo, a propósito, interessantes considerações sobre o trabalho municipal por todo o paiz. O 28 de Maio, pelo que representa de levantamento regionalista, basta para justificar a Ditadura – acrescenta.

    Concluindo, o snr. tenente-coronel Nunes da Ponte ergue enthusiasticos vivas á Camara Municipal de Vallongo e á freguezia de Ermezinde. A assistencia corresponde vibrantemente.

    Faz-se um cliché, trocam-se impressões e tudo debanda para a rua Candido dos Reis, onde está instalada a cabine central da illuminação.

    O chefe do districto inaugura a luz / Junto da cabine, vistosamente engalanada, premia-se avultada multidão. Os bombeiros fazem a guarda de honra, em grande uniforme e a banda toca o hymno nacional.

    Cabeças descobertas, um ar de grande emoção em todas as physionomias. Um representante da empreza A. E. G., subindo ao degrau da central, convida o chefe do districto a abrir a luz, a illuminar Ermezinde. O snr. tenente-coronel Nunes da Ponte, acercando-se, faz pressão sobre a alavanca. A luz jorra das lampadas, simultaneamente. O povo enthusiasmado victoria o acto. O chefe do districto levanta dois vivas, correspondendo.

    As restantes duas cabines, instaladas em outros pontos de Ermezinde, em conjunto com a central, produzem tambem a illuminação das demais ruas da freguezia.

    No quartel dos bombeiros / Após a inauguração, que o povo soube consagrar com o seu enthusiasmo, os visitantes dirigem-se para a magnifica séde dos Bombeiros Voluntarios de Ermezinde, cujas dependencias o seu commandante detida e gentilmente mostra.

    O snr. tenente-coronel Nunes da Ponte, bem impressionado, como de resto todos os circunstantes, não regateia os seus louvores.

    E daqui se passa para o Hotel de Ermezinde, onde é servido aos convidados do festivo acto.

    Um “Porto de Honra” / que dá ensejo para interessantes affirmações.

    Pouco passa das 9 horas (o que significa pontualidade, d’esta vez...).

    No primeiro andar, o melhor salão do hotel é o destinado ao acto de encerramento.

    Todos os presentes á sessão da junta e mais alguns convidados de distincção.

    Serviço de hotel, profuso. Deita-se o Champagne nas taças e fazem-se os brindes do estylo.

    Abre a série o devotado presidente da junta da freguezia de Ermezinde, snr. Vicente Moutinho da Ascensão. Brinde pausado, sem relevos de litteratura, mas com um profundo acento de verdade. É, por assim dizer, a oração official da freguezia, a voz de Ermezinde. Depois das phrases de agradecimento, as phrases de revelação.

    Ermezinde, que ainda há pouco deu 233 contos de contribuição para o Estado, não tem dinheiro para o necessario fomento da freguezia. Mas espera da attenção dos poderes publicos e da boa vontade de todos os que alli vivem e alli téem ligado os seus interesses. Ermezinde é a Cintra do Porto – diz - ; não lhe faltam, portanto, condições para marcar. Fez a historia do que se tem feito e salienta o significado do acto que alli se selebrava.

    Bebe pelo chefe do districto, pela Camara de Vallongo, pelas prosperidades de Ermezinde.

    Brinda depois o snr. tenente-coronel Nunes da Ponte. Como sempre, sua exc.ª transforma o seu brinde n’um pequeno discurso, onde sobejam as affirmações de valia.

    A Camara – diz – muito tem feito já pelo progresso do concelho. Mas há, na verdade, coisas, que são precisas e muito precisas e uma d’ellas é a instrucção primaria. Fallaram-lhe n’ella e elle, orador, sabe bem que sem instrucção não há progresso que vingue.

    Affirma novamente que vai instar junto dos altos poderes publicos para que Ermezinde seja elevada á cathegoria de villa. Por fim, dirige as suas saudações aos promotores do importante melhoramento que elle alli viera inaugurar, que representa um passo decisivo na avenida larga do progresso, porque a luz dissipa as trevas materiaes e moraes. Bebe por Ermezinde.

    O snr. Antonio Mathias Correia, activo secretario da commissão de melhoramentos local, pronuncia a seguir o seu brinde, saudando de entrada o chefe do districto e o presidente da Camara de Vallongo. Como membro d’uma commissão que tem por lema o progresso de Ermezinde, expõe a largos traços o que se tem feito em seu pról. Refere-se ao mercado, obra dos esforços do snr. Antonio Moreira e d’uma pleiade de dedicações, abordando largamente o que se pensa fazer de util para a freguezia, que bem merece dos poderes publicos. Derivando, dirige-se á Imprensa, pondo em destaque a sua obra de propaganda regional e pedindo-lhe que não esqueça a sua terra.

    Que a Imprensa se faça éco das minhas palavras e muito se poderá pagar em Ermezinde.

    Falla seguidamente o snr. Marques dos Santos. Diz que póde Ermezinde contar com o esforço da Camara a que preside, que não regateará o seu auxilio, sempre que lhe fôr mistér.

    O snr. Pereira da Silva, da casa A. E. G., do Porto, brinda em nome d’esta firma, que installou a illuminação publica na freguezia. Associa-se ao jubilo geral e diz que se fez o melhor que se pôde, tendo a empreza cumprido com o seu dever.

    Brinda ainda o snr. Joaquim Pereira de Sampaio, que formula enthusiasticas considerações.

    Agradecendo as referencias captivantes feitas á Imprensa, falla depois por “O Comercio do Porto” o nosso camarada de redacção Hugo Rocha, que termina erguendo a sua taça por Ermezinde.

    Por “O Primeiro de Janeiro” falla tambem o nosso presado collega Gaspar de Mattos, que se refere, em termos os mais elogiosos, ao progresso de Ermezinde.

    O chefe do districto encerra os brindes. Comovido, agradece todas as referencias que lhe foram feitas, particularmente as da Imprensa, ao lado de quem sempre esteve e estará. Desejando o prestigio e dignificação da Republica, faz votos pelo engrandecimento da Patria e de Ermezinde, que tão gentilmente o recebeu. Conclue com tres vivas á Patria, á Republica e a Ermezinde (...)».

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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