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    Arquivo: Edição de 15-01-2010

    SECÇÃO: Crónicas


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    Em água suja ninguém se espelha

    Em água suja ninguém se espelha. Esta frase, em jeito de provérbio, tem aplicação sem reservas. Os provérbios são anónimos, este tem autor. Não importa o nível de precipitação que se registou na semana do Natal, importam sim os danos materiais sofridos pelas populações e as atitudes que os responsáveis autárquicos costumam assumir.

    O JOGO

    DO CALENDÁRIO

    Em época pré-eleitoral, os políticos instalados desatam a fazer obras que nos três anos anteriores foram esquecidas. Admita-se, como hipótese, que já estivessem programadas e que o derradeiro ano do mandato fosse o corolário de estudos previamente efectuados. Acontece que, na maioria dos casos, esses estudos carecem de profundidade porque exigiriam investigação, negociações e acordos necessariamente morosos até pelo facto de grande parte da cidade ter passado de rural a urbana com legislações diferentes que é preciso compatibilizar ou reconverter. Provavelmente, perderiam no jogo do calendário e o fruto de tais diligências talvez pudesse beneficiar um candidato rival. Assim, mandam-se às urtigas as considerações prévias e arranca-se com as obras quando mais interessa ao partido que o autarca representa por filiação ou conveniência na disputa partidária. Faz-se a obra e depois se verá. Soa mais ou menos como “primeiro levas, depois explicas”. Se houver prejuízos resultantes de obras não concluídas ou mal concebidas desde a planificação até ao ponto a que chegaram, azar dos lesados!

    Caso estes recalcitrem, há dois procedimentos fáceis de aplicar sem ferir a legalidade democrática (somos todos democratas): ou se demonstra muito interesse em tomar as medidas julgadas necessárias para dar satisfação aos munícipes, indo ao local do sinistro com frequência, se não concordando com as queixas apresentadas, ao menos prometendo empenho que raramente pode ir ao fundo das questões porque mostraria a incompetência ou o laxismo de uma ou mais pessoas, cuja respeitabilidade ficaria em cheque, ou recorre-se a manobras dilatórias, a embustes, a enganos sempre fáceis de explicar, quando denunciados. Face a estes “manobreiros”, Maquiavel, se reencarnasse, teria muito que aprender. Nada impede que se utilizem ambos os procedimentos nos mesmos casos. Por último, há um sistema judicial que favorece invariavelmente os mais poderosos, lento, umas vezes por burocracias, outras por manobras dilatórias que, tal como os furacões, vão perdendo força à medida que avançam e o tempo passa, até se converterem em meras tempestades quase inconsequentes mesmo quando favoreçam os mais débeis.

    A REVERÊNCIA

    DO CIDADÃO

    Trinta e cinco anos de regime democrático ainda pouco representam na nossa vida colectiva. Os políticos continuam a beneficiar da reverência do cidadão e a abusar dela quando e como lhes apraz. Entra-se numa repartição pública e tudo está devidamente orquestrado para incutir ao homem comum quase o mesmo temor que esmagava os humildes no tempo dos nossos avós. Os empertigados funcionários de outrora que, atrás de um balcão ou de uma secretária, se consideravam delegados do poder, face aos insectos que os vinham incomodar, os de hoje são, com frequência, mais dialogantes, mas aprenderam a domesticar os inconformados sempre que estes possam incomodar os que dispõem de autoridade. Encaminham-nos para um sector onde, a pretexto de exporem, por escrito, os seus problemas e as suas queixas, tornam a sua legítima atitude inócua, quer por dificuldade na utilização da língua escrita, quer por informação enviezada, quer ainda por adiamento, sem limite, da adequada resposta. Os responsáveis nunca se encontram, estão no terreno a informarem-se das dificuldades dos munícipes, só voltam ao fim da manhã ou da tarde. “Vá ao gabinete do munícipe e escreva!”

    O CASO

    DAS INUNDAÇÕES

    Retomando o caso das inundações que ocorreram, na semana do Natal, em alguns lugares de Ermesinde, das quais assumem maior gravidade as registadas na Rua Afonso de Albuquerque e na Rua Padre Américo, deter-me-ei um pouco mais sobre o primeiro caso sem menosprezar o segundo.

    Numa altura em que se registam graves problemas relacionados com fenómenos atmosféricos no país e no mundo, tendemos a subvalorizar cada um deles, culpando os humores do tempo. Choveu muito, então é normal que haja inundações – dizem. Gostaria de possuir dados quanto à pluviosidade verificada nas noites de 21 para 22 de Dezembro e de 23 para 24 do mesmo mês. Estou, no entanto, convencido de que, embora o índice seja elevado, não terá sido maior do que noutras ocasiões, em anos passados e não foi, seguramente, o factor determinante das inundações. O que definiu de todo o acontecimento foi o débito anormal de água no troço inferior da rua devido à intervenção camarária de ampliação do “entubamento” da ribeira da Gandra e de outros cursos de água locais. Com efeito, existe, a poucos metros da rua, um enorme buraco resultante da interrupção da referida obra, seguida de obstrução quase total dos canais que dão seguimento à água da ribeira. O terreno onde tal ocorre encontrava-se coberto de mato e de silvas e poucos se deram conta da ratoeira ali existente. Dizem os moradores do lado oposto da rua que, a certa altura do temporal, viram erguer-se daquele sítio uma enorme massa de água (há quem fale em tsunami) que fez aumentar em muito o caudal resultante da água da chuva. Alertados por residentes acerca da invasão da água em todas as moradias (vários moram ali há mais de trinta anos e garantem que nunca foram ameaçados por igual fenómeno), com os consequentes danos nas construções e no seu recheio, acorreram os Bombeiros de Ermesinde que foram de inestimável ajuda no esvaziamento da rua e na retirada de vários automóveis quase submersos. Onde estaria a Protecção Civil quando tentaram, inutilmente, contactá-la?

    MINIMIZAR

    OS PROBLEMAS

    Nos dias seguintes, um grupo de moradores da zona mais afectada da rua esteve na Câmara, em representação de todos os habitantes da área, quiseram dar conhecimento da ocorrência e foram aconselhados a dirigirem-se ao Gabinete do Munícipe. Perante a sua recusa, foram recebidos pelo vereador, Dr. Arnaldo Soares, que os acompanhou até ao local, acompanhado da senhora engenheira, que só chegaria ao fim da manhã mas que, por mero acaso, já ali se encontrava. Procurou informar-se o melhor possível sobre a calamidade e as suas causas. Este vereador marcou presença novamente em dias imediatos, assim como a detentora do pelouro dos Cursos de Água e do Ambiente, quinze dias depois. Antes, porém, já o chefe do departamento técnico da Câmara Municipal prometeu “minimizar” os problemas decorrentes da obra e, logo no princípio da semana imediata, cumpriu a promessa, fazendo-se acompanhar de um grupo de trabalhadores que limparam tudo e desobstruíram os tubos que deveriam ter dado escoamento a parte do caudal ali retido. A prova está ainda à vista de todos: um monte de entulho, maioritariamente formado por escórias de mármore proveniente de uma oficina situada a poucos metros com porta para a mesma rua. No dizer de alguns vizinhos, o senhor ali instalado ter-se-á apropriado, há algum tempo, de um pedaço de terreno público contíguo à oficina e será o responsável pelo lançamento dos desperdícios da oficina nos referidos tubos condutores da água. Garantem esses vizinhos nunca terem visto camioneta que viesse carregar e transportar os restos da sua obra para um qualquer vazadouro legal. Há quem afirme tê-lo ouvido dizer que os moradores podiam fazer as diligências que entendessem para o desalojar dali, porque tinha quem o salvaguardasse desse intento.

    ABAIXO-ASSINADO

    SOB REGISTO

    As vítimas das inundações, enviaram, no dia 30 de Dezembro, um abaixo-assinado sob registo e com aviso de recepção ao senhor Presidente da Câmara Municipal exigindo o apuramento dos factos e a assumpção das responsabilidades, sejam de quem forem, pelo acontecido. E, ainda que ninguém queira espelhar-se naquela água suja, prometem continuar a luta para que sejam responsabilizados os causadores da tragédia que os atingiu.

    Por: Nuno Afonso

     

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