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    Arquivo: Edição de 20-12-2009

    SECÇÃO: Cultura


    Júnior Sampaio - corpo e alma do ENTREtanto

    Nasceu em Salgueiro, cidade de 50 mil habitantes no coração do Nordeste brasileiro, a 500 quilómetros do Recife, Estado de Pernambuco, no ano de 1963. E chegou ao Porto cerca de 30 anos depois, acompanhando a Mostra de Artes do Nordeste do Brasil em Portugal – iniciativa do projecto cumpliCIDADES que a Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ, a Associação Cultural e Recreativa de Tondela – ACERT, e a Cooperativa Gesto tinham posto de pé.

    Actor, encenador e dramaturgo, fez também, mais ocasionalmente, cinema, televisão e video como actor, mas a sua paixão será sempre o teatro. Desde criança, quando uma professora interessada o pescou na rua com outros moleques brincando de fingir fosse o que fosse.

    Sempre com um pé no Brasil e outro aqui, é o desafio de cá que agora mais o fascina, por razões que têm talvez até pouco que ver com a sua arte.

    O seu teatro procura o fascínio, pelo inusitado, agarrando à falsa fé o público, surpreendido, maravilhado muitas vezes, aqui e ali escandalizado.

    Foto URSULA ZANGGER
    Foto URSULA ZANGGER
    Esteve quase a ser engenheiro, mas com o 4º Ano no bolso decidiu-se por outras vidas, as de sempre, desde miúdo, quando com sete anos começou a fazer teatro, incentivado por uma professora não autoritária que prezava acima de tudo a criatividade.

    Se foi em Salgueiro que começou, a sua formação teatral fez-se prolongada e sólida, quer quando foi para o Recife, onde fez o Curso de Técnica de Interpretação e Expressão Corporal da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), o Curso Regular de Teatro do CECOSNE (Fundação Centro Educativa de Comunicação Social do Nordeste), o Curso de Tele-Teatro para Actores (na Televisão Universitária da Universidade Federal de Pernambuco) ou o Curso de História do Teatro do Liceu de Artes e Ofícios da UNICAP, quer depois em S. Paulo (quando os horizontes do Recife lhe pareceram curtos), no Curso Profissionalizante do Teatro/Escola Macunaíma.

    Teve aulas de Terapia Vocal (com Marta Belau), Expressão Corporal (Klaus Viana), Terapia Corporal e Técnicas Kum Nyê (Roberto Ziemmer), Esgrima (Ginásio Ibirapura), Equilibrismo (Circo/Escola Picadeiro), Canto (Fernando Carvalhais e Evenilde Veras) entre outras acções de formação que ajudaram a transformar Audísio – sim, este é o seu nome de baptismo – , filho de político local e o mais novo de sete irmãos, naquilo que é hoje. Ao todo, sete anos no Recife, seguidos de mais quatro em S. Paulo e depois, quando decidiu cortar com o sufoco da grande metrópole («metade da vida no trânsito»), mais três no Recife. Pelo meio, prémios de melhor actor e as primeiras encenações.

    No princípio dos anos 90 encontra Moncho Rodriguez e, não tarda, começa a aventura portuguesa.

    Foto URSULA ZANGGER
    Foto URSULA ZANGGER

    – Que teatro te interessa (e ao ENTRETanto)?

    – Interessam-nos sobretudo textos inéditos, que expressem uma linguagem contemporânea, e sejam centrados no actor. Mas os clássicos não deixam de ser importantes, sobretudo para a formação, como exercício.

    Depois, para o ENTRETanto é importante a envolvência com a comunidade, por isso apostamos tanto na Mostra de Teatro Amador (MTA). Mas não queremos sepultar-nos numa perspectiva local, assim o MIT (Mostra Internacional de Teatro) é essa ponte com o exterior, trazendo até nós o teatro do mundo. Além disso, interessa-nos também o universo infantil, e agora mesmo estamos a trabalhar numa produção para a infância (assim como, estamos também já a trabalhar para organizar o MIT de 2010 [a 12ª mostra, de 2009, decorria ainda no momento desta entrevista].

    – Onde reconheces as tuas principais influências?

    – Para mim são importantes as filosofias orientais (o Kum Nyê, por exemplo), e uma perspectiva do teatro que valorize muito o trabalho do corpo, o teatro físico. Depois interesso-me por um teatro que possa seduzir pela estranheza, e cuja construção seja contínua, como se uma peça nunca estivesse em estado de acabada.

    Foto URSULA ZANGGER
    Foto URSULA ZANGGER

    – Ficar em Campo foi uma boa aposta?

    – Sim, no sentido em que comunidade nos reconhece e respeita, e enquanto possibilidade de influenciarmos e formarmos o público e as companhias amadoras locais – do concelho (através da MTA e do MIT). Muitas companhias amadoras pedem o nosso apoio, e cremos que temos ajudado a fazer evoluir o teatro no concelho. E também a descobrir valores.

    Por outro lado, a partir do MIT temos influenciado o teatro em Valongo e ajudado a descobrir o teatro que se vai fazendo por todo o lado.

    E acho importantes também as homenagens com que se têm iniciado as Mostras. São uma troca de história.

    Em contrapartida, não estar no centro de uma grande cidade obriga a um combate desigual, a comunicação social ignora-nos quase por completo, se excluirmos a imprensa local.

    – O ENTREtanto queixa-se dos meios que tem?

    – Não, sempre tentámos fazer o melhor possível, com os meios que temos ao dispor. Mas sentimos cada vez mais uma necessidade de percorrer o país, de não nos ficarmos apenas por Valongo.

    Nos próximos anos devemos apostar numa maior mobilidade (e, naturalmente numa maior portabilidade das peças do ENTREtanto).

    – Qual o papel do talento e do trabalho na construção de uma boa peça?

    - Teatro é trabalho e exige todo o comprometimento. 99 por cento do teatro é trabalho.

    – O saltitar entre Portugal e o Brasil é um adquirido permanente?

    – Não, neste momento estou um pouco mais desinteressado dos projectos no Brasil, em que os subsídios ao teatro estão demasiado burocratizados. E a burocracia irrita!

    Foto MANUEL VALDREZ
    Foto MANUEL VALDREZ

    Agora, depois da representação e da encenação, fascina-o um outro lado da criação teatral, o trabalho de dramaturgo. Escreve de rajada, enclausurado, mas depois do texto pronto, está disposto a conceder alterações na hora da encenação. Se um actor não se acomoda ao texto, com dificuldades numa ou noutra palavra, luta para a superação da dificuldade mas, em último caso, a palavra “assassina” pode cair, trocada por outra. Pede opiniões, trabalha para apurar o sentido das coisas, para que tenham o significado e o colorido exacto que pretende dar. As próprias palavras são motivo de jogo. E as suas sonoridades e declinação da entoação. Como quando, a meio da entrevista explicava com um exemplo: Isto é teatro? Isto? Sim. Isto é teatro? Não. Isto não. Não é teatro? É. É teatro. Isto? Não!.

    Sente pena por o público, por vezes, ser pouco aberto e ter, por isso, dificuldades em pôr de pé certos espectáculos que gostaria de criar, mais ousados e desafiadores.

    São às dezenas as peças que representou em teatro, duas para cinema – “Amici per le Pelle, de Fabrizio Costa, e “Atração Satánica” de Fausi Mansur; mais duas telenovelas – “Olhos nos Olhos”, Rui Vilhena, TVI, e “Vila Faia”, Duarte Teixeira e Sérgio Graciano, RTP1; três trabalhos de video – “Fá-lo com Ele”, Cláudia Tomás, “Ecologia Urbana”, Fátima Cavalcanti, e “Serafim Ponte Grande”, Vanessa Menescal, mas o trabalho de actor cinematográfico não o fascina – a maioria dos trabalhos nem sequer os viu posteriormente.

    Às dezenas de trabalhos de encenação (a maioria com o ENTRETanto, mas também antes, com a Cia. de Arte Pernambuco, o Teatro Cúmplice, o Grupo Gambanaíma e o Teatro Amador Benjamin Othon (este já na primeira metade dos anos 80), soma já a autoria, como dramaturgo, de trinta peças, sendo uma meia-dúzia das quais adaptações de outros textos.

    Não dá uma demasiada importância ao reconhecimento público, embora seja importante para ele o reconhecimento dos pares. Também come e bebe teatro, procura ver tudo, saber o que se faz.

    O teatro, nele, é como uma ferida aberta, incurável e eventualmente infecciosa.

    Por: LC

     

     

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