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    Arquivo: Edição de 30-06-2009

    SECÇÃO: Cultura


    DO PORTO A S. MIGUEL DE SEIDE

    Pelos trajectos de Camilo

    Foto MANUEL VALDREZ
    Foto MANUEL VALDREZ
    Completando o ciclo camiliano que teve o seu momento alto na Conferência realizada no Fórum Cultural de Ermesinde, a Ágorarte organizou dois roteiros por alguns dos espaços que se cruzaram na vida de Camilo Castelo Branco (1825-1890).

    Por muitos considerado um dos maiores mestres da Língua Portuguesa, Camilo foi para além de fecundo homem de letras, um notável polemista, de pena sempre afiada contra os que lhe manifestavam o mais inofensivo agravo.

    Foi esse homem temperamental e marcado por uma visceral mordacidade que o grupo de convidados da Ágorarte foi conhecer através dos comentários de Carlos Faria, presidente daquele associação, e da leitura de textos ao longo de um percurso entre a Cordoaria e a Praça da Batalha, no Porto.

    Já na semana seguinte, uma visita à Casa Museu de Camilo e ao Centro de Estudos Camilianos em S. Miguel de Seide encerrou o conjunto de iniciativas dedicadas ao escritor.

    ATRACÇÃO

    PELAS LETRAS

    No Porto e em frente ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar onde funcionou a Escola Médico-Cirúrgica do Porto foi demonstrada a pouca vocação do escritor para as ciências médicas. É, aliás, o próprio Camilo que ironicamente o reconhece em “A filha do Arcediago”:

    “Eu que já tive a honra de vos dizer que sei tudo e mais alguma coisa, não tenho absoluta certeza da colocação do fígado, suposto que fui em anatomia um estudante profundo, a ponto de querer provar que o duodeno (tripa de doze polegadas) tinha pelo menos trinta e duas braças. E ainda hoje estou nisto, diga lá o que disser Bichat, e Soares Franco”

    A Academia Politécnica (Actual Reitoria da Universidade do Porto), foi outro ponto de passagem de Camilo, que ali estudou Química, no tempo em que ainda lá existia o Convento da Graça. “Com que tristeza eu via o sol e invejava a minha vida lá das serras donde viera estudar o sesquióxido de ferro e o bicarbonato de soda naquelas salas frias do Convento da Graça”, escreveu o romancista. Decididamente parecia já então adivinhar-se o seu interesse pelas letras e pela avidez da leitura.

    A verdade é que a proximidade da emblemática Livraria Lello fundada por Ernesto Chardron foi um privilegiado ponto de atracção de Camilo e um local de culto de muitos literatos da época, a que o grupo de associados e amigos da Agorarte não ficou indiferente, ao visitar o seu belo interior.

    UM ROMANCE

    ENTRE MUITOS

    Percorrendo a Rua dos Clérigos (antiga Calçada da Natividade), onde corria, à direita de quem desce, a muralha fernandina, o grupo rumou até à Praça da Liberdade (antiga Praça Nova das Hortas). Ali foram evocadas as tertúlias de escritores e jornalistas (Camilo incluído) que se reuniam nos célebres Cafés Guichard e Camanho, igualmente frequentados por influentes políticos da época como Teófilo Braga, Sampaio Bruno ou João Chagas. Logo ao lado, onde está agora a estação de S. Bento, ficava o Convento de S. Bento de Avé Maria, onde Camilo terá conhecido uma religiosa com quem mantivera um romance efémero.

    Subindo depois a Rua 31 de Janeiro, o grupo deteve-se frente ao edifício da Caixa Geral de Depósitos onde se erguia o Teatro Baquet, que desapareceu após um trágico incêndio durante uma representação teatral, no fatídico dia 28 de Março de 1888 que matou um número indeterminado de pessoas. Camilo era um frequentador dessa casa de espectáculos e também do Teatro de S. João, na Batalha onde no seu tempo se apresentavam muitas récitas líricas.

    O PORTO

    DO ROMANTISMO

    Já acima se referiu o carácter temperamental de Camilo, que durante a sua reclusão gozava de algumas saídas precárias. A esse propósito prefacia Aníbal Pino de Castro em Memórias do Cárcere: “Com o arrogante exibicionismo que era traço tão marcante da sua condição de “leão” romântico, o preso não só usou, mas abusou da concessão, a ponto de, segundo o testemunho António de Azevedo, passear displicentemente na Rua de Santo António exibindo sem o menor resguardo um par de botinas de senhora que comprara para Ana Plácido, com grave escândalo dos austeros burgueses do Porto”.

    Um pouco mais acima, na Praça da Batalha, Carlos Faria falou da desaparecida e elegante Hospedaria e Café Águia d’Ouro tão do agrado do autor de “O Amor de Perdição”, o romance que foi escrito em 15 dias, “os mais atormentados da minha vida” como escreveu na cela número 8 da Cadeia da Relação do Porto, onde estivera encarcerado entre 1 de Outubro de 1860 e 16 de Outubro do ano seguinte para ser julgado com Ana Plácido pelo juiz José Joaquim de Queirós, pai de Eça de Queirós. Dos argumentos aduzidos por aquele juiz não sobrou prova material tendo os réus sido absolvidos.

    E foi exactamente nas celas ocupadas por Camilo e Ana Plácido que foi dado por terminado o percurso proposto pela Ágorarte depois de um olhar pelo prédio da Praça Filipa de Lencastre, onde funcionava o Tribunal Criminal que julgou os réus, e ainda de uma visita ao Hotel Paris (antigo Hotel Francês) na Rua da Fábrica, onde Camilo chegou a estar hospedado.

    VISITA MARCANTE

    Um pouco mais intimista foi a visita à Casa Museu de S. Miguel de Seide, onde Camilo viveu os últimos 27 anos da sua angustiada existência na propriedade que foi de Manuel Pinheiro Alves, marido legítimo da sua amante Ana Plácido. A propriedade, que foi herdada por Nuno, um dos filhos do casal foi avaliada, à época, em trinta contos de reis, uma verdadeira fortuna, como salientou Cândida Faria que recebeu e guiou o grupo de visitantes pela casa. Ali, onde podem ser observados alguns pertences do escritor, a sua biblioteca e várias réplicas de mobiliário, respira-se ainda a atmosfera rural e aburguesada que envolveu Camilo até ao último acto da sua vida; o suicídio.

    Já no vizinho edifício de linhas modernas concebidas por Siza Vieira, funciona o Centro de Estudos Camilianos inaugurado a 1 de Junho de 2005, onde o grupo foi recebido por Reinaldo Ferreira para apresentar um interessante documentário sobre o escritor.

    Por: Álvaro Mendonça

     

     

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