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    Arquivo: Edição de 30-09-2008

    SECÇÃO: Arte Nona


    Uma história negra em linha clara

    “Tramp – A Cilada”, obra de Jean-Charles Kraehn (argumentista) e Patrick Jusseaume (desenhista e colorista) é uma obra que remonta a 1993, editada originalmente pela Dargaud, e agarrada dez anos mais tarde pela ASA em Portugal.

    Kraehn é um daqueles casos de desenhadores que acabaram por ficar fascinados pela criação de argumentos e, como neste caso, viu obras suas serem desenhadas por outras mãos.

    Em “Tramp – A Cilada”, conta-nos a história de uma enorme falcatrua urdida por um industrial para enganar as seguradoras e assegurar uma boa maquia à custa de um barco naufragado.

    Mas a história é bem mais complexa. O industrial está à beira da morte, prestes a ser vitimado por um cancro, com uma empresa arruinada e à beira da falência e uma filha portadora de deficiência física – só se desloca em cadeira-de-rodas, prestes a ficar órfã e só.

    Os homens de quem o industrial se rodeia são, por sua vez, crápulas ambiciosos e capazes de tudo por dinheiro. O comandante que escolhe para o navio a afundar (um velho barco meio apodrecido, mas com perfumes de pintura nova, por cima), é um jovem de quem o industrial espera a inépcia.

    Mas este, através da secretária do industrial, que acaba por seduzir, vem a apaerceber-se de que uma trama negra se prepara por trás, e que irá sacrificar, sem quaisquer escrúpulos...

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    A eficácia narrativa da linha clara está aqui bem posta à prova, nesta obra em que, além de um argumento sinuoso, se podem fruir grafismos muito bem engendrados e cinematográficos, onde a ideia de espaço e movimento se encontram sempre obviamente presentes e reveladores.

    Quer o texto quer a imagem criam muito convincentemente a atmosfera descrita, num cenário que tem por palco o porto de Rouen, em 1949. Como veremos adiante, Rouen não é propriamente uma paragem exótica para os autores de “Trump” e, acrescente-se, se os desenhos de Jusseaume são, quanto a isso, esclarecedores, não podemos dizer nada de diferente também no que toca ao trabalho de coloração, aqui executado, pelo próprio desenhador, de forma magistral.

    Os flashbacks, a adição ou a carência de luz consoante os ambientes, a vivacidade da deriva entre os grandes planos e os close ups, tudo isto faz de “Tramp”, graficamente uma obra muito bem conseguida.

    Quanto ao argumento, se fosse necessário acrescentar mais alguma coisa, poderíamos sublinhar a ausência de um belo final cor-de-rosa, antes a introdução de elementos trágicos e contraditórios, como o são por exemplo, o homicídio da secretária do director às ordens deste, violada e esquartejada pelo imediato do navio a abater, e cúmplice do grande industrial, ou a viagem sentimental atribulada do jovem comandante, primeiro um estouvado don juan, depois alguém tocado muito profundamente pela perda da vida da sua recente namorada, afinal transformada em muito mais que um flirt, obrigatoriamente por via das dramáticas circunstâncias em que a história vai evoluindo.

    A ocorrência inesperada desta morte, o cinismo inicial do jovem comandante, a contradição entre o amor paternal do velho mindustrial falido, o seus desespero louco e capaz de tudo, até à burla e ao crime de morte, a introdução de elementos políticos aparentemente acessórios, como o do bando nazi estabelecido numa paragem tropical latino-americana, tudo isso faz com que a obra sobreviva, não sendo todavia, sejamos também verdadeiros, uma obra-prima incontornável, complexa, daquelas que nos revelam o mundo.

    O argumentista, nascido em 1955, em França, estreou-se na Banda Desenhada em 1984, altura em que se começou a editar a séroie “Les Aigles Décapitées” (argumento de Pellerin nos dois primeiros episódios, mas que, a partir de então passou a contar com Jean-Charles Kraehn tanto no desenho como no argumento.

    Seguiu-se-lhe a série “Bout d’Homme”, também com desenho e argumento da sua autoria. Depois de escrever o argumento de Tramp, para a Dargaud, Kraehn criou Gil Saint-André, uma série policial.

    O caso de Patrick Jusseaume, nascido na Costa do Marfim em 1951 é, também ele, curioso. Iniciou uma carreira profissional de professor de Desenho após os seus estudos na Escola de Belas Artes de Rouen e só mais tarde se iniciará na BD, criando para a revista “Vécu”, dedicada à Banda Desenhada de tema histórico, “La Chronique de La Maison Quéant”. O argumentista era, neste caso, Daniel Bardet.

    Patrick Jusseaume é ainda autor de “Comptes rendus”, uma pequena história integrada na obra colectiva “La Révolution Enfin!”, editada pela Glénat em 89.

    Por: LC

     

     

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