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    Arquivo: Edição de 15-05-2008

    SECÇÃO: Arte Nona


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    Os setenta anos de “O Mosquito” (visto por um leitor)

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    Há dois anos, em Janeiro, fez precisamente 70 anos que “O Mosquito”, a célebre revista de histórias aos quadradinhos que mais empolgou a ganapada dos anos 30 e 40, nasceu. Foi fundada precisamente em 14 de Janeiro de 1936 por Tiotónio, Cardoso Lopes, Raul Correia e Eduardo Teixeira Coelho e o primeiro número, saído da Litografia Castro, em Lisboa, teve uma tiragem de 5 000 exemplares. Nele colaboraram pessoas famosas como o famoso Repórter X, Reinaldo Ferreira (donde foi inspirado o meu nome), Guedes de Amorim, Eduardo de Noronha, Odette de Saint-Maurice, Maria Lamas e Sarah Beirão, e Jesus Blasco, o criador do Cuto. Eu fui uma das crianças penafidelenses que mais adoraram “O Mosquito” e que mais se entusiasmavam com as suas empolgantes aventuras. Ainda hoje conservo cerca de cem exemplares, já velhinhos, do meu tempo de infância e adolescência.

    Espreitemos agora, por um visor mágico, mais de sessenta anos para trás e veremos então uma criança penafidelense, com ar gaiato, de farto cabelo rebelde, de calças curtas e blusão de fazenda aos quadrados, em plena Praça Municipal, ao pé da entrada da Travessa do Cerrado, a olhar insistentemente para a Drogaria Quintas, ali ao lado. Era eu que esperava, ansioso, pelas quartas-feiras e sábados, para ir à Drogaria Quintas, ali bem no centro da cidade e perto da minha casa, com a moeda de níquel de cinco tostões na mão, para comprar “O Mosquito, o célebre Mosquito, e ver todas aquelas aventuras e histórias que me entusiasmavam e empolgavam.

    Começou cedo a minha afeição pela banda desenhada (BD) que, naquele tempo ainda se chamava “histórias aos quadradinhos”, com o texto descritivo da acção, por baixo do respectivo quadradinho que, tecnicamente, se chama prancha. Os balões ou “fumetos” (como dizem os italianos), com o diálogo, vieram mais tarde. No Mosquito apareceram em 1944, com as aventuras de Cuto, O Ardina Detective, de Jesus Blasco, já no estilo ou aspecto gráfico da BD americana, tecnicamente bastante avançada, com desenhos e pranchas fora dos quadradinhos.

    Depois de comprar O Mosquito, no Quintas, não resistia à curiosidade de ver a continuação da história que tinha lido três dias antes e que tinha ficado numa parte emocionante e começava logo, na rua, a dar uma vista de olhos àquelas aventuras todas.

    Às vezes aparecia um amigo que também queria ver, deitando logo a mão à revista mas eu não deixava, guardava-a egoisticamente por baixo do pull-over ou da blusa de fazenda aos quadrados. Primeiro tinha que ser eu a ler sem que ninguém me importunasse e lá ia, para o meu quarto ou para a saleta, saborear aquilo tudo. Depois, quando voltasse para a rua, lá ia eu geralmente para o Cinema e então líamos todos e comentávamos as histórias preferidas como O Capitão Meia-Noite e principalmente o Cuto, as aventuras dum ladino e arguto ardina detective, nas ruas de Nova Iorque, metido naqueles sarilhos todos, no meio dos gangsteres daquela cosmopolita cidade americana. O Cuto era um adolescente mais ou menos da nossa idade com uma grande madeixa de cabelo louro, em caracol, a cair para a testa, boné de jockey para trás, calças presas com suspensórios coloridos, sapatos de ténis, e até botas de montar chegava a usar no decorrer da aventura em que utilizava, com mestria, a pistola e até a metralhadora como a gangada que ele combatia. Dizíamos até que o Libertário, alourado, com aquele nariz arrebitado, até parecia o Cuto. Outros diziam que era o Gui, pequenito, com cara de espertinho e também com a madeixa de cabelo louro para a frente da testa. Enfim, fantasias de miúdos.

    Mas a afeição por este tipo de literatura já vinha de trás e o culpado foi o meu pai que, quando eu tinha pouco mais de 2 anos, começou a comprar-me “O Papagaio”, uma revista de BD, um pouco maior do que “O Mosquito” e em papel de melhor qualidade. “O Papagaio”, fundado em 1935 por Adolfo Simões Muller e onde colaboraram o pintor portuense Júlio Resende e o actor-desenhador, José Viana, era uma revista mais infantil, com o célebre Trolaró do sueco Jacobson, tendo sido a primeira revista infantil portuguesa de BD e também a primeira, não francófona, do mundo, a publicar o célebre Tintin de Hergé. O Tintin era aquele jovem detective, de calças à golfe, acompanhado da célebre cadelinha Ron-Ron que depois passou a ser Milou, que se metia nas mais empolgantes aventuras, passadas nas mais variadas partes do mundo e que envolviam personagens que igualmente ficaram célebres, como o Capitão Haddock, o sábio Professor Tournesol, os polícias-detectives gémeos, Dupond e Dupont, a Prima-Dona Castafiore, etc.. Ainda tenho cerca de duas dezenas de Papagaios em meu poder.

    Contudo, a revista de BD que mais me entusiasmava era, de facto, “O Mosquito”, mais juvenil do que “O Papagaio”, que era mais pró-infantil. As séries minhas preferidas eram o Capitão Meia-Noite, o célebre mascarilha Barão de Dorset, um fidalgo inglês do Séc. XVIII, que lutava pela justiça contra os tiranos daquele tempo e, mais tarde, também o Cuto com quem nos idenficávamos. “O Mosquito” trazia uma separata miniatura, dedicada a meninas, chamada “A Formiga”, que trazia a Anita Pequenita, que eu também gostava de ler.

    Em criança e até já espigadote, isolava--me, numa saleta soalheira que havia nas traseiras de minha casa e embrenhava-me naquelas histórias fabulosas, lendo-as ou devorando-as seguidas. Para além das preferidas já citadas, as cómicas como Serafim e Malacueco, cowboiadas de Kit Carson e Jack Tim, histórias como Flibusteiros, a Seita do Dragão Verde, A Nau Perdida, Sunyana, o Rebelde, etc., etc.. Eram aventuras passadas em todo o mundo, nas regiões mais diversas e exóticas como a Índia, África, China, Ásia e, como não podia deixar de ser, no famoso far-west americano. Isto em várias épocas históricas, desde a Antiguidade, passando pela Idade Média, até aos nossos dias. Foi a primeira cultura que apreendi e que me moldou a mente para o gosto pela aventura, pelo mistério do desconhecido, pelas viagens, lugares exóticos, o conhecimento dos povos, costumes, crenças e sua história

    E que mais tarde me levou a devorar livros de viagens e aventuras como as obras de Emílio Salgari, Júlio Verne, Steven Miler com o seu Sandokan, Walter Scott, Cervantes, Victor Hugo, Herculano, e muitos outros.

    “O Mosquito”, para mim e para muitas crianças do meu tempo, foi o despertar de tudo isto a que chegamos hoje. Devo-lhe muitas horas de viagens em mundos diferentes que, doutra forma, naquela época, não poderíamos alcançar e que estimularam a nossa imaginação. Tenho pena de não poder desejar-lhe que continue por muitos anos, porque, no fatídico dia 24 de Fevereiro de 1953, após 17 anos a deliciar as crianças de todo o país e não só, a máquina rotativa parou, após imprimir o derradeiro Mosquito, o n.º 1412.

    Obrigado Mosquito!

    Por: Reinaldo Beça

     

     

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