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    Arquivo: Edição de 15-03-2008

    SECÇÃO: Crónicas


    O indígena como agente revitalizador ambiental

    Nos primórdios da colonização ibérica do nosso continente, ‘brasileiro’ era a denominação que recebia o traficante de pau-brasil. Da mesma forma, chamavam--se ‘baleeiros’ àqueles que caçavam baleias. Por mero acaso, nós, brasileiros, não nascemos num país chamado Baleia. Talvez não por acaso e, sim, devido às condições climáticas que propiciaram o florescimento de tamanha exuberância natural nas nossas florestas. Mérito, também, dos nativos que aqui viviam. O imenso território que hoje chamamos Brasil foi, durante vários milénios, habitado por inúmeras e distintas nações indígenas, cada qual mantendo relações vitais intrínsecas com as especificidades do seu ambiente de origem.

    Historicamente, o Brasil caracteriza-se como sendo um país agroexportador de matéria-prima, cujos cultivos variam conforme as leis de mercado: café, cana-de-açúcar, soja, pinus, eucalipto, mamona... Nossa estrutura fundiária ainda apresenta resquícios coloniais, onde alguns poucos empresários detêm a posse da maior parcela do território, ao passo que uma multidão de camponeses tenta sobreviver através da agricultura familiar cultivando meia-dúzia de hectares cada um. Endividados, os campesinos são induzidos a vender suas pequenas propriedades de terra e acabam migrando para as regiões periféricas dos grandes centros urbanos, somando para o aumento da pobreza e da violência subsequente.

    Enquanto isso, nos meios de comunicação de massa, os economistas comemoram o ‘sucesso’ do agrobusiness, argumentando que o lucro gerado pelas monoculturas movimenta a Economia e contribui para a obtenção do superávit primário. De quê adianta movimentar a Economia, se o lucro aqui gerado é mensalmente remetido ao exterior? De quê adianta superávit primário se este lucro pertence a alguns poucos empresários, e não ao povo baleeiro? Digo, brasileiro. Tanto faz a denominação, afinal, o Governo até hoje permite que as empresas tratem nossos recursos naturais como bem entender. Recentemente a Petrobrás anunciou a descoberta de um gigantesco campo petrolífero na Bacia de Santos e, logo depois, abriu licitações para que as empresas transnacionais extraiam o petróleo brasileiro. Ora, contentar-se com as irrisórias alíquotas sobre a exploração do petróleo só demonstra a nossa total falta de ambição enquanto cidadãos. Por que a própria estatal não gere todas as etapas do processo de extração, em vez de disponibilizar grande parte dos petrodólares a qualquer investidor estrangeiro interessado em lucrar sobre a nação?

    Frente ao actual contexto agrário onde a quase totalidade das matas ciliares foi substituída pelo cultivo de soja transgênica, cabe ao poder público intervir construtivamente no território brasileiro, buscando amenizar a gradativa redução da biodiversidade e reparar, em parte, a histórica injustiça praticada contra as nações indígenas. Todos seriam beneficiados caso o Estado disponibilizasse as áreas de matas ciliares para que os indígenas cultivem espécies nativas e revitalizem o nosso ambiente, interligando tais áreas através de corredores ecológicos que possibilitariam a evolução orgânica da vida natural.

    Os Kaingang, por exemplo, cuja dieta alimentar foi sempre baseada no pinhão, poderiam muito bem agir em prol da regeneração da floresta com araucárias. Se, em vez das habituais monoculturas de pinus e eucalipto, visando a produção de celulose, nós plantássemos araucárias e demais espécies nativas em sistemas agroflorestais, estaríamos contribuindo tanto para a obtenção da sustentabilidade Kaingang, como principalmente para a regeneração ambiental. Com isso, os Kaingang poderiam criar uma cooperativa de industrialização de pinhão, produzindo massas, pães e demais condimentos preparados a partir da semente da araucária.

    É interessante ressaltar que, plantando-se soja na área originalmente ocupada por uma araucária, produz-se uma quantidade seis vezes menor de proteínas do que se houvéssemos colectado os pinhões. Antigamente, os nativos conservavam o pinhão colocando-o em cestos de taquara impermeabilizados com cera de abelha-mirim, os quais eram depositados no fundo de rios e banhados. Quando então necessitavam de alimento, retiravam os pinhões, socavam-nos na mão-de-pilão e, a partir dessa farinha, fabricavam saborosos e nutritivos pães.

    UM PARTIDO

    INDIGENISTA

    Do mesmo modo que os Kaingang apresentam maior capacidade de gerir a floresta com araucárias do que qualquer outra pessoa, os Guarani caracterizam-se como os mais aptos a revitalizar as áreas de mata atlântica, pois a sua cultura encontra-se enraizada neste bioma. Nada mais justo que devolver a posse das veias terrestres aos seus legítimos proprietários. Proprietários, esses, cujos filhotes actualmente rastejam pelas sujas calçadas dos centros urbanos, disputando alimentos com ratos e baratas, enquanto as suas mães vendem artesanato em bancas de camelô. Sabe-se lá por quais razões, o conceito de sustentabilidade que comummente empregamos nas políticas indigenistas brasileiras sentencia que os índios estão fadados a eternamente vender artesanato nas metrópoles e em acostamentos de auto-estradas. Esquecemo-nos, ou ignoramos, que sustentabilidade significa produzir o próprio alimento e atender às nossas demandas fisiológicas básicas, independentemente da cotação do petróleo, da queda na Bolsa ou da falência de alguma transnacional.

    O ORÇAMENTO

    DA FUNAI

    As alternativas viáveis para reverter esta lamentável situação são inúmeras, falta somente empenho e objectividade por parte do poder público e dos órgãos responsáveis. O Governo Federal brasileiro gasta, anualmente, vários milhões de reais para manter em actividade a estrutura institucional da FUNAI, cuja actuação junto aos silvícolas se resume, basicamente, à assistência judicial e análises antropológicas. O quadro de funcionários da Fundação Nacional do Índio encontra-se repleto de antropólogos e burocratas que não interferem construtivamente no quotidiano indígena. O que os sobreviventes do holocausto indígena necessitam não é servir de matéria-prima para teses e dissertações académicas que apenas analisam o seu passado. Eles precisam é de engenheiros agrónomos e gestores rurais que os auxiliem a cultivar organicamente as suas terras e a criar cooperativas, seja de artesanato ou de industrialização de alimentos. Contribuiria bastante, neste sentido, se repassássemos o orçamento da FUNAI directamente aos caciques das aldeias, proporcionando-lhes autonomia para decidir dos seus próprios rumos.

    Cada nação indígena deveria ter, no mínimo, um representante em toda e qualquer instância governamental do País, em vez de ser legalmente representada pela FUNAI. Diante da dificuldade em se fazer justiça ao eleger igualmente um deputado entre os euro-descendentes, um entre os afro-descendentes, um da nação Kaingang, um da nação Guarani, um da Xavante, um da Tapuia, um da Kamaiurá, um da Kuikuro, um da Yawalapiti... urge a necessidade de fundação de um Partido Indigenista. Segundo estimativas, a actual população indígena no Brasil é de aproximadamente 600 mil pessoas. Certamente, com este número de eleitores, ao menos um cacique seria eleito deputado para lutar a favor da causa deles e contra o descaso com que tratamos os recursos naturais.

     

    Por: Fernando Baggio*

    * Colunista do jornal “Tribuna das Cidades”

     

     

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