Crónicas do inominável
Da autoria de Luis García e Víctor Mora, remontam aos anos 70 (entre 1973 e 1979) e delas, a editora espanhola Totem haveria de publicar, em 1982, uma edição completa, enriquecida com um prefácio de Javier Coma, “El Aprendizaje de la Humanidad” e com uma história solta, dos mesmos autores, exterior à série, mas ainda próxima, pelo seu carácter misterioso, “El Grito” (1976). Referimo-nos a “Las Cronicas del Sin Nombre”, título genérico das sete novelas, que são aqui introduzidas com uma citação do Bagavad Gita hindu: «Da mesma maneira que um homem deixa de lado uma roupa usada para pôr outra, o Absoluto encarnado tira corpos usados e entra noutros que são novos».
É precisamente esta ideia de encarnação em novos
corpos que dá o mote às Crónicas do Sem Nome, num processo narrativo, da autotia de Víctor Mora, que se deve ter provavelmente inspirado na obra dos argentinos Hector Oesterheld e Alberto Breccia, com Mort Cinder, que remonta a 1962.
O texto e os grafismos muito cuidados e salientando o lado obscuro e atormentado da históra, fazem desta – tal como o é Mort Cinder – igualmente uma obra-prima.
“Las Cronicas del Sin Nombre reúne sete histórias, “El Edelweiss Bajo el Hielo” (1973), “El Invierno del Ultimo Combate” (1973), “Love Strip” 1974), “La Rosa de Mohave” (1974), “El Parking del Fin del Mundo” (1974), “El Naufragio Infinito” (1978) e “Stormy Weather” (1979).
Em comum, a uni-las, está essa perspectiva de um tempo caótico e transmutável, atravessando as personagens – e as histórias – os limites temporais da vida humana para se plasmarem numa existência que fica a coberto dos episódios da morte terrena, ainda que não da dor e do sofrimento.
Por outro lado, estes seres que aqui vamos encontrar, se são humanos, são sobretudo seres, e a sua humanidade não é mais que uma transitoriedade do seu percurso. Veja-se, por exemplo, logo em “El Invierno del Ultimo Combate”, a forma como Víctor Mora introduz a narrativa: «Que foi feito de ti, Nínive? Nínive, acorda: eu defendi as tuas muralhas, quando ainda não as tinham apagado as areias do tempo... / E tu? E tu? Que foi feito de ti, anciã enlouquecida que chamava pelo seu filho no frio e na morte daquele campo de batalha? / Fui esse guerreiro, fui essa mulher... e fui também esta forma de vida num mundo longínquo cujo sol vermelho se chama Betelgeuse... / Quem sou? O que sou? Somente sei que sou... E que vou, errante, sem cessar... e que devo saber e saber, com respeito a tudo o que vive no Universo... / (...) / (...)».
Aponta Javier Coma: «Os dois primeiros episódios (“El Edelweiss Bajo el Hielo” e “El Invierno del Ultimo Combate”) datam de 1973 e coincidem num tema que retornará, vários anos depois, no penúltimo relato (“El Naufragio Infinito, 1978): o mistério de um amor, abstracto em si, concreto enquanto argumento contra a morte espiritual e física, que vence, tal como o Sem Nome, as barreiras do tempo, e que se opõe, por sua vez, aos despojos ocasionados por este mesmo tempo a uma vida frágil e indefesa; não estamos aqui longe nem do “amour fou” dos surrealistas nem dos conteúdos poéticos de um clássico cinematográfico de 1935, Peter Ibbetson (“Sueño de Amor Eterno”) de Henry Hathaway, que foi aclamado precisamente por André Breton (...)».
Já vê o leitor a preciosidade desta edição, que junta às oito histórias de García e Mora (“El Grito” mais as sete de “Las Cronicas del Sin Nombre”), a crítica interessantíssima, a todos os títulos de Javier Coma.
Este, no prefácio chama, aliás a atenção dos leitores para alguns aspectos fundamentais da feitura de “Las Cronicas...”, que derivam do facto dos primeiros episódios terem ainda sido concebidos e realizados durante o período franquista, ao passo que os últimos são já concretizados em plena democracia do Estado Espanhol.
Mesmo assim, já nestas primeiras histórias se exprime uma leitura dos acontecimentos que está longe de corresponder aos estereotipos interpretativos da cultura eurocêntrica dominante. Veja-se, a propósito, o que é que o Sem Nome exprime sobre a saga das Cruzadas: «(...) Algo com que olvidar o que vi mais tarde, quando tudo terminou, na Igreja do Santo Sepulcro: Todas aquelas mãos alçadas para um Cristo a quem se pedia que benzesse tanto crime e tanta loucura! Todas aquelas mãos ensanguentadas já convertidas nas garras rapaces de todas as pilhagens! (...)».
Quanto ao grafismo de Luis García, ele sabe exprimir uma «interiorização de campo» (Coma) que tornam ainda mais densa e torturado o desenrolar de todos os anacronismos.
Por:
LC
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