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    Arquivo: Edição de 30-12-2007

    SECÇÃO: Crónicas


    A desilusão

    Ilustração de GHEYN
    Ilustração de GHEYN
    Vamos pela vida intercalando épocas de entusiasmo com épocas de desilusão. De vez em quando andamos inchados como velas e caminhamos velozes pelo mar do mundo; noutras ocasiões – mais frequentes do que as outras – estamos murchos como folhas que o tempo engelhou. Temos períodos dourados, em que caminhamos sobre nuvens e tudo nos parece maravilhoso, e outros – tão cinzentos!– em que talvez nos apetecesse adormecer e ficar assim durante o tempo necessário para que tudo voltasse a ser belo.

    Acontece-nos a todos e constitui, sem dúvida, um sinal de imaturidade. Somos ainda crianças em muitos aspectos.

    A verdade é que não temos razões para nos deixarmos levar demasiado por entusiasmos, pois já devíamos ter aprendido que não podem ser duradouros.

    A vida é que é, e não pode ser mais do que isso.

    Desejamos muito uma coisa, pensamos que se a alcançarmos obtemos uma espécie de céu, batemo-nos por ela com todas as forças. Mas quando, finalmente, obtemos o que tanto desejávamos, passamos por duas fases desconcertantes. A primeira é um medo terrível de perder o que conquistámos: porque conhecemos o que aconteceu anteriormente a outras pessoas em situações semelhantes à nossa; porque existe a morte, a doença, o roubo...

    A segunda fase chega com o tempo e não costuma demorar muito: sucede que aquilo que obtivemos perde – lentamente ou de um dia para o outro – o encanto. Gastou-se o dourado, esboroou-se o algodão das nuvens. Aquilo já não nos proporciona um paraíso.

    E é nesse momento que chega a desilusão, com todo o seu cortejo de possíveis consequências desagradáveis: podem passar-nos pela cabeça coisas como mudarmos de profissão, mudarmos de clube, trocarmos de automóvel ou de casa, divorciarmo-nos... E, então, surge o desejo de partir atrás de outro entusiasmo: queremos voltar a amar...

    Nunca mais conseguimos aprender o que é o amor.

    Se nos desiludimos, a culpa não está nas coisas nem está nas outras pessoas. Se nos desiludimos, a culpa é nossa: porque nos deixámos iludir; porque nos deixámos levar por uma ilusão. Uma ilusão – há quem ganhe a vida a fazer ilusionismo – consiste em vestir com uma roupagem excessiva e falsa a realidade, de modo a distorcê-la ou a fazê-la parecer mais do que aquilo que é.

    Quando nos desiludimos não estamos a ser justos nem com as pessoas nem com as coisas.

    Nenhuma pessoa, nenhuma das coisas com que lidamos pode satisfazer plenamente o nosso desejo de bem, de felicidade, de beleza. Em primeiro lugar porque não são perfeitas (só a ilusão pode, temporariamente, fazer--nos ver nelas a perfeição). Depois, porque não são incorruptíveis nem eternas: apodrecem, gastam-se, engelham-se, engordam, quebram-se, ganham rugas... terminam.

    Aquilo que procuramos – faz parte da nossa estrutura, não o podemos evitar – é perfeito e não tem fim. E não nos contentamos com menos de que isso. É por essa razão que nos desiludimos e que de novo nos iludimos: andamos à procura...

    De resto, se todos ambicionamos um bem perfeito e eterno, ele deve existir. Só pode acontecer que exista. Mas deve ser preciso procurar num lugar mais adequado.

    Por: Paulo Geraldo*

    * Professor de Língua Portuguesa

     

     

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