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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-03-2007

    SECÇÃO: Arte Nona


    “Cochquixtia”

    Depois de, no número anterior de “A Voz de Ermesinde”, nos termos debruçado sobre “Helldorado – Santa Maladria”, de Morvan/Dragan/Noé, editado pela Casterman, obra que aborda a conquista espanhola do México e faz uma incursão pelo quotidiano azteca (na obra os syyanas), regressamos hoje ao universo azteca com uma obra que lhe é anterior cerca de três anos, “Cochquixtia – O Despertar”, de Diniz Conefrey, editado pela Devir já em 2003, mas cujo primeiro volume não conheceu ainda continuação.

    A obra de Conefrey, envenenada de poesia e espiritualidade introduz-nos de uma forma fascinante na cosmologia azteca, desvendando-nos os segredos do nascimento do mundo e da vida.

    Tomando como pretexto a história de um jovem cujo talento no desenho e pintura leva a que o separem para pais para ser preparado pelos mestres segundo a tradição, Conefrey invocando ora a iconografia mexica, ora os próprios textos da tradição mística deste povo, dá-nos a conhecer uma atmosfera que parece saída de outro mundo ou mesmo de um qualquer estado de consciência alterada.

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    Fins do século XV. Tlacamaye, jovem azteca, oferece aos deuses um desenho, que os sábios notam, entre as várias oferendas.

    Separado dos pais, a quem é proposta por um ancião a honra de ter assim o filho ao serviço dos deuses – como tlacuilo, termo que quer dizer simultaneamente pintor e escriba – começa a aprendizagem e a iniciação de Tlacamaye.

    O autor tem que nos apresentar na obra os numerosos termos aztecas que vai utilizando, cabendo no final do livro, um pequeno conjunto de notas à maneira de glossário.

    Por toda a citada obra de Conefrey perpassam as cores quentes do fogo, o texto poético, com algumas referências a lugares concretos, como as cidades de Tlacopan, onde vivia Tlacamaye, ou a soberba Tenochtitlan, com o seu anel de água.

    Esta obra de Conefrey tem o seu principal encanto precisamente nesta atmosfera exótica, de termos, de lugares, de místicas pouco familiares aos europeus que somos.

    A COSMOLOGIA AZTECA

    Sucedem-se os textos sagrados, de uma beleza esmagadora:

    «Agora escutem com atenção quais são as forças que governam a nossa existência, neste mundo plano, havendo 13 céus acima e 9 infernos abaixo de nós./ Antes de todos os outros existe um deus criador: Omeotl, deus da dualidade, Ometecuhtli – homem e Omecihuatl – mulher./ No 13º céu, o Criador deu à luz 4 filhos. O 1º foi Tlaloc: “Aquele que cai sobre a terra”. Deus da chuva e da fertilidade agrícola./ O segundo foi Tezcatlipoca: “Espelho fumegante”, o poder supremo, omnipresente e omnipotente, senhor dos destinos humanos. / O terceiro foi Quetzalcoatl: Ehecatl, Deus do vento, patrono de todos nós sacerdotes. Identificado com a demoníaca estrela da tarde e com a benigna estrela da manhã./ E o quarto filho foi Huitzilopohtli: “Beija flor à esquerda, deus da guerra e do sol./ Juntos, estes quatro irmãos fizeram o fogo, os céus, a terra, o mar e o mundo subterrâneo, o primeiro casal humano e o calendário sagrado».

    Ou, mais à frente:

    «(...) Logo foi ofício de Ehecatl dar morte aos deuses. E como se refere, Xólotl não queria morrer./ Que não morra eu, oh deuses!Como havemos de viver? Não se move o sol. Vamos induzir uma vida sem ordem aos seres humanos? Que por nosso meio se fortaleça o sol!/ Morremos todos!!/ E dispara um dardo em direcção ao sol. Mas o dardo falha e o sol retribui transpondo Xólotl na cabeça. Nesse momento é transformado no deus da pedra e do frio, por essa razão está sempre frio na altura da madrugada./ Então Ehecatl, um por um, extrai o coração a todos os deuses e assim o sol pôde mover-se, seguiu o seu caminho. E enquanto este andava, ficou parada a lua./ Quando por fim chegou o sol ao lugar por onde desaparece, então também a lua começou a mover-se. Ali se separaram. Cada um seguiu o seu caminho./ Da morte dos deuses em Teotihuacan, o sol do movimento, Nahui Ollin, é criado. Assim como os deuses tiveram que se sacrificar, também os humanos devem fornecer os seus corações e sangue para garantir que o quinto sol continue o seu caminho (...)».

    Este é apenas um dos muitos textos que adornam “Cochquixtia – O Despertar”, e que aqui fica como exemplo do que nos pode esperar numa leitura fascinante.

    Conefrey é, de resto, um autor que não raras vezes nos surpreende pelos caminhos sempre surpreendentes que trilha, não fazendo qualquer concessão ao convencional, como aqui. Mais uma vez.

    Por: LC

     

     

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