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    Arquivo: Edição de 15-10-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    O destino dos dinheiros públicos

    Quando escrevemos estas linhas, está em discussão na Assembleia da República a proposta de lei das finanças locais, documento que tem provocado os mais diversos e acesos debates. E como sempre acontece, para os proponentes e seus defensores, o documento é equilibrado e coerente com o objectivo nacional de reorientar as finanças locais para um novo paradigma de aplicação dos dinheiros públicos, deixando-se de escolher o betão e as obras faraónicas, para privilegiar a qualidade de vida dos cidadãos, aconselhando os autarcas a fazerem melhores escolhas na utilização dos dinheiros públicos que lhes são confiados. Para as demais forças políticas, o que o Governo pretende é subtrair ao Poder Local parte significativa dos recursos financeiros, impedindo-o de continuar a prestar às populações alguns dos serviços disponibilizados.

    O ruído tem sido grande, embora não se estranhe os elevados "decibéis" por se tratar de dinheiros que engordam ou não engordam os cofres das autarquias, sabido como é que o dinheiro é muito importante para a manutenção do novo-riquismo que se apoderou das autarquias, bem visível na ostentação dos lídimos presidentes de câmara, para quem se tornou normal serem acolitados por um número exagerado de vereadores em regime de permanência, disputar com o primeiro-ministro a categoria dos veículos que utilizam, renovando-os quando se encontram em perfeitas condições de segurança e de representação social, mesmo quando as finanças municipais se encontrem impossibilitadas de honrar atempadamente os compromissos para com os seus fornecedores, de se rodearem de gabinetes compostos por séquitos de chefes, secretários (de preferência secretárias) e de assessores, cujo número e qualificações, se submetidos à análise de uma qualquer consultora externa, do tipo da "Accenture", a faria brilhar, acaso fosse contratada para elaborar um relatório com vista a reorganizar os serviços camarários, tornando--os eficientes e eficazes ao menor custo.

    Já em tempos avisáramos de que o "regabofe" não poderia ser eterno e que seria prudente que os autarcas começassem a tomar consciência de que os dinheiros públicos não eram infindáveis, nem se deveriam confundir com dinheiros próprios. Estes, podem ser gastos a belo prazer dos seus donos. Aqueles devem ser utilizados com parcimónia, inteligência, seriedade, transparência e rigor. A ministra Manuela Ferreira Leite mandou um sério aviso à navegação. Terá havido quem a escutasse e mudasse de vida. Outros optaram por recorrer à fértil imaginação de contornar o obstáculo e, em vez de orientar os destinos autárquicos no sentido das melhores escolhas na afectação dos recursos disponíveis, deitarem mão a formas de endividamento "encapotado", traduzidas em operações de leasing, leasing-back e factoring, havendo quem não tenha pejo de hipotecar receitas dos próximos 15, 20, ou 30 anos, para manter o ambiente faustoso em que se habituara a viver.

    FANTASMAS

    E AMEAÇAS

    Aflitos por sentirem não encontrar aliados no seu braço-de-ferro com o Governo, os autarcas recorrem a fantasmas e a ameaças. Agitam o "espantalho" de que mais de duzentos municípios verão as suas receitas fortemente cerceadas; que as câmaras poderão deixar de prestar alguns serviços às populações, havendo quem vá ao ponto de advogar o encerramento das autarquias por um ou dois dias (figura aparentada com o lock-out, proibido na legislação laboral portuguesa). Curiosamente, não se vê um único autarca a defender a redução das despesas correntes da sua autarquia, mesmo depois de ouvirem o Governo a afirmar que todos os ministérios sofrerão uma redução da ordem dos 5% nas despesas de funcionamento, dos cidadãos verem todos os anos reduzidos os salários reais e as famílias debatendo-se com abruptos cortes nos seus orçamentos, por via do desemprego.

    Neste quadro de aflições, o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, receoso que o projecto de lei do Governo venha a ser aprovado por maioria simples na Assembleia da República, reclama, em desespero de causa, que o documento deva precisar do voto favorável de uma maioria de dois terços dos deputados, para ser considerado legalmente aprovado. É uma interessante reclamação, que deveria ser escutada e trabalhada pelo legislador em processo que tivesse em conta as leis de financiamento das autarquias e outras do âmbito do Poder Local. Por nós, não hesitaríamos em atender a solicitação da ANMP, desde que a regra de 2/3 fosse requisito indispensável nas deliberações dos Executivos camarários, sempre que se tratasse de: deliberações em que se decida os planos de actividade e os orçamentos anuais; a fixação de derramas, taxas e impostos cobrados pelas autarquias; a alienação, ou outras afectações, de património municipal; os montantes das transferências financeiras para as juntas de freguesia; os processos de loteamento de alguma envergadura; a adjudicação de obras municipais de valor igual ou superior a 25.000 euros; a constituição de empresas municipais e/ou de participação em outras entidades públicas ou privadas; contratos-programa celebrados com terceiros; elaboração e aprovação de regras de concursos para admissão de funcionários e a homologação das decisões dos júris; definição do número de vereadores em regime de permanência; constituição dos gabinetes de presidentes e de vereadores; definição do número e admissão de assessores, etc..

    A transparência que se introduziria na gestão da coisa camarária e a "machadada" que se daria na arrogância dos presidentes, nas arbitrariedades que praticam no exercício do cargo, nas injustas discriminações que utilizam quando se trata de usar os dinheiros e espaços públicos, privilegiando os amigos e os correligionários, em simultâneo com punições descaradas para quem não os bajule, ou é de partido da concorrência; a lisura que os processos de admissão de funcionários passariam a ter; a dificuldade que se introduziria na corrupção que exista na aprovação de processos urbanísticos, etc., provocaria um incalculável proveito, que bem justificaria o custo da aprovação por 2/3 da questionada futura lei das finanças locais.

    ATÉ AO LAVAR

    DOS CESTOS...

    Diz o povo que até ao lavar dos cestos é vindima, esperança que o deputado Miguel Relvas revelou, quando, durante o debate na Assembleia da República, emitiu o sentimento de que, tal como em ocasiões anteriores, em que o Governo declarava não recuar vindo a fazê-lo, também agora os presidentes de câmara devem manter a esperança de que tudo venha a consertar--se e que, no final, os euros continuem a jorrar para os cofres das autarquias, que os bolsos dos munícipes fiquem cada vez mais depauperados pela ampliação dos poderes concedidos às câmaras de criar e de aumentar taxas e impostos, e que a capacidade de endividamento não seja tão duramente implementada, como inicialmente previsto. Se assim não acontecer, os presidentes de câmara ainda não devem desesperar. Logo que se aproxime eleições, abrir-se-á uma janela para substituir a porta que se tenha fechado e, então, não faltarão pretextos governamentais para, excepcionalmente, os municípios contraírem os empréstimos que quiserem, desde que os Executivos da cor política do governo à época, também nisso tenham interesse.

    Entretanto, os presidentes despesistas deveriam ouvir os seus colegas que manifestam concordância com as novas regras do endividamento e que declaram não ser sério a antecipação de receitas por parte das autarquias (Rui Rio) e que se orgulham de não ter problemas financeiros, não obstante o desenvolvimento que o seu concelho conheceu na actual era do Poder Local (Fernando Ruas). Quanto mais cedo acordarem para a realidade, menos sacrificarão os munícipes.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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