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    Arquivo: Edição de 15-10-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    História e ficção

    Sem documentos não há história? Se assim fosse, a maior parte da História seria uma incógnita e filmes históricos, romances, banda desenhada, não poderiam ser levados a sério ou nem sequer existiriam!

    A verdade é que, quando os factos se passam em épocas muito remotas e, por diversas circunstâncias, não abundam documentos nem outros comprovantes que os atestem detalhadamente e de forma inequívoca, a História também se faz por indícios, por presumidos que levam à indução e dedução racional, a acções cognitivas que devem obedecer à lógica de contexto, tendo sempre em atenção a realidade referencial do passado e a actual. Não entrar na lenda, na fantasia épica ou romântica que fica sempre bem ao passado de qualquer terra ou comunidade mas antes enfrentar a realidade a que os rastos e vestígios nos levam, sem ceder à lógica dos sentimentos, embora, como é óbvio, origine sempre polémica, dadas as diferentes interpretações e ilações que sempre surgem.

    De qualquer forma, quando se concebe um conto ou romance histórico, salvo quando existem crónicas coevas com relatos minuciosos do facto a relatar, há sempre algo a idealizar e a arquitectar. Para dar vida a factos mortos é preciso conceber, arquitectar, romancear, contar, fazer ficção mas tendo sempre presente os factos, as personagens reais, a época histórica, política, social e toda a geo-história em que se desenvolveram. Evitar anacronismos, conhecer usos, costumes, utensílios, armas, mobiliário, trajes, preceitos, preconceitos do espaço temporal em que se desenvolve o conto, naturalmente, de conformidade com o tipo de conto que se pretende transmitir. Se é um conto para crianças ou jovens com finalidades meramente educativas, recreativas ou de entretimento ou se é um romance de carácter mais erudito e real. No primeiro caso, a ficção é mais intensa e a realidade lógica secundarizada e submetida a toda a cosmética necessária para despertar o interesse dos jovens e não só. No segundo caso, sem perder a beleza literária do texto, toda a sua literariedade, há que ser o mais fiel possível à realidade histórica.

    Assim, todos os contos e romances históricos têm a sua parte de ficção, em maior ou menor percentagem, pois será difícil obter todos os pormenores dos factos principalmente quando as fontes são poucas e imprecisas. Por exemplo, em épocas mais longínquas, todos sabemos que, em 1147, D. Afonso Henriques foi para Santarém e Lisboa conquistar aquelas cidades aos mouros. Conhece-se a forma ludibriosa como se apossou de Santarém, duma noite para o dia, bem como a conquista de Lisboa que se prolongou por mais de três meses. Os acordos feitos e a sua rendição estão bem documentados no relato feito pelo cruzado inglês Osborne, e outras crónicas como a Gesta de Afonso Henriques e suponho que os Anais mas há pormenores desconhecidos.

    Dizem que partiu de Coimbra, partiria? Que caminho tomou? Qual era a roupa que usava? Foi sempre à frente das tropas durante a cavalgada ou foi separado com os seus maiorinos a conversar? Qual seria a cor do seu cavalo? Usava uma sela alta, mourisca? Quem o acompanhava de mais perto? Onde pernoitou e onde tomou as suas refeições e de que constavam essas refeições?

    Suponho que não existe relato com todos estes detalhes e então há que imaginar de forma racional e lógica. Mediante os usos da época e os seus costumes pessoais se forem conhecidos, podemos conjecturar muita coisa, estabelecer relações aceitáveis e até verídicas.

    ... PODIA SER

    VERÍDICO

    Quanto à D. Ermesenda, aquele conto que escrevi, publicado em 10 episódios em “A Voz de Ermesinde”, é um pequeno conto de ficção, com personagens reais, num contexto histórico real, que até poderia ser verídico. Uma das finalidades foi, antes de tudo, a respeito da personagem em causa, falar e descrever o contexto histórico, numa época muito importante para a formação da nossa nacionalidade mas pouco referida nos compêndios históricos oficiais e, por isso, é pouco falada e as personagens pouco conhecidas. Em vez do discurso formal ou denotativo, tipo monografia, eu prefiro, porque é mais atractiva, a história em movimento, descrevendo os factos de forma dinâmica, através dum conto em que entram as personagens verídicas na realidade das suas possíveis vivências, no meio de todo o ambiente que as cerca. Isso exige muita pesquisa e trabalho muitas vezes não compreendido.

    Se o medieval lugar de Asmes veio a chamar-se Ermesinde, tudo leva a crer que uma Ermesenda ou Ermezinda, nome muito usado na alta Idade Média pela nobreza germânica do norte, contribuiu para isso e duma forma que se sobrepôs ao topónimo original talvez derivado do pequeno ribeiro de Asmes (existe outro, com o mesmo nome, que desagua no Rio Sousa, em Paredes). E houve logo duas damas seguidas, ligadas ao lugar, o que é relevante e não pode ser desligado do facto. Tanto poderia ser a da família da Maia, família dominante naquelas terras, como poderia ser a abadessa de Rio Tinto, quase contemporânea e talvez da mesma família. Ou então as duas, em cadeia, hipótese que eu adoptei.

    Se há Ermesinde, deve haver Ermesindas ou Ermesendas, pelo meio, é razoável, até que não se conhece outra terra com o mesmo nome. Sabe-se, contudo, que Ermesenda Gonçalves, da Maia viveu no séc. XI, nos reinados de Bermudo III de Leão, Fernando Magno e seu filho Afonso VI de Leão e Castela, portanto antes da fundação do reino de Portugal. Supõe-se que não casou e mulher daquela linhagem que não casasse, seguiria a vida devota ou monástica. Ou casava com um homem ou com Deus. E para casar com um ser espiritual, sem matéria, seria preservada num convento para que, numa natureza mais forte, a atracção pecaminosa da carne que Deus criou para a continuidade das espécies, fosse mais discreta e não viesse a manchar a honra da família que, naquele tempo, valia mais que a própria vida. Quanto a Ermesenda Guterres que viveu, logo a seguir, no Sc. XII, no tempo da D. Teresa e de D. Afonso Henriques e que tudo leva a crer fosse irmã de Gontinha Guterres, mulher de Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, está comprovado ter sido abadessa do Mosteiro de Rio Tinto, a quem o rei conquistador doou o Couto de Rio Tinto, em 1141. Não tenho, em meu poder, qualquer documento que mencione os termos do referido Couto, para verificar se o lugar de Asmes o integrava ou se era propriedade pessoal da abadessa ou de sua família. No entanto, presume-se que fosse.

    A outra finalidade da minha crónica era provocar a discussão sobre o tema, nos meios culturais, gente de cultura, instituições culturais locais ou até simples curiosos, como eu, que se interessem por coisas do passado, como já uma vez o tentei fazer. Ou até trazer à luz qualquer outra versão, para mim, desconhecida. Mas, tal como aconteceu com o meu texto D. Ermesenda de Ermesinde, mais uma vez não consegui os meus objectivos. Falhei redondamente. A reacção não podia ser mais nula. Não houve qualquer reacção. O meu trabalho foi apenas uma seca para muita gente o que é pouco aliciante. E isto passa-se em Ermesinde, a cidade mais directamente interessada em desvendar e tornar conhecida a história da sua origem que me parece ser simples mas interessante, remontando aos Scs. XI e XII, onde devotas, abadessas, próceres, bravos cavaleiros medievais, bispos, cruzados e monges nela terão lugar, estou certo.

    Por: Reinaldo Beça

     

     

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