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Edição de 31-10-2024
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    Arquivo: Edição de 31-01-2016

    SECÇÃO: História


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    A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL COMEÇOU HÁ CEM ANOS (14)

    Capelães de todo o país voluntariaram-se para assistir religiosamente os nossos combatentes de guerra

    Tomada a decisão de partir para a Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial, o Clero português propôs-se participar, através do envio de capelães, para fazer a assistência religiosa dos combatentes portugueses que, como se sabe, eram profundamente religiosos. Não foi fácil para o governo republicano, que primava pelo anticlericalismo, aceitar esta proposta. Mas a pressão do governo britânico, ao lado de quem entrámos no conflito parece ter sido determinante para a sua aquiescência, já em finais de 1916. Mesmo assim a lei abre a possibilidade de irem fazer o acompanhamento religioso dos nossos soldados, ministros de todas as confissões religiosas.

    Num tempo em que a maior parte dos homens recrutados precipitadamente para a Guerra era analfabeta, nunca tinha saído da terra onde nasceu, a escola frequentada era a da catequese e a ida ao domingo à Igreja, sendo a principal ocupação uma agricultura de subsistência, depressa se compreende que nesta fase difícil das suas vidas a presença de um sacerdote era indispensável. Ele para além de padre seria, certamente, um amigo, um bom conselheiro, um psicólogo! Alguém tinha de contribuir para a elevação do moral dos soldados, longe da terra, longe da família e muito perto da fome, desespero e da miséria.

    Até para o Estado esta perspetiva era positiva e deveria ter sido motivadora de estímulo para recrutar mais capelães. Os soldados alemães e os britânicos conscientes do importante papel que estes "diretores espirituais" poderiam ter nas suas tropas, recorreram a eles em grande número.

    Mas o governo republicano português não; aliás, dificultou ao máximo a sua participação. Foi o mais alto dignitário da Igreja em Portugal ao tempo, o Cardeal Patriarca, António Mendes Belo, que em nome do Clero português pediu ao Presidente da República que permitisse a incorporação de Capelães nas unidades militares que se estavam a preparar para seguir para a Guerra na Europa.

    Na sequência deste pedido, e também por pressão do Governo Britânico, os principais responsáveis portugueses (Presidente da República e Ministro da Guerra) acabaram por ceder.

    Surgiu assim o Decreto n.º 2942, datado de 18 de janeiro de 1917, que criava a Assistência Religiosa junto do Exército Português na Grande Guerra. Mas pelos artigos do mesmo, que se transcrevem a seguir, verifica-se a discriminação negativa, quase humilhação, com que eram tratados aqueles mentores espirituais. Eram equiparados a alferes, não tinham direito a qualquer remuneração paga pelo Estado, estavam sujeitos às leis e regulamentos militares e as cerimónias de culto que promovessem não podiam perturbar os serviços e a disciplina das tropas.

    O padre Luís Lopes de Melo deixou a Paróquia da Sé Velha de Coimbra para ir assistir religiosamente os nossos combatentes na 1ª Grande Guerra
    O padre Luís Lopes de Melo deixou a Paróquia da Sé Velha de Coimbra para ir assistir religiosamente os nossos combatentes na 1ª Grande Guerra
    O referido Decreto n.º 2942 referia, concretamente, o seguinte:

    "Artigo 1.º A assistência religiosa aos militares que a desejem e que façam parte de fôrças em operações de guerra, será dada por ministros portugueses das respectivas religiões:

    a) Que, na qualidade de militares ou equiparados, entrem na composição das fôrças em operações;

    b) Que se ofereçam para acompanhar essas fôrças;

    c) Que sejam antigos capelães militares.

    d) Art. 2.º Os generais comandantes das fôrças em operações de guerra permitirão que os ministros das diversas religiões que façam parte dessas fôrças dêem aos militares membros das suas comfissões e assistência religiosa que eles desejarem, contando que as manifestações do culto e as práticas cultuais não perturbem os serviços de campanha e a disciplina das tropas.

    § único. Os ministros das diversas religiões poderão transportar por conta do Estado as alfaias religiosas de que estritamente careçam para a assistência religiosa e práticas cultuais.

    Art. 3.º Os ministros não militares das diversas religiões que se ofereçam para acompanhar as fôrças em operações serão equiparados a alferes e como tais terão direito a transportes, alimentação e alojamento, não lhes sendo porém abonado qualquer vencimento por conta do Estado.

    (…)

    § 2.º (…) ficam para todos os efeitos sujeitos às leis e regulamentos militares, e as suas famílias adquirem direito à pensão de sangue, nos termos da legislação em vigor." Este Decreto foi assinado por Bernardino Machado, Presidente da República e Norton de Matos, Ministro da Guerra.

    O número de capelães portugueses foi sempre limitado tendo em consideração o efetivo militar mobilizado para a Guerra e isso ficou a dever-se claramente à desconfiança que os governantes republicanos tinham sobre o serviço prestado e a prestar pelos capelães com os combatentes portugueses, na Frente Ocidental. O seu contacto com os soldados era vigiado de perto pelo poder político português, como se pode depreender da seguinte ordem enviada aos "Serviços Postais de Campanha" relativamente a dois livros que os soldados estavam proibidos de receber por determinação do Ministro da Guerra, Norton de Matos.

    "Ordem Serviço SPM, nº 49, de 27 de Agosto de 1917,

    Por ordem de Sua Ex.ª o General [Tamagnini de Abreu], em virtude do determinado por sua Ex.ª o Ministro da Guerra, as forças que fazem parte do CEP não podem receber os seguintes livros: O livro do Soldado Português, pelo Padre José Lourenço de Mattos; O Manual do Soldado Português, adoptado pela Comissão Central de Assistência Religiosa em Campanha. Porque o primeiro contém doutrina contra as Instituições vigentes e à Constituição Política da República e o segundo porque o seu título quase indica que todos os soldados portugueses são católicos o que não é verdade. V.Ex.ª aprenderá e remeterá a esta secretaria [Quartel-general do CEP] todos os exemplares que aí dêem entrada." (FPC/EHS/CX1, Arquivo CEP - Serviço Postal de Campanha).

    Apesar de todos estes obstáculos, o Presidente da República, Bernardino Machado, e o Ministro da Guerra, assinaram em 30 de novembro de 1916 o Decreto 2869 que permitia, finalmente, aos comandantes das forças militares em operações militares, na 1.ª Grande Guerra, que incorporassem os "ministros portugueses das diversas religiões".

    O conteúdo deste Decreto é do seguinte teor:

    "Usando da autorização concedida ao Govêrno pela lei n.º 491, de 12 de Março de 1916, e tendo em consideração os princípios de liberdade de consciência, consignados nos n.os 4.º, 5.º e 7.º do artigo 3.º da Constituição Política da República Portuguesa: hei por bem, sob proposta do Ministro da Guerra, e ouvido o Conselho de Ministros, decretar o seguinte:

    Artigo 1.º Os generais comandantes das forças militares em operações de guerra permitirão que seja dada assistência religiosa aos militares, que assim o desejem, com intervenção de ministros portugueses das respectivas religiões.

    § único. As condições desta assistência serão fixadas em regulamento especial.

    Art. 2.º Ficam revogadas as disposições em contrário.

    O Ministro da Guerra assim o tenha entendido e faça executar. Paços do Govêrno da República, 30 de Novembro de 1916.- BERNARDINO MACHADO - José Mendes Ribeiro Norton de Matos".

    E os capelães portugueses tiveram um papel de grande destaque ao longo da Guerra. Voltaremos ao tema, na próxima edição.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

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