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    Arquivo: Edição de 16-05-2014

    SECÇÃO: História


    A “Revolução dos “Cravos” fez 40 anos

    Um pouco por todo o país, e ainda bem, foi festejado o 40º aniversário da última revolução portuguesa, que marcou, verdadeiramente, o início da democracia entre nós.

    Porque mesmo para quem não viveu o “25 de Abril” é importante que haja memória dessa data, aqui fica a História a assumir o seu papel de recordar os factos mais importantes. Recordemos, pois, o “antes” e o “depois” de Abril de 1974.

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    O “ANTES” DE ABRIL

    Gostava de recordar hoje aos mais velhos e informar os mais novos de alguns dos antecedentes que levaram ao sucesso político do movimento do 25 de Abril de 1974.

    Em primeiro lugar, é bom que se saiba que a oposição ao regime ditatorial português, embora tivesse havido dezenas de milhares de presos, exilados e desterrados, nunca foi completamente aniquilada pelas forças policiais portuguesas, houve muito frequentemente movimentos de tentativa revolucionária, mas também é facto que a polícia política revelou grande eficácia e por isso muitos movimentos “abortaram” antes de saírem à rua e foram totalmente encobertos em termos de comunicação social, pois a censura não estava interessada em que tais notícias se viessem a conhecer.

    Após o fim da 2ª Guerra Mundial – e não podemos esquecer que, em termos internacionais, a vitória aliada, em 1945, significou a derrota dos regimes totalitários (designadamente, do Nazismo e do Fascismo) – assistiu-se em Portugal a reivindicações de mudanças que jamais seriam satisfeitas. Pelo contrário, a polícia política (PIDE) aprimorou os seus métodos e tornou-se ainda mais eficaz na sua função de proteção da situação política vigente.

    No que respeita à oposição sistemática ao Salazarismo, os finais das décadas de 1940 e de 1950 foram de grande entusiasmo popular, sobretudo em dois momentos: nas candidaturas presidenciais de Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958), ainda mais na deste último que, como se sabe, teimou em ir até ao fim, afrontando todas as pressões sofridas para que fizesse o mesmo que Norton de Matos, desistisse. Não desistiu, acabaria oficialmente derrotado e, anos mais tarde, assassinado. Contudo, o seu exemplo e os motivos da sua luta permaneceriam vivos e atuantes.

    A década seguinte (1960) seria marcada pela Guerra Colonial que, desde 1961, começou a “lavrar” nas principais colónias portuguesas, Angola, Guiné e Moçambique. Os motivos da Guerra são óbvios, as populações locais pretendiam a independência, acompanhando a onda da descolonização do pós-Guerra. O governo salazarista não permitia qualquer tipo de negociação que visasse a perda de território. A guerra tornou-se iminente. Salazar mobilizou em pouco mais de uma década de guerra quase um milhão e meio de jovens, dos quais morreram pelo menos 9 mil, ficando feridos 30 mil.

    Entretanto, os portugueses emigraram em números que nunca tiveram paralelo na nossa história e a opinião pública internacional manifestou-se claramente contra a posição colonialista portuguesa.

    Com a década de 1970 e o impedimento físico de Salazar, sobreveio o período marcelista que prometeu mais do que fez. A guerra colonial manteve-se. Muitas das imposições sociais permaneceram, continuando a mulher na dependência do homem, pai ou irmão. A instrução não era importante para as raparigas que deveriam ser preparadas, apenas para a economia doméstica e para os cursos de costura.

    A crise petrolífera de 1973 e os seus efeitos inflacionários nas economias ocidentais, incluindo na portuguesa, também ajudaram a criar clima para a revolução de Abril de 1974. Mas foram sobretudo os militares que tinham mais razões de queixa: todos os dias viam a sua vida em risco, por uma causa perdida. Os militares que deveriam estar afastados da política.

    Não deixa de ser curioso que precisamente no dia em que já estava em marcha o movimento dos “Capitães de Abril”, no “Diário de Lisboa” (24-4-1974, página 11), saiam transcritas, com destaque, as palavras do Almirante Roboredo e Silva (um dos fundadores dos Fuzileiros), sob o título “Os militares e a política”, onde defende claramente a abstinência política dos militares (e logo ele que foi deputado à Assembleia Nacional, de 1969 a 1974, e presidente da Câmara da Beira, em Moçambique, e ainda Procurador à Câmara Corporativa): Às Forças Armadas compete a defesa da integridade nacional e a manutenção da ordem e da paz pública «não podendo, nem devendo, a meu ver, imiscuir-se na política».

    O “DEPOIS” DE ABRIL

    Este fim de semana de 25 de abril, a começar na 6ª feira, um pouco por todo o País, comemora-se o triunfo do Movimento das Forças Armadas, ocorrido há quatro dezenas de anos, mais precisamente no dia 25 de abril de 1974.

    Por ser verdadeiramente inesperado, e quase incrível (tantas tinham sido as intentonas revolucionárias derrotadas, tantos os milhares de cidadãos presos, torturados, e alguns mortos), ainda se tornou mais apreciado este movimento revolucionário que trouxe liberdade ao povo português e, com ela, os meios indispensáveis à qualidade de vida, que, pese embora a situação vivida nos últimos anos, é incomparavelmente melhor à que existia até àquela data. Só quem não viveu naquele tempo é que não consegue sentir as grandes diferenças de um regime autoritário e cruel para uma política que respeita os direitos fundamentais dos cidadãos.

    Na verdade, depois da agitação inicial do período revolucionário que se prolongou até pelo menos ao dia 25 de novembro de 1975, ganhou raízes, e ainda bem, a democracia política, a nível do poder central e do poder local, acabando de vez com todos os organismos da ditadura. A Constituição de 1976, ainda em vigor mas com grandes alterações, sobretudo no ano de 1982, foi a grande obra legislativa que marca o início de uma democracia consolidada, que alguns denominam de III República.

    Acabou a Guerra, extinguiu-se a Pide, reconheceu-se o direito de opinião e de reunião, terminou a Legião e a Mocidade Portuguesas, constituíram-se, livremente, partidos políticos e sindicatos, libertaram-se todos os presos políticos e prometeu-se tudo fazer para melhorar a vida do nosso povo, tão sofrido e vilipendiado.

    Tudo mudou. Até a forma de ensinar História se alterou: deixou de ser tão positivista, baseada na memória de dinastias e reis, para ser mais muito mais explicativa e estruturalista, na linha, aliás, das novas orientações da epistemologia da História por esse mundo fora.

    Há 40 anos estava em Coimbra, mas lembro-me muito bem da emoção coletiva que invadiu as ruas, nesse dia primaveril, em que, finalmente, se respirava um ar de liberdade que ninguém conhecia.

    Esta revolução protagonizada por aqueles que mais diretamente sofriam os efeitos da guerra, desencadeou necessariamente outras mudanças precisamente nesses territórios que até então eram dirigidos por Lisboa. A Guiné-Bissau (10 de setembro de 1974), Moçambique (25 de junho de 1975), Cabo Verde (5 de julho de 1975), S. Tomé e Príncipe (12 de julho de 1975), Angola (11 de novembro de 1975) e Timor-Leste (1º em 28 de novembro de 1975, e, finalmente, em 20 de maio de 2002) puderam aspirar a um futuro de paz e a uma vida independente dos desígnios colonialistas do distante país europeu. Mais tarde, Macau, num contexto completamente diferente, foi integrado na República Popular da China, embora viva numa situação de regime especial até ao fim de 2049. Até os Arquipélagos da Madeira e dos Açores, mantidos por razões óbvias no território português (é preciso lembrar, que os portugueses encontraram as ilhas desabitadas e foram os nossos antepassados os seus principais colonizadores) ganharam uma autonomia regional, que no tempo do “Estado Novo” seria impensável.

    É claro que não correu tudo bem; as convulsões do PREC assustaram quem as viveu, fazendo prever o desencadear, a qualquer momento, de uma guerra civil o que felizmente não sucedeu. E para a evitar, entre os partidários de um regime muito próximo das típicas “democracias populares” da Europa de Leste e aqueles que defendiam o modelo democrático ocidental, O 25 de Novembro de 1975, com a direta participação do General Ramalho Eanes, também ele um dos nomes ligados ao Movimento das Forças Armadas, foi determinante para construção de uma democracia pluralista à moda ocidental como hoje, efetivamente, temos.

    Houve indiscutíveis ganhos na educação, na emancipação da mulher, na saúde, nas vias e meios de comunicação e na justiça. Virámo-nos definitivamente para a Europa (adesão à CEE, em 1986) e para o Mundo (acabou-se o isolamento internacional; Portugal chegou a presidir à Assembleia Geral e até ao seu poderosíssimo Conselho de Segurança) e criaram-se novas formas de solidariedade institucional com o mundo português, com a fundação dos PALOP e da CPLP.

    Contudo, os últimos anos têm sido de grandes dificuldades para a generalidade dos portugueses, mormente para os que perderam o emprego e conhecem grandes dificuldades em sobreviver com dignidade. E enquanto isso acontecer, temos de nos insurgir contra quem nos governa e exigir que os ideais de Abril se cumpram em pleno, isto é, que todos os portugueses possam viver sem terem de recorrer à mendicidade.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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