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    Arquivo: Edição de 31-12-2019

    SECÇÃO: História


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    ACONTECEU HÁ UM SÉCULO (10)

    Bispos amigos do Presidente da República

    Implantada a República em Portugal, a Igreja Católica foi vítima da perseguição dos revolucionários republicanos que não perdoaram o carácter conservador da religião católica, sem dúvida a confissão religiosa mais arreigada na tradição popular portuguesa. Ao longo dos quase 16 anos de República foram muitas as situações de conflito entre os órgãos do poder do Estado e a Igreja Católica, tanto a nível nacional como local. Por isso, há cem anos, quando, no princípio de dezembro de 1919, o Presidente da República visitou Coimbra e o Bispo Conde da cidade esteve na receção, houve quem considerasse tal ato um escândalo. Outro Bispo considerado amigo do novo Presidente da República era o do Porto.

    Distantes mais de um século dos acontecimentos revolucionários republicanos, parece-nos que estes foram longe de mais na sua batalha contra a Igreja, apesar da enorme influência que a Igreja tinha, efetivamente, sobre as mentalidades, o que ia contra os objetivos revolucionários republicanos que pretendiam mexer significativamente nas estruturas vigentes. Mas a Igreja reagiu com coragem às primeiras investidas.

    Logo na véspera de Natal de 1910 foi distribuída uma pastoral coletiva do episcopado português onde denunciava a violência e o sectarismo anticatólico do novo regime.

    E no dia 23 de fevereiro de 1911, os Bispos tomaram posição, novamente em pastoral coletiva, contra o fim do juramento religioso, a expulsão das Congregações (devo lembrar que logo no dia 8 de outubro de 1910 foi decretada pelo Governo Provisório da República a expulsão de 359 jesuítas portugueses, 118 dos quais eram missionários que trabalhavam nas colónias portuguesas), a lei do divórcio e restantes medidas anticlericais postas em prática pela república.

    Afonso Costa, que exercia o importante cargo de Ministro da Justiça, proibiu a sua leitura nas Igrejas. A resistência a estas medidas estendeu-se a todo o país, nos anos de 1911 e 1912, levando o Governo a punir os prevaricadores com prisões e desterros para fora das respetivas dioceses.

    No dia 20 de abril de 1911 o Governo Provisório, ainda sem qualquer órgão que fiscalizasse a sua ação executiva, publicava a Lei de Separação das Igrejas do Estado, que logo no seu 1.º artigo, afirmava que a «A República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda estrangeiros que habitarem o território português».

    E o artigo 62.º da mesma lei declarava que «todas as catedrais, igrejas e capelas, bens imobiliários e mobiliários» são pertença e propriedade do Estado e, portanto, devem ser arrolados e inventariados.

    D. MANUEL LUIS COELHO DA SILVA E D. ANTÓNIO BARBOSA LEÃO AMIGOS

    DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

    REPORTAGEM DA VISITA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A COIMBRA (IN "ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA" DE 15 DE DEZEMBRO DE 1919, PÁGINAS CENTRAIS)
    REPORTAGEM DA VISITA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A COIMBRA (IN "ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA" DE 15 DE DEZEMBRO DE 1919, PÁGINAS CENTRAIS)
    É por tudo isto que a presença do Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva, na receção ao Presidente da República em Coimbra, nos dias 1 e 2 de dezembro de 1919, deixou escandalizados alguns eclesiásticos. Deve alertar-se o leitor, no entanto, para o facto deste mesmo Bispo ter participado em novembro do ano anterior, com o mesmo destaque mediático, na receção ao então Presidente da República, Sidónio Pais. Ora tanto este, como António José de Almeida, eram republicanos conservadores, muito diferentes daqueles republicanos mais radicais que afrontaram a Igreja Católica.

    A “Ilustração Portuguesa” de há cem anos (15-12-1919), donde extraímos a imagem que ilustra este artigo, traz a reportagem fotográfica dessa visita do Presidente da República a Coimbra, onde revela a razão de ser da mesma: «Sua Excelencia o sr. dr. Antonio José d’Almeida foi a Coimbra assistir á abertura das aulas da Universidade, sendo n’essa viagem acompanhado pelos srs. ministros da Instrução, Comercio e Trabalho, presidente do Senado e da Camara dos Deputados e por vários outros funcionários. A viagem foi verdadeiramente triunfal, sendo também uma verdadeira apoteose a chegada a Coimbra. O sr. Presidente aproveitou a ocasião para colocar na bandeira do glorioso regimento de infantaria n.º 23 as insígnias da Torre e Espada, insígnias bem merecidas pelo que de heroico nas planicies da Flandres fez um dos seus batalhões. (…)»

    O jornal “A Capital”, edições dos dias 2 e 3 de dezembro de 1919, é que dá destaque à questão política, com referências explícitas à presença do Bispo Conde de Coimbra: o 1.º (dia 2 de dezembro), sob o título “Viagem Presidencial / No seu regresso a Lisboa o chefe de Estado é alvo d’uma grande manifestação de carinho”: «O ultimo dia em Coimbra / Calorosas manifestações – o jantar de gala / Coimbra, 1 (…) Pelas 21 horas principiou o jantar de gala nos paços da municipalidade, ficando á direita do sr. presidente da Republica o general Correia Barreto e bispo conde (…). Findando o banquete proximo da 1 hora da madrugada. Brindaram os srs. reitor da Universidade, ministro da instrução, bispo conde, saudando o sr.presidente da Republica, em nome da egreja que representava, e por fim o chefe do Estado. / A partida de Coimbra – Manifestações no percurso / Coimbra, 2.– O comboio presidencial partiu da estação Nova ás 10 horas, encontrando-se os srs. bispo conde, governador civil, general da 5.ª divisão(…)».

    Em “A Capital”, do dia 3 de dezembro, com o título “O Gesto dum prelado / O Sr. Bispo de Coimbra na recepção do sr.presidente da Republica”, pode ler-se: «Causou agradavel impressão a atitude tomada em Coimbra pelo sr. Bispo Conde na recepção do sr. presidente da Republica. O sr. D. Manuel Coelho da Silva não só assistiu a essa recepção como, ele o confessou publicamente, sentiu-se feliz e contente em saudar mais uma vez o chefe de Estado e em assistir, sem constrangimento, a todas as manifestações que em Coimbra lhe haviam sido feitas.

    Esta atitude do Sr. Bispo de Coimbra não é nova. Já assim procedera para com o sr. dr. SidonioPaes, quando o ex-chefe de Estado ali foi em novembro de 1918.

    Simplesmente então os monarquicos acharam bem. Agora, ao que se lê nos jornaes acharam mal.

    Porquê? É que o sr. Bispo de Coimbra, dando o braço ao actual Bispo do Porto, são os unicos dois prelados que não só não hostilisam o regímen, mas, até sempre que podem, demonstram por ele as suas melhores simpatias».

    António Barbosa Leão, Bispo da Diocese do Porto, entre 1919 e 1929 (ano em que morreu), e Manuel Luís Coelho da Silva, Bispo da Diocese de Coimbra, desde 1915 até 1936 (ano em que morreu) têm em comum o facto de serem da mesma geração (um nasceu em 26 de março de 1859, o Bispo de Coimbra; o outro, o do Porto, nasceu cerca de um ano e meio mais tarde, 17 de outubro de 1860) e a menos de 15 Km um do outro: o Bispo do Porto nasceu em Parada de Todeia, no concelho de Paredes, e o Bispo de Coimbra nasceu na freguesia de Bustelo, no vizinho concelho de Penafiel. Ambos têm ligações próximas ao antigo Bispo do Porto, António Barroso, que tantos problemas teve com os governantes republicanos. António Barbosa Leão trabalhou até aos 20 anos numa oficina de ourives, no Porto e, antes de ser Bispo do Porto, foi Bispo de Angola e Congo (1906-1907) e Bispo do Algarve (1908-1919). Manuel Luís Coelho da Silva só foi Bispo de Coimbra; foi ele que em 1925, aceitou o futuro Padre Américo no Seminário de Coimbra, já que António Barbosa Leão havia recusado a admissão do mesmo no Seminário do Porto e que em 1928 ordenou Bispo o futuro Cardeal Cerejeira.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

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