Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 30-03-2009

    SECÇÃO: Psicologia


    foto
    A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE MENTAL

    O narcisismo

    Este é um espaço de reflexão e diálogo sobre temas do domínio da Psicologia, que procurarei dinamizar com regularidade, trazendo para aqui os principais problemas do foro psicológico que afectam pessoas de todas as idades.

    Na qualidade de psicóloga estou disponível para os leitores de “A Voz de Ermesinde” me poderem colocar as questões que desejarem ver esclarecidas, através de carta para a redacção deste quinzenário ou para o seguinte “e-mail”: [email protected]

    Há muito se afirma que vivemos sob o signo do narcisismo e temos assistido ao crescimento das patologias chamadas narcísicas.  

    O termo narcisismo provém da Mitologia Grega, que narra a história de Narciso, um jovem muito bonito que desprezou o amor da ninfa Eco e por isso foi condenado a apaixonar-se pela sua própria imagem, espelhada na água. Este amor impossível levou Narciso à morte, afogado no seu reflexo. O narcisismo, portanto, retrata a tendência do indivíduo de alimentar uma paixão por si mesmo. Segundo Freud, isso acontece, até certo ponto, com todos nós. Contudo, a partir de um certo limite, deixa de ser saudável e torna-se doentio, conforme os parâmetros psicológicos e psiquiátricos.

    Foi Havelock Ellis, em 1898, quem fez uma primeira alusão ao mito de Narciso, a propósito das mulheres cativadas pela sua imagem no espelho. Mas foi Paul Nacke que, em 1899, introduziu pela primeira vez o termo ‘narcisismo’ no campo da psiquiatria, para designar um estado de amor por si mesmo, que constituíria uma nova categoria de perversão.

    Freud já fazia uso do conceito de narcisismo antes do introduzir, em 1914, em Sobre o Narcisismo: uma introdução, onde o articula mais profundamente na teoria psicanalítica.  

    É, no entanto, somente em Sobre o Narcisismo: uma introdução, que o conceito de narcisismo é inserido no conjunto da teoria psicanalítica, do ponto de vista dos investimentos libidinais.

    Quando falamos de narcisismo estamos no campo das qualidades, dos valores: bondade e maldade, inteligência e mediocridade, valentia e covardia, melhor e pior, homem e mulher.  Em primeira instância quem estabelece que, para cada sujeito no início de sua vida, tal ser incipiente é possuidor de qualidades é a perspectiva de um outro, especialmente dos pais. O narcisismo, na sua dimensão primitiva, tem a ver com esse momento em que são instauradas no sujeito, através do olhar de terceiros, essas qualidades que o definem para os outros e para si mesmo. Isso tudo é o fundamental do narcisismo para cada um de nós.  

    É através desse investimento externo sobre o psiquismo que vai ser instaurado (no narcisismo primário) um estado precoce, em que a criança investe toda a sua libido em si mesma. Na melhor das possibilidades, então, constitui-se um campo de ilusão, o da ilusão narcísica: o pequeno sujeito vai passar não só a ser alimentado por uma imagem, ao mesmo tempo integrada e de perfeição, mas também vai poder, a partir daí, definir-se, identificar-se, reconhecer-se. Em última análise, é uma relação de amor consigo mesmo que surge e daqui para frente se transformará numa demanda: demanda de ser objecto do amor de um outro.

     Segundo Freud, os narcisistas incidem sobre si mesmos a escolha do objecto sexual, projectando sobre os seus parceiros, características que são próprias da sua personalidade, buscando neles pontos que coincidam com a sua forma de ser, para que possam amar estas pessoas como foram amados pelas mães. Noutra obra, Caso Schreber, Freud define o narcisismo como um processo inserido entre o auto-erotismo e o amor direccionado para um objecto externo. Noutros estudos, o pai da Psicanálise mostra o mecanismo narcísico como um encolhimento da libido ao âmbito do ego e demonstra como estes eventos mentais conduzem a outros distúrbios, como a megalomania e a crença no poder supremo do pensamento. Mas é no livro Sobre o Narcisismo: uma introdução que Freud investe directamente nas pesquisas sobre este tema, inclusive revelando que um equilíbrio entre o foco no ego e a libido direccionada para outro objecto sexual pode contribuir para que o sujeito desvie a sua energia psíquica de si mesmo, embora isto não ocorra completamente.“Aos poucos, as especulações teóricas de Freud transformaram-se em experiências clínicas, nas quais o psicanalista pôde entender mais profundamente os mecanismos do psiquismo humano, principalmente nos seus estágios iniciais. Estas observações influenciaram definitivamente outros autores, pertencentes às mais diversas escolas psicanalíticas. Nos estudos contemporâneos, aliam-se os mitos de Narciso e de Édipo – o personagem mítico que se apaixonou pela própria mãe –, propiciando um entendimento mais amplo do Narcisismo. Nos primeiros cinquenta anos dos estudos psicanalíticos, a teoria de Édipo foi fundamental, sendo destronada depois pela de Narciso. Nos nossos dias, com o desenvolvimento de escolas como a Psicologia do Self, de Heinz Khout, o narcisismo ganhou ainda mais destaque. Nesta corrente, porém, não é importante distinguir narcisismo primário ou secundário, mas sim normal ou doentio.

    Pois, por um lado, se há uma dimensão narcisista no desejar o amor dos objectos, no sentido de colocar o eu no lugar daquele que é amado, por outro lado, há também reconhecimento que o outro tem algo de valioso, desejável pelo eu.  Admitir que o eu não é completo, é abrir mão de parte do narcisismo para aceitar a incompletude. Assim, demandar amor, investimento do outro, é investir esse outro com algo que se deseja porque não se tem, é amar.

    Por: Joana Dias

     

    Outras Notícias

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].