Bibliopraia
Numa praia fluvial do centro do país tive a agradável surpresa de me deparar com um espaço dedicado ao livro – uma “Bibliopraia”. Ali, numa pequena construção amovível, para o período entre banhos, ou para quem não quer ir ao banho, ou ainda enquanto se espera pela conclusão da digestão, pode aproveitar-se para ler um livro ou um jornal.
Ora, num tempo em que a língua portuguesa é tão maltratada e em que os jovens se sentem mais atraídos pela comunicação digital, é importante reforçar o contacto com a língua, que utiliza como suporte o papel. E esta ideia é uma excelente forma de o fazer.
O mês de julho é também, entre nós, o da realização da Feira do Livro. E a propósito da língua portuguesa e da feira do livro, vem-nos à memória um dos nomes mais importantes da língua portuguesa, Luís de Camões, nascido há 500 anos.
Apesar da sua reconhecida proeminência literária, sobretudo em verso, não se sabe ao certo nem onde, nem a data exata em que nasceu, sendo mais precisa a localidade e data do seu falecimento: Lisboa, 10 de junho de 1580. Lisboa, Santarém, Coimbra, Chaves e Alenquer são algumas das terras que reivindicam ter-lhe servido de berço, em 1524. Mas o mais importante não é o “onde”, nem o “quando” nasceu, mas sim a obra literária que nos deixou. E aqui “Os Lusíadas” assumem particular relevância.
Com origem na pequena nobreza (filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo), Luís de Camões teve acesso a um nível de instrução elevado, em parte recomendado e garantido pelo tio paterno, D. Bento de Camões, que foi Cónego da Igreja de Santa Cruz de Coimbra.
Como português do século XVI, e em virtude de alguns problemas e conflitos em que se envolvia frequentemente, peregrinou pelo mundo português, desde Ceuta (onde dizem ter perdido a vista direita em luta armada contra os muçulmanos) a Macau, passando pelo Cabo das Tormentas, Moçambique, Golfo Pérsico, Índia e Malaca. Conheceu os mesmos mares e terras por onde, décadas antes, havia navegado Vasco da Gama.
A descoberta do caminho marítimo para a Índia é o foco principal da sua narrativa, não faltando episódios histórico-simbólicos dos primeiros 4 séculos da história de Portugal, como a Batalha de Ourique, os amores de Inês de Castro, a Batalha de Aljubarrota, o Velho do Restelo, o Adamastor, passando pelos vários obstáculos que o ainda jovem Vasco da Gama teve de superar para atingir Calecute (na Índia), onde as relações com o Samorim também não foram nada fáceis.
Os últimos anos de vida de Luís de Camões foram amargurados pelo facto de assistir ao grave problema de sucessão de D. Sebastião, antevendo-se já nos últimos meses de vida, a passagem, por morte do Cardeal-Rei D. Henrique a 31 de janeiro de 1580, da coroa portuguesa para Filipe II, de Espanha.
Foi, por isso, que “Os Lusíadas” se tornaram o livro de cabeceira dos verdadeiros portugueses que nunca mataram o desejo de completa autonomia relativamente ao poderoso estado vizinho. A lembrança da obra e do seu nome foram sempre fermento de legitimação da cultura e da independência portuguesas.
Perceberam-no bem os republicanos de 1880 ao celebrarem festivamente o 3.º centenário da morte de Camões, por iniciativa de Teófilo de Braga (que se tornaria o 1.º homem forte do governo republicano após o 5 de Outubro de 1910), que granjearam grande simpatia na opinião pública portuguesa, pelo início de uma espécie de culto aos grandes portugueses. Seria precisamente no período da Primeira República que o 10 de junho se tornaria feriado nacional, pelo decreto publicado no dia 29 de agosto de 1919. Continuou a ser feriado nacional no período das ditaduras (Militar e Estado Novo). E, desde a Revolução do 25 de Abril de 1974, vem sendo celebrado como o “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”.
Por:
Manuel Augusto Dias
|