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    Arquivo: Edição de 31-05-2019

    SECÇÃO: Direito


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    Enquadramento jurídico dos crimes de natureza sexual - (2.ª parte)

    A matéria relacionada com as medidas de coação aplicáveis ao crime em referência foi também objeto de diversas propostas de alteração.

    O PS propôs a proibição de contacto com a vítima por parte do agente, nos termos do art. 200.º, nº 1, al. d) do Código de Processo Penal, em casos de crime de ameaça, coação e perseguição, art.s 153.º, 154.º e 154.º-A do C.P., respetivamente, enquanto que as propostas do PSD e CDS-PP restringiram esse alargamento a este último tipo legal de crime.

    As medidas de coação, consagradas nos art.s 191.º e ss. do C.P.P., são institutos de natureza cautelar, aplicadas nos casos em que se afigure urgente a salvaguarda de determinados direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

    A verdade é que, por vezes, é necessária a imposição (Ex.: obrigação de apresentação periódica – art. 198.º do C.P.P.) ou proibição (Ex.: Suspensão de exercício de profissão – art. 199.º do C.P.P.) de determinados comportamentos ao arguido, no decurso do processo judicial, de modo a evitar a sua fuga, a destruição de provas ou a continuidade da prática de atividade criminosa, que coloque a vítima ou outros indivíduos em perigo.

    Contudo, tais medidas só podem ser adotadas mediante a prévia audição do arguido, uma vez que colidem frontalmente quer com o seu direito à liberdade, quer com a presunção da sua inocência até ao trânsito em julgado da sentença (princípio basilar do Direito Penal português).

    Além do mais, a medida a aplicar ao arguido tem de ser proporcional ao crime que àquele está a ser imputado. Deve verificar-se uma relação entre a natureza dos bens jurídicos que a medida de coação e o tipo legal de crime, respetivamente, visam proteger. Ora, se está em causa um crime praticado contra pessoa, não parece adequado aplicar uma medida que proteja um bem jurídico de caráter patrimonial, como, por exemplo, a obrigação de o arguido prestar uma caução, nos termos do art. 197.º do C.P.P..

    Devem sublinhar-se algumas diferenças relevantes para o assunto, entre os crimes de ameaça, coação e perseguição.

    Primeiramente, este último crime exige a prática reiterada de comportamentos adequados a provocar medo na vítima. Já os crimes de ameaça e de coação consideram-se consumados com a prática de uma única conduta censurável.

    Acresce que o crime de ameaça não abrange condutas praticadas com recurso à violência, contrariamente ao de coação. Logicamente, é mais grave a efetiva ofensa à integridade física do que a sua “mera” ameaça.

    Também os crimes de perseguição, porque pressupõem a prática reiterada de comportamentos censuráveis, e de coação, porque o agente influencia, ainda que indiretamente, a autodeterminação da vítima, são crimes que se fundam numa ofensa mais intensa da liberdade pessoal.

    Deste modo, afigura-se pertinente permitir que o tribunal aplique a medida de proibição de contactar a vítima, por parte do agente, no contexto de um crime de coação ou de perseguição, face à iminência da prática de um crime mais gravoso.

    De qualquer modo, ainda que a aplicação de medida de coação não seja obrigatória nem opere automaticamente, tem fortes repercussões no dito princípio da presunção de inocência, facilitando o prévio juízo condenatório do arguido. No entanto, a eventual aplicação duma medida de natureza cautelar jamais deve influenciar a decisão final da causa.

    Por outro lado, o PSD propôs, ainda, a proibição da suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do C.P.P., e da recusa de depoimento por parte da vítima, nos crimes de violência doméstica.

    O instituto do art. 281.º do C.P.P. caracteriza-se pela possibilidade de, ainda que recolhidos indícios suficientes da prática do crime, e preenchidos que estejam os requisitos legalmente exigíveis, o Ministério Público suspender o processo, com imposição de regras de conduta ao arguido.

    A suspensão do processo é determinada antes da fase de julgamento e aplica-se apenas a crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos ou pena de multa.

    Contudo, para os crimes de violência doméstica, o legislador abdica da verificação de todos os requisitos legais, exigindo apenas, nos termos do nº 7 do art. 281.º do C.P.P, a concordância do arguido e a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza. Esta exceção deve-se à natureza pública daquele tipo legal. Os crimes públicos são os crimes cuja abertura de inquérito, bem como a posterior acusação pelo Ministério Público, não dependem de apresentação de queixa nem de acusação particular. Na sequência de uma denúncia de crime público, o MP é obrigado a investigar e acusar, caso sejam recolhidos fortes indícios de que aquele suspeito praticou aquele crime.

    Por: José Puig*

    *Advogado

     

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