Justiça (2.ª parte)
A respeito dos recursos humanos e materiais, ninguém dotado de bom senso sustentará um aumento significativo dos meios disponíveis, ora porque a conjuntura económica não é a mais favorável ora porque nos encontramos na média, quiçá até um pouco acima, dos países desenvolvidos, em termos de gastos no setor da Justiça por habitante ou mesmo por utente.
Temos, no entanto, de combater desperdícios com que nos deparamos mais vezes que o desejável.
Temos no nosso Concelho um bom exemplo. Depois de anos e anos num edifício de condições terceiro-mundistas, finalmente um Tribunal com dignidade e condições adequadas a profissionais do setor e cidadãos.
Por um lado, a opção por uma parceria público-privada cujas condições contratuais e correspondentes encargos, fixos e duradouros, para o erário público nos fazem, no mínimo, franzir o sobrolho.
Depois, como se não bastasse, uma simples alteração da Organização do Sistema Judiciário torna o mesmo Tribunal claramente sobredimensionado relativamente às suas novas competências.
Em suma, decisões políticas de vistas curtas, determinadas por ciclos eleitorais, interesses corporativos e por desconhecimento da realidade nacional, de dirigentes confortavelmente instalados num gabinete da capital.
Por outro lado, movem-se no setor corporações muito fortes, com os seus interesses particulares, naturalmente legítimos mas nem sempre coincidentes com o interesse geral e que poderes públicos fracos como temos há décadas receiam e evitam confrontar.
Melhor gestão e mais corajosa, cujos horizontes sejam mais largos que um mero ciclo eleitoral, é essencialmente do que necessita a Justiça Portuguesa!
Não carecemos, de igual modo, de governantes que pretendam deixar o nome associado a novos Códigos, quantas vezes de fraca ou, pelo menos, duvidosa qualidade, mas da verdadeira sabedoria dos que só se propõem mudar um regime jurídico depois de se sentirem seguros de que o actual não serve e é socialmente nocivo.
Nalguns regimes, como o laboral e o do arrendamento, as mudanças são bruscas, muitas vezes parcelares e descuidadas, em prejuízo dum ordenamento coerente e sólido, que, este sim, tornaria as sentenças judiciais mais céleres, justas, compreensíveis e pacificadoras do tecido social.
Permitam-me que termine com uma referência às críticas que alguns setores da classe política têm recentemente dirigido ao Ministério Público, a propósito de casos mediáticos.
É claramente percetível que, desde que foi empossada, a atual Procuradora Geral da República impulsionou o Ministério Público no sentido duma efetiva investigação criminal dos ilícitos denunciados ou conhecidos das autoridades, sem olhar a nomes ou poderes visados, exercendo as suas competências legais de forma independente, sem influência do Poder Executivo ou dos habituais "senadores da política partidária".
Naturalmente, alguns dos visados, habituados a uma impunidade própria dos poderosos que tinham como intocável e inatacável, reagiram com a maior agressividade, quantas vezes numa bem urdida estratégia de manifesta vitimização.
Ora, é bom que se diga que a arrogância de alguns dos poderosos envolvidos com a Justiça é bem ilustrativa dos seus efetivos desígnios e personalidade.
É se é certo que algumas fragilidades do Ministério Público são reais e de todos os agentes da Justiça há muito conhecidas, não o é menos que jamais mereceram dos agora visados um gesto ou uma simples palavra de denúncia.
Desde logo, várias investigações criminais prolongam-se por anos e anos, sem qualquer sinal que permita aos cidadãos entender o fio do inquérito, como há bem pouco tempo sublinhava o Presidente da República.
Por outro lado, é muitas vezes notória uma excessiva delegação em órgãos de polícia criminal de diversos atos e diligências de inquérito, em certos casos da quase totalidade do inquérito em que a própria acusação se limita a reproduzir o relatório policial, o que, sem prejuízo de eventuais ganhos de eficácia e celeridade, se afigura menos compatível com a verdadeira natureza do nosso processo penal.
Creio que hoje vamos todos despertando, principalmente as gerações mais jovens, para a corrupção generalizada como uma causa, efetiva e decisiva, do nosso permanente atraso e debilidades económico-financeiras.
E a este respeito devemos exigir mais do Ministério Público, da investigação criminal.
Que careça de mais e melhores meios, não coloco em causa. Mas também duma maior e mais generalizada sensibilidade para o combate e prevenção da corrupção, designadamente da de grandes dimensões e valores, duma maior disponibilidade para um combate feroz a este triste constrangimento lusitano.
Doutro modo, é mais uma geração que deixamos condenada ao atraso e à nossa antiga, bem implantada e mesquinha pequenez.
Por: José Puig*
*Advogado
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