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    Arquivo: Edição de 15-04-2014

    SECÇÃO: Opinião


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    Atribuir consequências à abstenção, votos nulos e brancos

    Rui Rio reiterou o seu entendimento de que o número de deputados da Assembleia da República deveria corresponder aos votos efetivos dos eleitores, abatendo ao número atual de 230 os correspondentes à abstenção, aos votos nulos e aos votos em branco. Dito de outra maneira e como ele gosta, criar cadeiras vazias no Parlamento.

    Naturalmente que esta proposta é imediata e vigorosamente rejeitada pelos partidos políticos para quem o “statu quo” é que é bom, porque qualquer que seja o número de votos validamente expressos, o número de eleitos não sofre qualquer alteração e as subvenções recebidas do Orçamento do Estado também não são globalmente afetadas por qualquer redução em resultado do número de votos recolhidos.

    Assim sendo, este interesse partidário não poderá, jamais, acolher as vozes que repetidamente ecoam de que os partidos devem regenerar-se e que a vontade dos eleitores deve ter tradução no funcionamento das instituições democráticas. Caso contrário, uma das soluções adequadas seria adotar a proposta de Rui Rio que, quando vier a ser acolhida, dará conteúdo à expressão usada e abusada de que o eleitorado expressa a sua satisfação ou desagrado através do voto. Atualmente, quer se abstenha, vote em branco ou inutilize o seu voto, não haverá qualquer consequência para os partidos concorrentes, principalmente para os que habitualmente têm representação parlamentar.

    Com efeito, com a legislação em vigor, mesmo que no final do último ato eleitoral ocorrido em 2011, dos 9 624 133 eleitores constantes dos cadernos, apenas cerca de 500 000 expressassem o seu voto (válido, nulo ou em branco), teríamos uma Assembleia da República exatamente idêntica à que temos: 230 deputados, uma mesa composta por um presidente efetivo e quatro suplentes, quatro secretários e outros tantos “à chamada”. E, assim sendo, cabe perguntar: onde está refletido o descontentamento dos cidadãos?

    Decorre do exposto que, se quando o número de deputados foi estabelecido, o universo dos eleitores fosse metade dos 9,5 milhões, certamente que ninguém se atreveria a avançar com o exagerado número de 230. Há, pois, na defesa da democracia, que rapidamente se proceda à atualização desta representação, para que o funcionamento deste importante órgão de soberania seja adequado ao universo de quem quer ser representado, para que os partidos tenham interesse na mobilização do eleitorado disponibilizando-lhe candidatos de elevada craveira profissional e política, acima de quaisquer suspeitas de corrupção, compadrio ou dependência de lobbies estranhos à coisa pública.

    Imaginemos por instantes o que teria acontecido nas últimas eleições legislativas se previamente a legislação tivesse sido alterada, considerando os seguintes dados de partida: eleitores inscritos, 9 624 133; deputados elegíveis no limite máximo, 230; votos expressos, 5 588 594; votos brancos, 148 378; votos nulos, 79 995; abstenção de 4 035 539 eleitores; e abstenção máxima, não considerada para efeitos de redução de eleitos, 15%;

    Com estas premissas obteríamos um total de votos úteis para efeitos de cálculo de deputados a eleger da ordem dos 70,7% do universo dos eleitores inscritos, mais concretamente 6 803 841 que por sua vez, incidindo sobre os 230, daria um Parlamento de 163 deputados, distribuídos pelos partidos concorrentes, segundo o método Hondt.

    Consequências: respeito pelo voto dos eleitores, reforço do “músculo” da democracia, um Parlamento mais ajustado às necessidades, redução substancial dos custos de funcionamento da Assembleia da República, diminuição das subvenções pagas aos partidos em função do número de deputados eleitos, interesse dos partidos em escolher candidatos que mobilizem o eleitorado, etc., etc..

    Nesta altura estarão os caros leitores de “A Voz de Ermesinde” a perguntar: e como é que se sai desta quadratura do círculo? Não sei, porque se soubesse já o problema estava há muito resolvido. Mas equaciono duas hipóteses: uma é Rui Rio e António Costa conseguirem a liderança dos respetivos partidos em simultâneo e prestarem um inestimável serviço patriótico a Portugal, aos portugueses e ao regime, libertando a democracia dos nós cegos em que a meteram, alterando a Constituição e reformulando a legislação que regula o funcionamento das instituições, para que a vontade do povo seja por elas observada; a outra, mais gravosa e indesejada, é qualquer dia um general ou capitão sair de Braga ou manifestar-se em Lisboa e tudo começar de novo.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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