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    Arquivo: Edição de 28-02-2013

    SECÇÃO: Património


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    A delimitação de Alfena com Folgosa e São Pedro Fins – 1689 (2)

    Em complemento da crónica publicada no número anterior (da autoria de Ricardo Ribeiro, presidente da Direção da AL HENNA - Associação para a Defesa do Património de Alfena, sobre o mesmo tema), vamos agora tentar, em linguagem mais simples e acessível – assim o esperamos –, fazer como que a "tradução" abreviada do Português arcaico do séc. XVII, tal como se encontra no Tombo da Igreja de S. Vicente de Alfena, do Colégio do Carmo da Universidade de Coimbra.

    Em 25 de junho de 1689, no lugar de Saínhas, no exato local onde se encontram três freguesias, Alfena (Lugar da Ferraria), Folgosa (Lugar de Vilar de Luz) e Água Longa (Lugar da Póvoa) e, simultaneamente, na atualidade, três concelhos, Valongo, Maia e Santo Tirso, compareceram as entidades designadas para executar a delimitação da freguesia de Alfena com a de Folgosa, dando, assim, início ao cumprimento da Provisão Real do Príncipe Regente D. Pedro, futuro Rei D. Pedro II, a solicitação do Reitor do referido Colégio do Carmo, detentor do direito de Padroado sobre a Igreja de Alfena.

    A presidir ao ato, o Juiz Desembargador Doutor Cristóvão Alão de Morais; como representante de Folgosa, o seu Reverendo Abade Pedro da Afonseca Coutinho; o Procurador do Colégio, Manuel de Paiva Barro; os Louvados Francisco da Costa e João Afonso; e ainda, o Escrivão, Manuel de Sousa Barbosa, mais o respetivo Porteiro (Pregoeiro).

    E, aí, por mandado do Juiz, com a concordância dos demais, representantes e louvados, foi levantado o primeiro marco, um esteio de granito «o coal marco tem humas letras que dizem Carmo», ao mesmo tempo que ordenava ao "Porteiro" que lançasse o pregão que nenhuma pessoa, sob pena da Lei, «quatro anos de degredo para as partes de África e cem mil Reis para as despesas da Repartição», arrancasse o dito marco.,Este marco continua no mesmo local onde há mais de três séculos foi implantado, embora desgastado pelas intempéries, pelos agentes naturais e, talvez, vítima de algumas agressões de humanos, visto que se encontra no bordo de um velho caminho, outrora muito frequentado por veículos de tração animal, mas a verdade é que, ainda hoje, são bem visíveis algumas das letras que compõem a palavra CARMO.

    A seu lado, a uma distância de dois a três metros, encontra-se um outro marco, um perfeito prisma regular de base quadrada, também em granito, tendo inscritos nas faces laterais voltada para cada freguesia, o nome desta bem como o do Concelho a que pertence. Terá sido colocado em finais do Séc. XIX, ou já no Séc. XX, como muitos outros; depois que Alfena deixou de pertencer ao Concelho da Maia e passou a integrar o novo Concelho de Valongo, os limites de Alfena com Folgosa e S. Pedro Fins passaram a ser também os limites dos referidos Concelhos.

    Muitos outros marcos desapareceram ao longo dos tempos, por ignorância, ou por incúria, vítimas da brutalidade dos buldózeres e das escavadoras, no alargamento e melhoria de velhos caminhos, mais recentemente, na plantação de eucaliptos, ou, simplesmente, aproveitados como ombreiras de cancelas de campos ou bouças, para defesa dos gados alheios, nos tempos da pastorícia dos gados que todos tinham, miúdos ou graúdos. Outros, porventura, servindo de lintel sobre modestas entradas de velhos pardieiros onde se guardava o pão ou se recolhiam os animais.

    Um pequeno parêntesis para daqui lançarmos um apelo às entidades responsáveis, Câmara Municipal e Junta de Freguesia, por este Património, desconhecido e ao abandono, que é urgente proteger e divulgar.

    ERRADO
    ERRADO
    Voltemos à divisão de Alfena com Folgosa.

    O segundo marco foi colocado a 573 varas, aproximadamente 630 metros (1 vara = 1,10 metros), do primeiro, junto à estrada de Vila do Conde, na margem direita do ribeiro da Junqueira, o terceiro a 237 varas (260 metros) mais para o poente, o quarto no sopé da serra, 201 varas (221 metros) sempre para poente, deste pelo Regueirão da Serra dos Vales, sempre para poente até ao cimo, onde foi colocado o quinto marco, a 303 varas (334 metros) do anterior. Uma pequena nota para explicar de que Regueirão se trata.

    CORRETO
    CORRETO
    Muitos leitores conhecerão, decerto, uma antiga fonte, atualmente desativada enquanto tal, mas ainda hoje existente, situada à margem da Estrada Nacional 105-2, do lado direito de quem sobe do cruzamento da Camposa para S. Miguel-o-Anjo, sensivelmente a meio caminho, onde antigamente os viajantes paravam para beber e descansar, o que ainda hoje sucede, já que entre a estrada e a fonte há espaço suficiente para parquear várias viaturas.

    O Regueirão mais não é que a linha de água que desce a encosta, no sentido de poente para nascente, que aí atravessa a estrada em aqueduto subterrâneo, até se juntar ao ribeiro da Junqueira algumas centenas de metros para nascente.

    Assim, embora de um modo aproximado e menos rigoroso, tomando como referência uma linha definida pelo marco implantado na Estrada de Vila do Conde (atual EN 318), sobre a margem direita do ribeiro da Junqueira e a fonte situada na EN 105-2, a meio caminho entre o cruzamento da Camposa e o cimo, junto a S. Miguel-o-Anjo, podemos dizer que, para norte desta linha é território de Folgosa, e para sul da mesma é território alfenense.

    Do quinto marco, situado no cimo da serra, agora em direção ao sul, sempre pela cumeada até onde termina a divisão com Folgosa e começa a divisão com S. Pedro de Fins. Aqui chegados, mandou o Juiz apregoar a Abadessa do Convento de S. Bento da Avé-Maria, a quem pertenciam os respetivos dízimos, que não compareceu nem enviou Procurador. Assim, após o segundo pregão, ordenou o Juiz que a divisão e medição se fizessem à sua revelia, não sendo necessário o levantamento de marcos dada a recente demarcação desta Freguesia (São Pedro Fins). A distância do anterior ao marco existente é de 236 varas (260 metros). A divisão com a mesma de S. Pedro Fins prosseguiu, sempre para Sul, até ao meio da capela de S. Miguel-o-Anjo, cuja distância ao Marco anterior é de 92 varas ( 101 metros ).

    A divisão continuou, sempre em direção ao sul, até onde começa a freguesia de Santa Cristina de Folgosa, do marco que aí se encontra, também da recente demarcação de S. Pedro de Fins, ao anterior, junto à Capela, vão 342,5 varas (377 metros).

    Assim, a fronteira de Alfena com S. Pedro de Fins tem uma extensão de 478 metros, número que convém reter, como adiante se verá.

    Continuou a divisão com a "Freguesia de Santa Cristina de Folgosa", agora com apoio nos marcos, anteriores à presente delimitação, da Comenda de Águas Santas, com a Cruz de Malta esculpida em baixo relevo – a Comenda de Águas Santas pertencia à Ordem do Hospital - (ver foto em anexo), senhoria das terras dos lugares alfenenses confinantes com Santa Cristina (o Lugar de Baguim), terminando no marco da mesma Comenda, situado na Agra de Monforte, limite de Santa Cristina de Folgosa com S. Lourenço de Asmes (Ermesinde), como também o atestam as Inquirições do “Bolonhês” de 1258.

    De tudo que atrás se descreve, resulta, sem quaisquer dúvidas, que a atual Freguesia de Folgosa, constituída pelas freguesias medievais de S. Salvador de Felgosa e Santa Cristina de Vale Coronado, esta extinta no séc. XVI e integrada na primeira, não tem continuidade territorial, entre ambas situa-se o lugar de Arcos, pertencente à também medieval Sanfins de Coronado, atual freguesia de S. Pedro de Fins.

    Porém, como não há limites para a imaginação, sobretudo em pessoas historicamente menos informadas, há quem defenda que a continuidade territorial da Freguesia de Folgosa existe através de uma estreita faixa de terreno, ligando o Lugar da Camposa a Santa Cristina, havendo, inclusivamente, um mapa bastante divulgado em certos meios maiatos de suporte gráfico a tal pretensão.

    Ora, como atrás recordamos, Alfena confronta com S. Pedro de Fins numa extensão de 478 metros, ou seja, entre Folgosa (Lugar da Camposa) e Folgosa (Santa Cristina) não há só o lugar de Arcos, de S. Pedro de Fins, há também quase 0,5 Km de território alfenense que os separa.

    De resto, há longos anos que assim é.

    Vejamos, ainda, um diploma da Chancelaria de D. Dinis, do ano de 1312, que outorga uma carta de Foro a um casal na Ferraria, da Freguesia de S. Vicente de Queimadela (atual Alfena), termo da Maia:

    «D. Dinis pela graça de Deus Rei de Portugal e do Algarve. A quantos esta carta virem faço saber que eu dou e outorgo e aforo, para todo o sempre, a Domingos Peres, morador em Alfena, e a sua mulher e a todos seus sucessores, um meu casal regalengo que é em seu termo e que parte da Ferida do Malho directamente ao Penedo, e, desde aí, como vai directamente ao rio da Ganza, e, desde aí, à pedra sobreposta do vale de Martim, e, desde aí, PELA ESPIGA DO MONTE DE S: MIGUEL; e, desde aí, directamente ao rio Leça, pela veia da água».

    O casal regalengo sito no Lugar da Ferraria tinha como limite a poente a "espiga", ou seja, a linha de cumeada do monte de S. Miguel, disse-o D. Dinis, vai para 700 anos.

    Palavra de Rei.

    Por: Arnaldo Mamede (*)

    (*) Membro da AL HENNA – Associação para a Defesa do Património de Alfena.

     

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