O Homo economicus
Na sua caminhada através da Europa, o “homo neanderthalensis” ou de Neandertal, chegou à Península Ibérica há cerca de 200 000 anos e, no seu extremo ocidental, não podendo prosseguir, devido ao grande oceano que encontrou pela frente, aqui ficou, ocupando, para sua habitação, todas as cavernas disponíveis que encontrou na orla marítima.
Nos meios científicos de Antropologia e Arqueologia, ficou a dúvida se aquele antropóide primitivo cá permaneceu na sua pureza ou foi extinto na competição com o Homo Sapiens de Cro-Magnon que também aqui arribou há cerca de 40 000 anos ou então cruzou-se com este, dando origem à base da raça ibérica ou hispânica.
Esta última hipótese de cruzamento genético parece ser a mais provável e credível, dado o número de espécies neandertalenses que ainda se detetam com frequência, no dia a dia, tanto no seu estado puro como mesclados de sapiens. Penso até que essa espécie de homem pré-histórico seja o antepassado mais próximo do actual Homo economicus ibericus, a nova espécie que mesmo considerada racional, se endivida irracionalmente, até cair na teia da banca que só o larga quando não houver mais que sugar
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De facto, o Homo economicus ibericus, dentro dos novos conceitos de Economia, é um agente racional dotado de preferências e capaz de classificar diferentes cabazes de bens. É precisamente isto que o torna diferente do Homem de Neandertal, sabe classificar cabazes de compras e escolher a combinação de bens que maximizam a sua consolação ou satisfação, podendo atingir a felicidade total ou o êxtase consumista se o seu rendimento tiver a elasticidade suficiente para lhe permitir consumir tudo o que lhe der na gana. E é precisamente essa overdose de consumo que o poderá levar à irracionalidade de cair no endividamento à banca, não resistindo ao apelo, aliás irrecusável, das promoções e dos banqueiros que o incitam com o slogan “leve agora e pague depois”. Para o “Homo economicus” da nova vaga consumista, semelhante apelo é irresistível mas também corre o risco de perder tudo aquilo que fazia a sua felicidade suprema: a vivenda com piscina e o pó-pó de grande cavalaria que fazia a inveja dos vizinhos e dos amigos, para além de inúmeras inutilidades.
E a culpa é sempre do vizinho ou do amigo que compram tudo o que ele não pode comprar e isso é muito difícil de engolir. Daí, o “Homo economicus” deixar de ser racional e continuar a fiar-se nas facilidades muito interessantes e atrativas dos banqueiros e vendedores que lhe dizem para comprar agora, ir de carro novo para férias e só começará a pagar no Natal. Impossível resistir, e o endividamento volta quando regressa de férias e lá vai o carro juntamente com o emprego e o resto dos bens que possuía. Mas gozou e foi feliz.
Atualmente, no “Economicus Mundi” em que vivemos felizes no Ocidente, a Economia de Endividamento passou a substituir a de Mercado e o “Homo economicus ibericus” já não é dotado de preferências, nem capacidade tem para escolher e classificar cabazes de bens de conformidade com a sua elasticidade financeira, consome tudo o que couber no carrinho das compras. E quando há descontos irresistíveis de 50%, os genes neanderthalescus dos seus antepassados que ainda perduram latentes nas moléculas da sua célula biológica, saltam cá para fora com tal violência, que o parceiro das compras, ao lado, correrá grande risco se açambarcar algum bem que ele pretenda também para si. E haverá grandes sarilhos, de certeza, naquele ambiente de grande competitividade, quando a concorrência, sem regras nem limites, prevista numa economia de mercado neoliberal, se transforma numa guerra e os primitivos instintos de preservação e continuidade da espécie, em estado latente desde os primórdios tempos dos hominídeos, voltam a entrar em ação como na pré-história e a cacetada começa com garrafas de ketchup e latas de conserva pelo ar e assaltos aos carrinhos de compras dos açambarcadores que transportam, apressados, olhando para trás, o que já está esgotado. No meio desta barafunda consumista nem o laissez-faire dos fisiocratas nem a intervenção da Natureza auto-reguladora dos liberais de há 200 anos, como Adam Smith e Stuart Mill, regularizarão semelhante balbúrdia dos mercados.
É isto que nos espera e talvez acabe, num grave conflito de grandes proporções, esta experiência anacrónica de livre concorrência sem limites, de mercados auto-regulados pela flexibilidade dos preços e sem qualquer intervenção estatal, mas antes desregulados pela ganância de muitos especuladores, experiência essa que está a levar os combustíveis a uma escandalosa inflação diária jamais vista. E a célebre Economia de Mercado, que diziam trazer riqueza e prosperidade aos povos, está a dar lugar a uma Economia de Endividamento de muitos países, graças aos “multiplicadores da despesa pública” que os desgraçaram durante anos e se puseram a andar, vivendo agora à grande e à francesa sem prestarem contas. E tudo isto numa Europa desempregada, que atravessa uma grave crise económica e que troca o avançado e pacificador Estado Social por uma Economia de Penúria no âmbito duma concorrência pré-histórica de trogloditas que se destroem uns aos outros numa guerra de sobrevivência, arrastando os trabalhadores para um desemprego crescente que já atingiu níveis que nem em tempo de guerra se alcançou.
Por:
Reinaldo Beça
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