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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-01-2012

    SECÇÃO: Destaque


    Encontrados em Ermesinde fósseis com 300 milhões de anos - património natural em risco de ser destruido!

    Na tarde do passado dia 24 de dezembro, o historiador e patrimoniólogo José Manuel Pereira encontrou em Ermesinde vestígios de uma jazida fossilífera de tipo vegetal e que remontará à Era Paleozóica. Segundo o investigador declarou ao jornal “A Voz de Ermesinde”, trata-se «de um excelente testemunho geológico que, situado no mesmo alinhamento noroeste-sudeste do Parque Paleozóico de Valongo, trará novas e importantes descobertas à comunidade científica, enriquecendo mais o já valioso património natural do Concelho de Valongo». O texto que a seguir se publica é da sua própria autoria.

    Fotos JOSÉ MANUEL PEREIRA
    Fotos JOSÉ MANUEL PEREIRA
    Localizada entre um empreendimento social localizado no norte da freguesia e uma urbanização próxima, a jazida agora encontrada e posicionada à altitude de 173 m, encontra-se em verdadeiro estado de abandono, não sinalizada e de livre acesso ao público. O desaterro e remoção de terras que tem vindo a ser efetuado nos últimos tempos levaram a que, no desconhecimento total, se destruísse a referida jazida fossilífera, que deverá ter mais de 300 milhões de anos. Constituída por um corte estratigráfico de oito metros de altura por cem metros de comprimento, os fósseis recentemente aí encontrados, todos eles fetos (pteridófitas), são já uma rara descoberta, não só quanto à sua proveniência geográfica, como pela raridade da existência em Portugal deste tipo de fósseis vegetais.

    Na parte superior da jazida coexiste igualmente um conglomerado, afloramento rochoso também ele reportado para o mesmo período da descoberta assinalada (na transição do Devónico para o Carbonífero). Virado a sudoeste, e a menos de vinte metros do referido afloramento – há muito reclamada a sua preservação e valorização –, o corte estratigráfico, com evidentes e visíveis registos de mutação, denuncia a sua contínua destruição, caso outras medidas interventivas não sejam tomadas em tempo útil. Aliás, neste conjunto de conglomerados, separados entre si por alguns metros, um deles tem por companhia a cerca de três metros uma habitação multifamiliar recentemente construída.

    A umas centenas de metros, na encosta do Monte do Poeta, virada a este, igual intervenção das máquinas escavadoras foi já efetuada, sendo possível observar, a céu aberto, uma longa jazida que merece igual atenção.

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    Sendo profundo conhecedor da História Local e consciente do valor geológico e botânico em causa, contacteiu já a Câmara Municipal de Valongo e a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Neste sentido, acrescento que a área envolvente e o local onde foi detectada a jazida fossilífera encontram-se já alterados, em função da recente intervenção humana, supostamente efetuada sem o devido acompanhamento e prévio estudo geomorfológico.

    Tal procedimento – adianto – como em muitas outras situações onde os interesses da especulação imobiliária ou instituições de pareceria público-privada estão em causa, é prática corrente quando não observados e fiscalizados pelos serviços públicos competentes. Temendo que tais atitudes continuem impunemente a ser levadas a cabo, não havendo qualquer intervenção preventiva e em tempo oportuno, acrescento que a forma esventrada de tal operação determinou já a destruição da grande maioria dos fósseis. No momento presente, torna--se impossível saber a que nível estratigráfico o mesmo pertenceu.

    RIQUEZA

    GEOLÓGICA

    E FOSSILÍFERA

    DO CONCELHO...

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    Encontrando-se esta área no prolongamento da estrutura geológica do anticlinal de Valongo, a mesma está assente no afloramento da Bacia Carbonífera do Douro, correspondendo esta a uma longa faixa compreendida na orientação noroeste-sudeste (NO-SE) numa extensão de cerca de 100 km, delimitada a norte por São Pedro Fins e a sul, já nas proximidades de Viseu. Este afloramento, formado pelo Complexo xisto-grauváquico ante-ordovícico é essencialmente constituído por brechas resultantes de movimentos em massa de barro, xistos fossilíferos, alternadamente sobrepostos por sequências de conglomerados, arenitos e carvão. Nesta contextualização, o concelho de Valongo situa-se entre um conjunto de retalhos planos elevados e conservados a este em rochas granitóides e a oeste nas cristas quartzíticas. A parte norte do concelho, constituída por diferentes unidades territoriais, estende-se por níveis mais baixos, formando parte do relevo do litoral do noroeste português. É neste enquadramento geomorfológico – do Silúrico, Devónico e Carbonífero –, numa altitude abaixo dos 200 m, no alinhamento montanhoso onde se encontram as serras de Santa Justa e Pias, que foram encontradas as jazidas fossilíferas com mais de 300 milhões de anos. No ponto mais próximo do litoral e nos vales alveolares da depressão de Ermesinde e Alfena, numa área predominantemente xistosa e na confluência de conjuntos de rochas ante-ordovícicas e rochas pós-skidavianas, colinas talhadas no Complexo xisto-grauváquico ante-ordovícico do Paleozóico, esta área, a baixa altitude, resultante de uma sucessão estratigráfica “camada a camada” formada pelo depósito de sedimentação em período do Holoceno teve condições propícias dadas por um clima quente e húmido que favoreceu o habitat de uma flora endémica e autóctone, com maior relevo para o Pecopteris e Asterophyelites. Desde o grande incêndio que, nos finais da década de 70, destruiu toda a flora existente dando lugar ao eucalipto, presentemente, nesta área sem plantas arbustivas ou herbáceas, coabitam de forma dispersa as plantas heliófitas sobre uma vegetação agreste que, pontualmente ladeia ora com aterros de entulhos, ora com frequentes queimadas que o escondido local sempre vai proporcionando.

    …QUE DEVE SER

    PRESERVADA

    E VALORIZADA

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    O registo fóssil tipo vegetal apresentado em suporte rochoso e nele conservado constitui para a Geologia e Paleontologia verdadeiros testemunhos na datação de outros fósseis coexistentes, localizados e estudados, permitindo igualmente, através da estratificação, um melhor conhecimento do seu enquadramento geomorfológico. É, para a comunidade científica, mais um importante marco no estudo da flora, a juntar já aos trabalhos efetuados no âmbito do Parque Paleozóico de Valongo. Daqui é possível uma melhor análise da evolução dos diferentes períodos geológicos, assim como o ritmo de evolução dos seus organismos. As Pteridófitas encontradas e cuja datação por Carbono 14 poderá melhor identificar e validar a que período pertencem, são de três espécies diferentes e tamanhos diversos. Nos fósseis que, a olho nu, permitem melhor leitura, é possível ver o caule (rizomas) e as frondes (folhas) de tamanho e espécie variada. Os primeiros apresentam um eixo caulinar bastante homogéneo, com diâmetro de 2mm, e os segundos variam entre 90 e 100mm. Desconhecendo-se, para já, a que família e população pertencem, embora dois deles apresentem semelhanças com o Callipteridium, Alethopteris e o Pecopteris vianei e o terceiro, face ao seu verticilo com folhas cuneiformes dispostas radialmente, tenha alguma afinidade com a Annularia ou Dicranophillum lusitanicum, os escassos indícios recolhidos parecem indicar – salvo melhor análise – não serem da mesma espécie das três Pteridófitas raras protegidas no Parque Paleozóico de Valongo: Trichomanes speciosum, Culcita macrocarpa e Lycopodiella cernua. Ao contrário das jazidas das Serras de Valongo, ricas em Trilobites e escassas em Pteridófitas, não está colocada fora de qualquer hipótese a possibilidade de vir a ser encontrado, na mesma jazida ou nas imediações, fósseis de tipo animal. Contudo, a sua procura será bastante difícil por ser igualmente conhecido a sua gradual extinção no final deste período geológico.

    Recordo ainda que em reunião do Conselho Municipal do Ambiente do Município de Valongo, realizada em 26 de julho de 2007, entre outras áreas a preservar e proteger, constavam «os afloramentos rochosos nos Montes da Costa», tendo a investigadora Maria Helena Couto, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto referido que «é importante conservar a área, porque permite o estudo da formação das rochas em bacias continentais e não é fácil encontrar rochas com aquela idade tão bem conservadas». Na mesma reunião a diretora de Departamento, Clara Poças, sugerira «a colocação de sinalização explicativa no local». Cinco anos volvidos e nada tendo sido efetuado, outras e pertinentes razões determinam a sua rápida intervenção e adequada prevenção para que, sob o argumento do desconhecimento, os mesmos não sejam aproveitados para alicerces de futuros empreendimentos.

    Por outro lado, conhecido que é o estatuto especial da conservação das jazidas fossilíferas, nomeadamente as de origem vegetal, em face da sua raridade, e cuja maior ou menor existência ainda está por estudar, constituem estes fósseis, um testemunho verdadeiramente ameaçado. Impõe-se, de acordo com a Lei do Património Cultural Português (Lei n.º 107//2001, de 8 de Setembro, que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do Património Cultural) e atendendo às Diretivas Comunitárias existentes, ativar de imediato todos os meios conducentes à salvaguarda desta área na defesa do património natural de interesse público. A juntar à geodiversidade que nos é apresentada pelas diferentes espécies de fauna, flora, quartzíticos, conglomerados, recursos minerais e naturais das serras de Valongo, estamos perante mais uma descoberta onde o património biológico, geológico e fossilífero, juntamente com a vertente hidrológica, biofísica e geomorfológica, em muito contribuirão para os estudos a que o Concelho já nos habituou desde os primeiros trabalhos efetuados pelo geólogo inglês Daniel Sharpe (1834 e 1849) e posteriormente continuados por Nery Delgado (1908), Gonçalo Sampaio (1915), João Carrington Simões da Costa (1929), Resende Pinto (1939 e 1944), Fernando Rebelo (1975) e Helena Couto (1993).

    Por: José Manuel Pereira

     

     

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