Mãos limpas e ocultações na Madeira
Numa recente entrevista ao “Jornal de Notícias”, D. José Policarpo fez uma afirmação que logo se percebeu que incomodaria alguns políticos na parte em que aconselhava os membros da Igreja Católica a não se imiscuírem na política porque, disse, ninguém sai dela de mãos limpas.
Naturalmente que na afirmação do prelado não deixa de estar ínsito que da totalidade dos agentes políticos sempre se encontrará alguém a quem a generalização não se aplique. E, como era de esperar, logo surgiram vozes a contestar o rigor da afirmação e a denunciar o seu exagero, como foi o caso do deputado Vera Jardim, do ex--deputado Anacoreta Correia e de outros, que saíram à estacada para se defenderem, alegando que estão ou estiveram na política e nunca com ela sujaram as mãos.
Nós, como muitos outros cidadãos, compreendemos o desconforto que alguns políticos sentem ao verem-se metidos num “saco” onde se pensa estarem muitos dos políticos a quem a afirmação assenta que nem uma luva. Mas, com o devido respeito pela sua protestada integridade, não deixamos de nos associar a Sua Eminência, lembrando aos “ofendidos” que têm tido muitas ocasiões para se demarcarem dos destinatários da asserção, sem que tenham tido a coragem de o fazer, preferindo esconder-se atrás da disciplina partidária e, por vezes, procurando varrer a testada pela via das declarações de voto que, como se sabe, praticamente só são conhecidas dos seus pares ou mais tarde pelos estudiosos. Melhor seria para a transparência da vida democrática que se preocupassem em não serem sujeitos passivos do aforismo: tão ladrão é o que rouba, como aquele que o protege.
Mas como há sempre uma segunda oportunidade, os atores políticos têm novamente ocasião de separarem o trigo do joio quando forem chamados a discutir e a votar os projetos de lei que estão no Parlamento visando a criminalização do enriquecimento ilícito, embora não deixe de ser intrigante ver figuras de “proa” do Partido Socialista a, mais uma vez, se refugiarem em alegadas inconstitucionalidades do diploma para que, ou não se produza qualquer nova lei sobre o assunto, ou a que vier a conhecer a luz do dia aborde apenas questões laterais, com o refinado e recorrente cuidado de não incomodar os que, como diz João Jardim, têm enriquecido à custa da política.
A edição de “A Voz de Ermesinde” onde estas opiniões estão insertas, chegará às bancas antes de se conhecerem os resultados das eleições regionais que terão lugar na Madeira no próximo dia nove de Outubro. É, por isso, prematuro saber que consequências neles terão os acontecimentos recentemente conhecidos, relacionados com o que se vem designando por “Buraco da Madeira”, episódio que no início parecia que apenas João Jardim e os seus próximos colaboradores é que sabiam de dívidas que teriam sido ocultadas às entidades que delas deveriam ter conhecimento, mas que ultimamente, a comunicação social dá conta que «todas as figuras de topo do Estado foram avisadas» e que «a crise financeira da Madeira tem sido reportada a todos os órgãos se soberania».
Assim sendo, este recente desenvolvimento do “desconforto” faz admitir que a iniciativa do PGR de abrir um inquérito crime ao caso de ocultação da dívida pública da Pérola do Atlântico terá como destinatários, não só Alberto João Jardim, mas todos quantos dela sabendo, não a denunciaram. Se tal vier a acontecer com consequências, talvez que a gestão dos dinheiros públicos e o respeito pela legislação conheça uma viragem de cento e oitenta graus, que os contribuintes e demais portugueses não deixarão de aplaudir de pé, embora os visados não tenham razões para se apoquentarem, sabido que o PGR já nos habituou a “entradas de leão com saídas de sendeiro”.
Inteligente seria que, numa altura em que se procede à extinção de entidades e organismos “inúteis”, se ponderasse a utilidade de manter o Tribunal de Contas e, a continuar, interrogarmo-nos para quê integrar na sua estrutura magistrados do Ministério Público quando a sua existência não concorre para quando os relatores concluem haver ilegalidades, se desencadeie imediatamente o procedimento criminal com remessa do processo ao tribunal, em vez de o enviar para a PGR onde regra geral aí morre sem quaisquer consequências para os putativos arguidos.
Com efeito, se na apreciação e nas conclusões dos relatórios o magistrado do MP está de acordo, para quê voltar a submeter o processo à vista de um outro magistrado não togado? Será a forma que os políticos encontraram para tornar completamente ineficaz a ação do TC no seu trabalho inspetivo? Portugal vive momentos angustiantes causados por más práticas políticas. São recorrentes as vozes pondo em causa os procedimentos das autoridades de supervisão e controlo. Não será chegado o momento de acabar com todas elas, ou, pelo menos, substituir todos os seus agentes? Para que não nos tomem por ingénuo, confessamos não esperar que algo venha a acontecer que modifique os comportamentos dos políticos e dos responsáveis das instituições, no sentido de acabar com a impunidade que se instalou na vida pública nacional, que admitimos ser altamente condicionadora da ação legislativa e governativa do país.
Por:
A. Alvaro de Sousa
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