Um país em mudança
As eleições legislativas de 2025 deixaram um país mais fragmentado politicamente, mas também mais participativo e exigente. A nível nacional (não integrando nesta análise os votos dos círculos da Europa e de fora da Europa), a Aliança Democrática (PPD/PSD.CDS-PP) venceu com 32,10% dos votos, conquistando 86 mandatos, num resultado que, embora expressivo, não garante maioria absoluta. O Partido Socialista ficou em segundo lugar com 23,38% e 58 deputados, empatando em número de mandatos com o Chega, que obteve 22,56% dos votos e confirmou o seu estatuto como terceira força política. Seguiram-se a Iniciativa Liberal, com 5,53% e 9 mandatos, e o Livre, com 4,20% e 6 eleitos. À esquerda, o PCP-PEV e o Bloco de Esquerda mantiveram presença, mas viram reduzida a sua expressão, tal como o PAN, que resiste com um único mandato.
Ermesinde, espaço urbano, densamente povoado e socialmente diverso, espelhou, com nuances, a tendência nacional. A AD venceu com 28,96% dos votos, seguida de muito perto pelo PS, com 27,14%. A distância entre ambos foi apenas de 438 votos, revelando um eleitorado dividido entre continuidade e mudança. O Chega, com 22,23%, manteve uma expressão considerável, mas ficou ligeiramente abaixo da sua média nacional. Já a Iniciativa Liberal (5,87%) e o Livre (4,60%) superaram os seus próprios resultados nacionais, o que revela uma abertura do eleitorado local a discursos mais recentes, centrados na renovação política e no reforço das liberdades cívicas.
Ermesinde também confirmou um certo enfraquecimento das forças tradicionais da esquerda. O PCP-PEV e o Bloco de Esquerda obtiveram resultados muito modestos, 2,32% e 2,30%, respetivamente, bem distantes dos tempos em que lideravam protestos e inspiravam largas franjas da classe trabalhadora e da juventude urbana. Já o PAN, com 2,01%, teve uma votação local mais robusta do que no contexto nacional, mantendo alguma vitalidade no seu discurso ambientalista.
Neste novo ciclo político, Ermesinde afirma-se como um microcosmo de Portugal: urbano, socialmente diverso, politicamente plural e em transformação. A proximidade entre os três partidos mais votados e a vitalidade das forças emergentes revelam um eleitorado atento, reflexivo e menos previsível. A democracia portuguesa, apesar das suas tensões e desafios, mostra-se viva e exigente. Cabe agora aos eleitos estarem à altura dessa exigência.
O avanço do Chega em zonas onde tradicionalmente a CDU era forte não é apenas uma curiosidade eleitoral, é um sinal claro de transformação sociopolítica. Muitos desses territórios, historicamente operários, envelhecidos e marcados por lutas laborais, encontravam na CDU uma voz combativa e de proximidade. Hoje, com o enfraquecimento do sindicalismo, a fragmentação do mundo do trabalho criou um vazio político. No entanto, é o avanço do Chega em territórios que durante décadas votaram na CDU que desperta maior atenção. Não se trata, parece-nos, de adesão a um projeto estruturado, mas de voto de protesto, uma recusa do sistema vigente. Em zonas outrora operárias e sindicalizadas, o enfraquecimento das estruturas laborais e a perceção de abandono por sucessivos governos criaram um vácuo político. O Chega ocupou-o com um discurso de rutura que capta insatisfação com precariedade, insegurança e promessas falhadas, convertendo-se num grito contra o status quo.
Este fenómeno não encerra uma visão promissora para o futuro de Portugal, espelha antes um profundo desassossego. Eis o desafio que se coloca a todas as forças políticas: recuperar a ligação com os eleitores, apresentar propostas credíveis e articular um projeto que, finalmente, vá além do voto pela negativa. Só assim poderá a democracia portuguesa honrar a exigência de um país que se quer unido, mas também livre e justo.
Por:
Manuel Augusto Dias
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