Os 50 anos do Código Civil
O Código Civil português foi aprovado há 50 anos pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966.
Os trabalhos preparatórios do Código desenrolaram-se durante mais de 20 anos, coordenados por uma comissão que integrou os maiores jurisconsultos da época e não será exagerada a conclusão de ter representado a maior obra da Ciência Jurídica Portuguesa.
Nesse diploma se regulamentaram o negócio jurídico, as obrigações em geral, os direitos reais, da família e o regime sucessório, para além da capacidade jurídica, os direitos de personalidade, regimes probatórios e outras áreas do Direito Civil.
O rigor técnico - jurídico, o cuidado da linguagem e a prevalência da dimensão científica, em detrimento de opções políticas meramente conjunturais, permitiram manter o diploma vivo e atual cinquenta anos depois num País que, entretanto, sofreu profundas alterações de natureza política, sócio - económica e cultural.
Com efeito, o Código Civil suportou apenas uma alteração de fundo, através do Decreto - Lei nº 496/77, imposta pela Constituição da República aprovada em 1976, na sequência do 25 de Abril de 1974.
Em suma, com exceção do regime jurídico do Arrendamento e do Direito da Família, o essencial do normativo do Código Civil mantém-se, sendo cumprido e aceite pacificamente pela Comunidade e pelos Tribunais.
O regime do Arrendamento foi excluído e reentrou no Código Civil, refletindo alterações de natureza social do tecido urbano e opções políticas bem determinadas.
No Direito da Família foram introduzidas alterações profundas, que vão desde a institucionalização do Divórcio e suas consequências, do alargamento dos respetivos fundamentos e flexibilização dos procedimentos até à valorização do cônjuge em termos sucessórios, que passou a ser herdeiro legitimário e legítimo conjuntamente com os descendentes ou, na sua falta, com os ascendentes, à própria eliminação das discriminações entre filhos legítimos ou ilegítimos e do favorecimento do sexo masculino na administração das heranças.
Mais recentemente, novas alterações relevantes se concretizaram, com a abertura do casamento a pessoas do mesmo sexo e a equiparação, para efeitos determinados, da união de facto ao casamento.
O novo regime político saído do 25 de Abril de 74 não tocou, no entanto, mesmo no período revolucionário decorrido até novembro de 1975, no essencial do normativo dos contratos, consubstanciado no respeito pela propriedade e autonomia privada e pela liberdade contratual.
Deve sublinhar-se que a estabilidade do Código Civil, a que não é alheia a autoridade científica do Professor Antunes Varela, Ministro da Justiça à data da aprovação do diploma e que nessa qualidade desempenhou um papel decisivo na sua redacção final, constitui um exemplo ímpar dos últimos 50 anos, tempo de constantes mudanças legislativas e quantas vezes sem a necessária ponderação, cuidado e qualidade técnico - jurídica.
Em boa verdade, uma notável sistematização, ainda hoje reconhecida pela nossa melhor Doutrina, e a exemplar ponderação e grau de abstração das soluções adotadas viabilizaram a vitalidade e atualidade do Código Civil, cinco décadas após a respetiva aprovação.
É certo que a configuração jurídica clássica do contrato, consagrada no diploma em referência, carece duma atualização por força das novas realidades sócio - económicas, da proliferação dos contratos de adesão e propostas contratuais por via telefónica ou eletrónica, sempre na mira do reforço de princípios humanistas e de proteção social.
Esperemos, no entanto, que o sólido património do Código Civil não seja delapidado por alterações precipitadas que o possam desvirtuar, retirando-lhe a coerência e princípios fundamentais que o enquadram e sustentam.
Por: José Puig*
*Advogado
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