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 "Que farei quando tudo arde?" Desarrezoado amor, dentro em meu peito,/tem guerra com a razão" - começa assim um soneto de Sá de Miranda, poeta português do século XVI - soneto que, por sua vez, termina com a interrogação que dá o título a este editorial, também roubada a Sá de Miranda por António Lobo Antunes, para titular um dos seus romances: "Que farei quando tudo arde?". O soneto trata, no essencial, do conflito entre o amor e a razão; concluindo que, quando "enfim vem o seu dia" (da razão), "Então não tem lugar certo onde aguarde Amor". Os desenvolvimentos políticos dos últimos 5 meses, desde Junho até Outubro, a propósito da destruição que o fogo levou a quase meio País, polarizaram-se em torno do Presidente da República e do Primeiro-Ministro e da resposta que cada um pareceu dar a essa mesma pergunta: que fazer, quando tudo arde à nossa volta?  Ao que parece, a reacção a esta desolação inenarrável que marcou de dor e sofrimento o nosso Verão (e parte da Primavera e do Outono) assinalou também a primeira fricção entre o Presidente da República e o Governo - levando o Presidente a, durante o intervalo do jogo do Porto com o Leipzig, fazer uma comunicação ao País, marcada por uma retórica fortíssima, censurando ao Governo uma espécie de falta de compaixão, ou uma frieza, perante a desgraça de tantos portugueses. Em contraponto a essa pressuposta distância, o Presidente vem espalhando infatigavelmente o seu registo afectivo pelos territórios queimados, procurando a proximidade dos mais directamente afectados e mantendo a pressão sobre o sistema político para que se não perca a vontade reformista que esta tragédia suscitou. Parafraseando a linguagem do soneto que nos serve de mote, dir-se-ia que o Presidente da República respondeu à pergunta de Sá de Miranda oferecendo o amor, quer dizer, os seus afectos; ao contrário do Primeiro Ministro, que se teria ficado pela razão, traduzida na preparação de medidas a aprovar em Conselho de Ministros, sem acto de contrição prévia pela responsabilidade do Estado. Ao contrário do soneto, parece que, nesse embate entre os nossos dois principais responsáveis políticos, a vitória ficou do lado dos afectos, e não da razão. Ou não? 
 Por: Henrique Rodrigues |