Autor: Manuel B.
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3ª idade ignorada |
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Declaro peremptoriamente que qualquer semelhança entre o que se segue e pessoas, coisas ou acontecimentos realmente existentes, é absoluta e pura coincidência. Quero-me fazer ouvir. Sou um velho de 84 anos e vivo sozinho numa casa alugada. O almoço e jantar trazem-me as meninas do Centro Social. Não vejo a minha esposa há oito anos porque faleceu. Tenho 5 filhos, – quatro estão reformados –, moram todos perto de mim, e tenho 11 netos. Apenas uma única filha – a que trabalha – me visita diariamente ao fim do dia, trazendo também o seu filho, meu neto. Os restantes 4 filhos raramente os vejo. Um péssimo filho/a nunca poderá ser um bom pai/mãe. Não deixo herança para ninguém a não ser estes velhos móveis, roupas e louças. Há menos tempo e paciência para estar com os velhos. Colecciono doenças: Diabetes, coração, insuficiência renal, trombose, bronquite. Sei que sou um estorvo. Tudo no meu quarto é penumbra e solidão. Tirando aquela horinha de visita diária da minha filha e meu neto, ninguém vem cá nem que seja para falar um pouco, apenas para silenciar este silêncio. Quer dizer, a única companhia que tenho é a T.V. ligada o dia todo. O tempo passa lentamente, nu de emoções e novidades. Apenas o sono vai abatendo o tempo, a solidão e o silêncio. Por isso é que os velhos dormem muito, para fugir a esta rotina. Mas é tudo por breves instantes. Quando acordo o meu quarto serve de prisão para a doença, é o campo de concentração do sofrimento. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades: Inutilidade, rejeição, afastamento e marginalização são os códigos a adoptar em relação aos velhos. Por isso, mudem o 72.º artigo da Constituição da República Portuguesa:” As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social". |
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