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    Arquivo: Edição de 15-11-2005

    SECÇÃO: Crónicas


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    O desassossego francês

    A França conheceu no passado dia 27 de Outubro, mais um momento de perturbação da ordem pública, desta vez provocada por desacatos praticados por jovens identificados como sendo de origem estrangeira, residentes em bairros degradados onde campeia a marginalidade e abundam cidadãos que se consideram discriminados negativamente pela sociedade do país que os acolhe, quer o seja por deles precisar, quer por razões humanitárias ou de obrigações decorrentes de fazerem parte da União Europeia. Motivações por explicar têm levado a “escumalha” – na pouco feliz versão do ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy – a todas as noites desafiar as forças da ordem, incendiando veículos, estabelecimentos públicos e privados, numa escalada em crescendo até ao momento em que foi autorizado pelo Governo o “recolher obrigatório”, medida adoptada por presidentes de algumas Prefeituras, a qual terá produzido os seus efeitos benéficos, medidos pelo número de veículos incendiados em cada ronda nocturna, parecendo que as autoridades já se consideram confortadas quando contabilizam menos algumas centenas de carros destruídos que na noite anterior.

    O preocupante episódio, que nasceu na periferia da cidade de Paris e que rapidamente se alastrou a praticamente todo o território francês, sempre com idêntico perfil, parece ter-se internacionalizado ao passar para a Bélgica, não sem que em Portugal tivesse havido algum receio ligado a um pequeno incidente ocorrido numa das cidades da Grande Lisboa. E tem vindo a ser objecto de semelhanças com outros eventos ocorridos na Cidade Luz, nomeadamente com o “célebre” Maio de 68, sendo a maioria defensora de que se trata de ignições completamente diferenciadas: o Maio de 68 é conotado com a juventude burguesa, enquanto que o 27 de Outubro tem como suporte o descontentamento dos imigrantes votados ao ostracismo das instituições sociais públicas. A qualidade dos analistas que defendem esta teoria merece-nos o maior respeito, mas tal reconhecimento não nos demove de transcrevermos um “naco” de prosa recolhida na internet, relacionado com as designadas “Revoltas Estudantis (1965-1970)”, que reza o seguinte: «Entre 1965 e 1970, concentraram-se várias manifestações de estudantes, negros e trabalhadores em geral contra o chamado establishment (sistema político estabelecido). Eram movimentos organizados, basicamente, em torno da efectivação dos direitos humanos declarados pela ONU (Organização das Nações Unidas). Destacaram-se, sobretudo, os protestos contínuos ocorridos de 3 a 30 de Maio de 1968, em Paris, França. Inicialmente, exigia-se a reabertura da Faculdade de Letras de Nanterre, mas devido à reacção agressiva da polícia parisiense, uma onda de pateadas se levantou. Uma revolta permanente foi implantada de um modo geral contra o governo conservador do general Charles De Gaulle (herói da resistência francesa, durante a Segunda Guerra). Sem um fim único concreto, passou a envolver, literalmente todo o mundo – EUA, Alemanha, Itália, Inglaterra e América do Sul –, nas reivindicações dos trabalhadores, por melhores salários dos negros contra a discriminação racial e dos estudantes, por uma reforma mais democrática do ensino e contra a Guerra do Vietnam. Em parte, o movimento sustentava-se na tese da “nova esquerda” desenvolvida por Marcuse, onde não só o proletariado, mas os jovens e excluídos da sociedade burguesa também eram considerados força de transformação da história, e pela Teoria Crítica da Escola de Frankfurt».

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    É evidente que os recentes acontecimentos gauleses não são completamente sobreponíveis aos registados no início da segunda metade do século passado. Mas ignorar algumas semelhanças de pouco valerá para o que deva ou não deva ser feito para garantir a segurança e bem-estar das populações.

    Parafraseando um dos nossos ministros em exercício de funções, não temos uma solução para os problemas sociais que ameaçam os direitos de cidadania dos povos, mas o mais grave e preocupante é que julgamos que outros também não serão possuidores da varinha mágica que ponha termo às insatisfações de milhares de imigrantes e assegure a segurança das populações que com eles se relacionem. Tal não nos inibe, porém de termos uma opinião sobre estes magnos problemas. O Presidente Chirac e o ministro Sarkozy bem poderão encontrar seguidores da sua política de que o que de momento se torna imperioso é travar a onda de violência, com a “bandeira” de sempre de que os direitos emergentes de um Estado de Direito têm que ser defendidos a todo o custo, mesmo que para tal seja preciso empregar o uso da força e suspender direitos de cidadania pela imposição do “recolher obrigatório”. E até poderá acontecer que a estratégia momentaneamente resulte. Mas, se algo de mais importante e profundo não for adoptado, preparemo-nos para novas e mais violentas investidas dos que são colocados na situação de pobreza sem horizontes de uma vida melhor, sendo irrelevante que Pedro Lomba entenda que nenhuma violência, nem mesmo a das vítimas e dos oprimidos, pode ser tolerada e compreendida.

    Portugal é olhado como país de brandos costumes, onde os diversos credos religiosos são tolerados, os costumes dos imigrantes respeitados e o relacionamento com as mais diferentes raças de fácil adaptação. Tudo isto, no entanto, não dispensa, antes pelo contrário, veementemente aconselha, que o comportamento de políticos e empresários não promovam legiões de desenraizados, encurralados em “ghettos” alimentados por populações atiradas para o desemprego e para o limiar da pobreza. Para o evitar, é indispensável que o fosso entre os muito ricos e os muito pobres comece a dar sinais de reversão. Que os governos adoptem políticas de melhor distribuição da riqueza produzida. Que os empresários entendam que o emprego, a segurança dos postos de trabalho e uma remuneração justa são ingredientes que põem a bom recato o seu património e a segurança sua e dos seus. Numa palavra, é urgente que se invertam políticas que a coberto da globalização, escravizam os trabalhadores, negam às populações o acesso aos meios públicos de assistência, ensino e cultura e lhes acenam como fim das suas vidas, o pau e uma manta para esmolarem às portas das igrejas e catedrais Os historiadores prestariam um bom serviço à causa nacional, se lembrassem aos detentores do poder (político e económico) as convulsões sociais e suas consequências, nomeadamente em Portugal, que tiveram como substrato políticas liberais muito em voga actualmente.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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