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    Arquivo: Edição de 30-07-2005

    SECÇÃO: Local


    Fotos Manuel Valdrez
    Fotos Manuel Valdrez
    ÀGORARTE – AO ENCONTRO DE OUTRAS TERRAS...OUTRAS GENTES

    Crónica de uma viagem de turismo cultural

    No desenvolvimento do seu plano de actividades para o corrente ano, a Ágorarte - Associação Cultural e Artística deu início a mais uma das suas acções culturais, promovendo, no pretérito dia 25, um passeio a Ílhavo.

    Eram oito horas e trinta quando o autocarro, disponibilizado pela nossa Câmara Municipal, iniciou a viagem.

    A manhã, um pouco sombria, ameaçava chuva, com algumas nuvens de ar carrancudo a prometerem aguaceiros... Apesar de tudo, se vier, bendita seja!

    À medida, porém, que nos íamos aproximando do litoral, o céu foi abrindo e um sol radioso fez questão de nos acolher à chegada.

    Com cerca de nove séculos e meio de vida documentada, Ílhavo é hoje uma referência importante entre os muitos pólos interessantes que a chamada Rota da Luz põe à disposição de todos quantos privilegiam “sair para fora cá dentro”.

    Foi el-rei D. Dinis quem lhe outorgou o seu primeiro foral, em 13 de Outubro de 1296, elevando-a à categoria de vila.

    Mais tarde, em 8 de Março de 1514, o rei D. Manuel I, no seguimento da reforma dos forais que empreendeu, concedeu um foral novo a Ílhavo.

    Já nos finais do século XIX, o concelho ilhavense foi extinto e anexado ao de Aveiro, mas passados três escassos anos, foi restaurado em 13 de Novembro de 1898.

    A área do actual concelho (67,68 Km2) distribui-se por quatro freguesias: S. Salvador (sede), Gafanha do Carmo, Gafanha da Encarnação e Gafanha da Nazaré.

    Fruto do desenvolvimento alcançado, a vila de Ílhavo foi elevada a cidade a 13 de Julho de 1990, o mesmo acontecendo com a Gafanha da Nazaré em 19 de Abril de 2001.

    Não se pode falar da história de Ílhavo sem referir a gesta heróica dos pescadores do bacalhau, nos bancos gélidos dos mares da Terra Nova e da Gronelândia, arrostando com a inclemência do clima e a fúria das tempestades!

    Também a fábrica da Vista Alegre – hoje o sexto maior grupo a nível mundial na produção de porcelana – está de tal modo imbricada com Ílhavo que quase falar de um é falar da outra.

    BELEZA PARA

    OS OLHOS NUM

    ESPAÇO DE SONHO!

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    São dez horas quando chegamos ao Museu Histórico da Vista Alegre. À nossa espera, a Dra. Fátima Rocha, que irá ser a nossa guia nesta visita.

    Começámos pela Sala do Fundador e temos, assim, o ensejo de ouvir de boca autorizada uma história de persistência, tenacidade e indomável força de vontade de várias gerações de homens, que, não desanimando perante as dificuldades, foram erguendo aquela que é hoje uma referência a nível mundial e de que todos nos devemos orgulhar.

    Praticamente desde que Vasco da Gama abriu a rota do caminho marítimo para a índia, as nossas naus, entre os riquíssimos produtos orientais, como as especiarias, trazem também as maravilhosas porcelanas chinesas.

    José Ferreira Pinto Basto, natural do Porto, onde nasceu em 1774, conhece bem o volume desse negócio, pois nos seus próprios barcos transporta para o Brasil, para as Ilhas Britânicas, para o Norte da Europa e Colónias Portuguesas as preciosas peças de porcelana chinesa, que, aliás, primava pela excelente qualidade.

    Com uma rara visão de homem de negócios de grande envergadura, José Ferreira Pinto Basto sonha com a criação de uma fábrica de porcelana em Portugal e daí que em 1824 tenha enviado à Real Junta de Comércio uma petição em que solicitava autorização para «a instalação de uma grande fábrica de louças, porcelana e vidraria na sua Quinta de Vista Alegre da Ermida, da comarca de Aveiro».

    Ciente de que o seu projecto, apesar de ambicioso, era perfeitamente alcançável, lança--se rapidamente na construção dos edifícios para a nova fábrica e rodeia-se de pessoas competentes e que possam contribuir para o sucesso que desejava.

    Casado, entretanto, com uma filha de Duarte Allen, influente membro da colónia inglesa do Porto, constitui uma família numerosa, pois deste enlace nascem nada mais nada menos do que quinze filhos!

    As meninas, a quem é dada uma esmeradíssima educação, são bordadeiras exímias, como aliás se pode ver numa bela casaca bordada a ouro que se encontra exposta.

    Daqui nos passamos para outras salas, onde deleitamos os olhos nas peças que marcam o percurso sempre ascendente desta importante empresa portuguesa.

    Há peças raras – como, por exemplo, um casal de perdizes – que atingiram uma cotação muito elevada e facilmente atingem, em leilões, valores que vão a muitos milhares de euros!

    Ali, uma riquíssima amostra da baixela encomendada pela Casa Branca e que ostenta o monograma de Ronald Reagan, presidente que foi dos Estados Unidos.

    Também Sua Majestade a Rainha Isabel II da Inglaterra se conta entre os privilegiados clientes da Vista Alegre.

    Ficámos também a saber, através de exemplares de grande requinte, que reis como D. Carlos I e presidentes da República como Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio mimosearam visitantes ilustres de Portugal com peças de rara beleza ostentando a marca Vista Alegre!

    Fixo-me, particularmente, num esbelto gomil oferecido ao Papa Paulo VI aquando da sua visita ao nosso País.

    Devagarinho, vão desfilando imagens de santos, que impressionam pela sua perfeição ou exemplares de soldadinhos muito aprumados com que saberia bem brincar!

    Quando retornamos ao átrio, quase sentimos o impulso de recomeçar.

    Porém, era imperioso continuar!

    NA CAPELA

    DE NOSSA SENHORA

    DA PENHA DE FRANÇA

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    Há, hoje, um movimento desusado ao redor desta lindíssima capela, com o pessoal das iluminações atarefados em montar todas as estruturas, já que se aproximam as festas em honra de Nossa Senhora da Penha de França, Padroeira da Vista Alegre, que decorrerão entre um e onze de Julho.

    Começam também a surgir vários “stands” que garantirão forte animação durante as festas. Registo um que está quase pronto: “Sporting Clube da Vista Alegre”. O verde continua a ser, claro, a cor da esperança!

    Sobre a porta principal do templo, há uma esplêndida escultura para apreciar.

    Duas elegantes torres sineiras ladeiam a entrada. Aliás, quando José Ferreira Pinto Basto comprou a Quinta, só uma das torres estava concluída e foi já sob sua orientação que a segunda foi concluída.

    Entrando no templo, o nosso olhar é imediatamente atraído pelo altar-mor. É o único do mundo a ter, como tema central, o Mistério da Encarnação.

    Na parte mais alta do altar, num magnífico baldaquino em talha dourada, está a imagem da Padroeira.

    Daqui a uns dias, descerá dali com a ajuda de cordas para tomar o seu lugar no magnífico andor que, no próximo dia 3 de Julho, percorrerá as ruas da Fábrica e do Bairro Social, numa grande manifestação de religiosidade.

    Do lado direito da capela--mor há que prestar atenção ao esplêndido túmulo renascentista do bispo D. Manuel de Moura Manoel, que fora Inquisidor e Reitor da Universidade de Coimbra, e que constitui um belo exemplar da nossa arte funerária.

    As paredes laterais são revestidas de azulejos do século XVIII, provenientes da Real Fábrica do Rato, mais uma preciosidade a preservar como património da história da azulejaria em Portugal.

    À saída, os olhos quedam-se ainda nos frescos que cobrem o tecto do templo.

    Acabada esta visita, muitos dos nossos companheiros vão ainda passar pela loja da fábrica e pelo outlet, onde se podem adquirir belas peças a preços reduzidos.

    Há ainda quem passe pela exposição temporária “Inovação e Arte Deco”, no período de João Theodoro Pinto Basto (1922-1947) “e que respeita a um período de organização e reestruturação, onde os mestres Duarte Magalhães, Ângelo Chuva e Palmiro Peixe deixaram marcas indeléveis da renovação artística que aqui implementaram.

    E RUMANOS

    À GAFANHA

    DA ENCARNAÇÃO...

    Descendo a Avenida 25 de Abril, que rasga de cima abaixo a maneirinha cidade de Ílhavo, paramos junto do pavilhão gimnodesportivo e, a pé, vamos explorar o núcleo de casas arte nova, preciosas na sua arquitectura, azulejaria e cor, e passamos pela Igreja Matriz, templo reconstruído do século XVIII, bastante amplo e com três naves.

    Chamam-nos a atenção dois magníficos baixos-relevos em madeira, que se encontram de um lado e de outro da capela-mor.

    Quando voltamos ao autocarro, os estômagos reclamam já e com razão.

    Como sempre considerámos que o turismo gastronómico também é importante, lá vamos a caminho do Restaurante “A Estufa”, que tem como afinidade com Ermesinde o facto de funcionar nas instalações recuperadas de uma antiga fábrica de chicória.

    Como estava tudo preparado, foi entrar, tomar lugar na mesa e partir à escolha dos petiscos preferidos, que o serviço de “buffet” oferecia com abundância.

    Devidamente saciados, são horas de continuar a descobrir estas terras.

    A CAMINHO

    DE UM LUGAR

    DE MEMÓRIAS...

    Em 8 de Agosto de 1937 era oficialmente inaugurado o primeiro museu com secções de etnografia piscatória e náutica e cristais e porcelanas da Vista Alegre.

    Poderemos dizer que esta estrutura foi o embrião do actual Museu Marítimo de Ílhavo, que é, insofismavelmente, o melhor testemunho da forte ligação dos Ílhavos ao mar e à Ria de Aveiro.

    O edifício onde actualmente está instalado este museu, é um belo exemplar da arquitectura moderna, expressamente construído para os fins em vista. Daí a sua funcionalidade, aconchego e realismo, que não podem deixar de cativar os visitantes.

    No átrio do museu, um busto de Américo Teles (1893--1989), seu fundador.

    É nossa guia a Dra. Paula Ribeiro, que conhece bem os cantos à casa.

    Começamos pela sala “Capitão Francisco Marques”, em homenagem ao último capitão do navio “Creoula” e director do Museu entre Outubro de 1999 e Junho de 2001.

    Logo à entrada e em escala real, o modelo de um lugre de dois mastros, igualzinho àqueles que rumavam aos mares gelados da Terra Nova e da Gronelândia.

    Nove meses passados entre a terra e o céu, a bordo de autênticas cascas de noz em mares onde enormes “icebergs” punham em sério risco toda a navegação!

    Vemos tudo : a cozinha, devidamente equipada, os beliches onde os pescadores repousavam, os apetrechos da pesca, os dóris, os equipamentos, o típico sueste, as botas de cano alto feitas de couro.

    Nas vitrines laterais, há de tudo: os anzóis, as amostras, as linhas, os iscos, uma espingarda.

    A Dra. Paula explica: o isco era normalmente sardinha que se levava a bordo.

    Quando este acabava, o comandante distribuía uma espingarda por cada seis homens, para poderem caçar uma espécie de gaivota (a cagarra), que por ter uma carne muito branca e com acentuado sabor a peixe constituía uma tentação para o bacalhau.

    Para complementar toda a informação, projecta-se um filme a preto e branco que realisticamente revela a vida dura dos ilhavenses naqueles mares gelados. O que seriam os sentimentos de um pescador solitário a bordo de um dóri, durante horas e horas entregue à faina, com espessos nevoeiros a caírem subitamente e a isolarem-no ainda mais?!

    Só homens de rija têmpera seriam capazes de suportar tais condições de trabalho!

    Afinal, os Descobrimentos Marítimos não são mais do que um capítulo da monumental epopeia que os Portugueses, e em diferentes épocas, têm escrito nas mais diversas latitudes!

    Passamos seguidamente pela “Sala da Ria”, para reavivar a memória das fainas agro-marítimas das populações ribeirinhas. Pasmamos perante a riqueza do colorido das proas dos moliceiros, onde, por vezes, uma espirituosa brejeirice nos fala do sentido de humor daquela gente.

    A apanha do moliço, a extracção e transporte do sal, as pescas artesanais estão bem documentadas e são testemunhas reais da débil economia da região. Hoje, não passam, em muitos casos, de meras recordações.

    A “Sala dos Mares”, com as suas espectaculares miniaturas de barcos, bem como a “Sala das Conchas” não escapam à nossa curiosidade.

    A última surpresa está, todavia, no espaço de uma exposição temporária denominada “Artes de pesca. A pesca na arte”. Um encanto para os olhos, com nomes sonantes da pintura portuguesa.

    A BORDO DE UM

    ARRASTÃO-MUSEU

    Para esta nossa jornada acabar em beleza faltava apenas a visita ao navio-museu “Santo André”, que é um pólo deste Museu Marítimo.

    Rumamos, pois, à Gafanha da Nazaré, onde o arrastão está fundeado.

    À nossa espera, está um jovem, o Eduardo, que vai guiar a visita a bordo.

    Ficamos a saber que este barco é um exemplo do arrastão lateral, já que as redes tanto podiam ser lançadas de bombordo como de estibordo.

    Vamos percorrendo o navio e vamos sendo esclarecidos. Descemos ao porão, com capacidade para poder armazenar mais de mil toneladas devidamente salgadas do fiel amigo!

    Passamos pelas instalações da tripulação, do comandante, do imediato e são já sensíveis as preocupações com o conforto e o bem-estar a todos os níveis.

    A casa das máquinas é impressionante pelo gigantismo de todo o equipa mento.

    Subidos à ponte de comando, o Eduardo explica: – O homem do leme, para além de competente, tem que ter a confiança absoluta do comandante do navio. Durante seis horas, o homem não pode abandonar o seu posto sem autorização, sob pena de se expor a severos castigos se o fizer.

    Mesmo ao lado, está a zona reservada ao comandante. À sua frente, tem vários equipamentos: goniómetro, sonda, radares de superfície e bússola, tudo já bastante avançado em termos tecnológicos.

    Este arrastão foi encomendado pela Empresa de Pesca de Aveiro a um estaleiro holandês, tendo sido lançado à água em 1948. Era, então, um navio moderno, com 71,40 metros de comprimento. Manteve-se em actividade até 21 de Agosto de 1997, altura em que, vítima de uma política de pescas verdadeiramente ruinosa, foi desmantelado.

    Fruto de um acordo estabelecido entre a Câmara Municipal de Ílhavo e o armador do navio, António do Lago Cerqueira, Lda, foi possível transformar o velho arrastão em navio-museu. Têm assim as gerações vindouras oportunidade para conhecerem melhor o que foi o esforço hercúleo dos seus antepassados na captura e busca do mais apreciado petisco dos portugueses, o bacalhau. Ainda bem!

    Por: MG

     

     

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