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    Arquivo: Edição de 30-07-2005

    SECÇÃO: Crónicas


    D. ERMESENDA, A DEVOTA (2)

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    Génese de uma Nação

    É curioso que, muitas vezes, o destino duma Nação depende dum parto ou duma formação genética uterina, após a guerra “girínica” que se trava para fertilizar o óvulo, vencendo o macho ou a fêmea. Bastaria o borgonhês não ter gerado filho varão legítimo, pois filhas foram três, o reino de Portugal, a quem estavam destinados grandes feitos e glórias, nunca teria existido e o esforço dos nobres e prelados portugalenses e de alguns galegos, teria sido em vão. Ficaria para sempre integrado no reino de Leão e, mais tarde, na Espanha como aconteceu com a Galiza, para consolo de muitos portugóis da nossa praça. Mas a Galiza nunca teve uma linhagem dinástica que a identificasse politicamente e lhe viesse a dar autonomia. No contexto do reino das Astúrias e depois Leão, foi sempre uma parcela de partilhas entre os herdeiros da coroa, com reinados efémeros, enquanto Portugale que englobava Entre Douro e Minho e as conquistas para sul (Trás os Montes era um território quase autónomo, dominado pelos Braganções), nunca tinha tido rei antes de Afonso Henriques mas tinha sido sempre um condado, durante cerca de duzentos anos, desde a sua reconquista (868), governado sempre pela mesma família condal que lhe deu uma identidade política muito vincada, até 1071.

    O conde D. Henrique de Borgonha veio tomar o lugar duma linha dinástica tradicional, os condes de Portugale, que o rei Fernando I, o Magno, da nova dinastia franca e pai do rei D. Afonso VI, tentou extinguir, talvez porque via no condado, já com duzentos anos ininterruptamente na posse da mesma família, a génese dum futuro reino. E não se enganou, porque esse reino acabaria por se formar, embora não de forma pacífica. Então, aproveitando a nova classe emergente de infanções contestatários ao poder condal, que até já faziam guerra e conquistas por conta própria, como os da Maia, os de Ribadouro, os Sousões, os de Baião, os Braganções e os de Marnel entre outros, por volta de 1045, entregou o governo do condado a triunviratos de infanções ou senhores locais, excluindo os condes de Portugale, Mendo Nunes e depois seu filho Nuno Mendes que morreu em luta contra o malogrado e já referido rei Garcia da Galiza, em Pedroso, próximo de Braga, em 1071, depois de ser esquecido pelo rei, segundo consta. Fernando Magno acabou assim com o reinado da família condal que temia e a que pertencia sua mulher D. Sancha e seu cunhado, o vencido rei Bermudo III, de Leão. Ambos eram filhos do rei Afonso V e de Elvira Mendes, filha do conde de Portugale, Mendo Gonçalves que, por sua vez, era neto da condessa Mumadona Dias e do conde Hermenegildo Gonçalves.

    O rei Garcia da Galiza, nesse mesmo ano de 1071, foi destronado pelos irmãos e, depois de se refugiar na taifa mourisca de Sevilha, mais tarde, teve de fugir com o rei mouro perseguido pelos almorávidas, para o reino de seu irmão Afonso VI que aproveitou para o prender, como dissemos, no castelo de Luna onde morreu em 1091. E muita sorte teve em não o terem cegado, como era hábito neste tipo de disputas.

    VIRA CASACA

    D. Loba Nunes, filha do último conde de Portugale, Nuno Mendes, ao casar com o alvazil (governador) de Coimbra, Sisnando Davides, um vira casaca, de ascendência judaica mas bastante activo e arguto, que foi moçárabe, muladi e vizir no Al Andaluz muçulmano, foi doneá-lo (enobrecê-lo), legitimando-lhe o título de conde que o rei Fernando Magno lhe concedeu, após a conquista de Coimbra em 1064. A filha deste casal, D. Elvira Sisnandes foi mulher de outro nobre aventureiro, Martim Moniz (não é o da conquista de Lisboa) que quis assumir-se como senhor de Coimbra, como sucessor do sogro Sisnando e dos condes de Portugale, por via da sua mulher mas apenas o conseguindo durante dois ou três anos, por condescendência do conde D. Raimundo, foi juntar-se depois às hostes de El Cid, o Campeador, em Valência, até à morte deste em 1098.

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    No entanto, o condado de Portugale ou Portugalense tinha-se tornado uma estrutura autónoma, com linhagem própria que se cimentou ao longo de duzentos anos de continuidade dinástica, desde o primeiro conde, Vímara Peres, presor da cidade de Portugale (Porto), em 868. Isolado no extremo ocidental da Espanha, com possibilidade de expansão para sul, à custa das terras reconquistadas aos mouros, tinha todas as condições para se tornar um Estado independente, caso a oportunidade surgisse e surgiu mesmo. O que já não acontecia com a Galiza que, embora várias vezes reino esporádico por motivo de partilhas entre os filhos do rei, como ainda era uso, nunca foi um condado nem nunca teve qualquer linhagem dinástica a governá-la autonomamente mas sim vários condados e senhores que se guerreavam pelo poder hegemónico que, naquela altura, pertencia ao poderoso conde Pedro Froilaz de Trava, pai do conhecido Fernando Peres de Trava que viria a ser, muito mais tarde, amante da rainha D. Teresa quando viúva do conde D. Henrique.

    O MESMO POVO

    AS MESMAS

    ORIGENS

    Depois da formação do reino de Portugal, no século XII, a Galiza não teve mais hipóteses, uma vez que o território de expansão para sul ficou bloqueado com a fronteira de Portugal. Para oeste e norte, era o mar e de leste veio a pata dominadora dos leoneses e castelhanos. Só a integração em Portugal teria sido natural, dados os laços que os uniam. Afinal eram o mesmo povo, com as mesmas origens e ambos tinham pertencido ao Reino dos Suevos com capital em Bracara! Alguns condes galegos fronteiros desejavam essa integração como os de Toronho (Tui), Cela Nova e Límia que até lutaram, nas hostes do infante Afonso Henriques, contra os Travas e o rei de Leão nas lutas pela independência e pela expansão contra a moirama. O conde Sancho Nunes de Cela Nova que foi cunhado do rei Afonso Henriques, radicou-se em Portugal onde erigiu solar em Rans, Penafiel, com o privilégio de Honra de Barbosa e o seu irmão conde Gomo Nunes de Toronho teve que se exilar, acabando os seus dias num mosteiro cluniacense, em França.

    Mais tarde, o rei de Portugal, D. Afonso Henriques, ainda tentou, por diversas vezes, recuperar Toronho e Límia, na fronteira, porque as considerava sua propriedade pessoal, “ a terra que me pertence” como ele escreveu no seu testamento. Chegou mesmo a erguer um castelo em Celmes, nas terras de Límia mas, após algumas pelejas (Cerneja e bafordo de Valdevez), acordou com o primo Afonso VII e, mais tarde, com o filho deste, Fernando II, seu genro, não invadir mais a Galiza (pelo menos naquela altura), pois a expansão para sul era mais urgente, como o aconselharam seu primo, o rei de Leão e Castela e os seus dapifer curiae ou mordomos-mor Egas Ermiges e Egas Moniz de Ribadouro, até pelo constante assédio dos mouros que, do reino de Badajoz, das praças de Santarém e Lisboa, ameaçavam Leiria, Soure e até Coimbra do seu bisavô Fernando Magno e agora na sua posse.

    É pena que a História de Portugal, ministrada no ensino secundário, pouco ou nada se refira a estes duzentos anos de pré-nacionalidade, tão ricos em acontecimentos empolgantes, dignos até dum filme ou romance de cavalaria do tipo Walter Scott, em vez de dar tanto relevo à saga dos lusitanos, um povo bárbaro, sem escrita, da Idade do Ferro, que não falava a nossa língua, nem professava a nossa religião e pouco teria de comum com o reino que, passados mais de mil anos, se veio a formar com outra gente muito diferente, com outra civilização e noutra realidade histórica. À parte algum ADN que por cá ficou, o único elo foi terem habitado, um milénio antes, em parte do território para onde se expandiram os portugalenses. Estes sim, um novo povo, com sangue germânico e, lá mais para o sul, com algum berbere à mistura, são os nossos directos antepassados quer os historiadores apaixonados pela luta dos povos celtiberos, gostem ou não. E, em breve, já estará tudo diferente novamente com africanos negros, indianos, mauberes de Timor, romenos, eslavos da Ucrânia e da Rússia e, após a invasão chinesa, nada mais restará e outro povo surgirá diferente do actual que, tal como os lusitanos, nem sequer falará a nossa língua e os nossos usos e costumes passarão para museus. De certeza, que este torrão do Ocidente europeu, banhado pelo mar do Atlas, e que hoje habitamos apreensivos, já não se chamará Portugal, graças à utopia multicultural dos mentores da Europa, que nos há-de levar a graves conflitos interculturais.

    Mas voltemos à nossa História...

    Por: Reinaldo Beça

     

     

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