O Melro e a Poupa
A figura vistosa de uma poupa desce sobre um canteiro, na parte alta do Parque Eduardo VII, e começa a revirar as folhas secas à cata de insetos ou outros acepipes.
Um melro, que pousa a seguir, não parece gostar nada da concorrência. Depois de uma mirada atenta, arremete, de asas meio abertas, contra a intrusa, e bica-a no flanco.
- Não me toques! Estás parvo ou quê? Queres que te vaze um olho? - ameaça a agredida, enquanto exibe o afiado bico recurvo.
- Desaparece daqui! Esta é a minha zona. Todos os besouros, abelhões, larvas, vermes é tudo meu - riposta o melro.
- Grande proprietário! É aqui que vens à procura de minhocas? É a tua especialidade, não é? - provoca a poupa.
- Tu é que vens aqui por elas, não tenho dúvidas - devolve o pássaro negro. - Quantas já engoliste hoje?
- Não sejas reles! Eu sou uma senhora.
- Assim vestida? Pareces-me mais uma galdéria.
- E tu! Assim todo de negro, aprumadinho, ninguém duvida que és um nojento papa-minhocas. Das jovens.
- Fica a saber que eu não sou padre, nem juiz, nem praxista. “Soy un cantante. Cantante de flamenco”.
- Ah, ah, ah! - ri a jovem. - Já te estou a conhecer. Tu és o Paco do “Tablao” do Jardim da Estrela. Eu danço sevilhanas no jardim do Campo de Santana. Sou a Carmen. “Encantada”! Uma vez estivemos juntos num espetáculo beneficente pelo controlo de pragas no Jardim Gulbenkian.
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ILUSTRAÇÃO @RODOLFO.BISPO77 |
O melro fica um tanto surpreendido. Não responde logo. Finalmente sorri, amigável.
- Olá, Carmen; já me lembro. Isto é um bocadinho embaraçoso. Então e se fôssemos tomar um trago, para descrispar o ambiente? O bebedouro ao pé do Pavilhão Carlos Lopes está a vazar.
- Está bem. Mas, não tem “dress code”? - ironiza ela.
Paco encaixa o gracejo, ambos riem e, já em boa camaradagem, voam dali para o bebedouro; o melro à frente, a poupa logo a seguir. Ele deixa-a beber primeiro e só depois enfia o bico amarelo na poça de água que se formara junto à base do bebedouro.
- Ah, sabe bem, assim fresquinha - expande-se o melro, o peito negro para fora.
- Vou aproveitar para uma banhoca - anuncia a poupa, avançando pela água adentro e começando a espanejar, espalhando borrifos em todas as direções.
- Ei, cuidado!; olha que eu já tomei banho hoje - reclama o melro, saltando para trás para evitar os salpicos. - E nem sequer tiras a roupa?
- Querias! Mas não preciso. Este vestido tem um tratamento hidrofóbico. Lava-se e está pronto a vestir.
- Se o tirasses, abreviávamos as coisas... - lança Paco, com um sorriso intencionalmente maroto, confiante no ditado “Quem não arrisca não petisca”.
- Um bocadinho de respeito pela colega… - finge amuar Carmen. - De qualquer modo, somos de espécies diferentes. De que valia?
- Há muitas outras valias em passar um bom bocado, para além de constituir família...
A poupa ri, nervosa. Gosta deles atrevidos, mas percebe que tem de ligar o radar anti-abuso.
Sai da água, esplêndida, no seu vestido de sevilhana de cores vivas. O banho deixou-a bem disposta, mas ainda tem o papo a dar horas.
- Sabes o que me apetecia agora? Uns caracóis. Ou então umas joaninhas.
- Hum, deixa-me pensar. Talvez… Ah, já sei. Vamos às hortas comunitárias de Telheiras. Aquele pessoal é todo ecologista; não usa pesticidas.
Depois de uns poucos minutos de voo, pousam no destino. Felizmente, ainda é cedo e os agricultores urbanos só vêm
(...)
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Por:
Joaquim Bispo
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