“Assim foi o meu primeiro São Martinho”
Que me desculpem os mais velhos, mas não me recordo de celebrar esta festa no hemisfério sul. Talvez devido à minha juventude, pois o único interesse era dar uns chutos na bola, na via pública transformada momentaneamente em campo de futebol. Uma sardinhada de vez em quando, quando se arranjavam sardinhas vindas da cidade do Cabo, ainda me lembro. Dos santos populares, nem os nomes, santa ignorância.
Após chegar a Portugal e feita a minha primeira vindima, queixei-me do frio. Um sol enganador, enchouriçado de tanta roupa vestir e aquele frio cortante que descia a encosta do Marão era para mim uma violência. Alguém me diz para meu conforto: Não te preocupes que vem aí o verão de São Martinho. Sorri, mais um a dar-me tanga. O verão já la vai, pensei.
Não havia ainda telemóveis, nem NET, nem computadores, para consultar o Google, mas havia a biblioteca do Liceu. São Martinho, a lenda: Soldado romano de nome Martinho de Tours, que durante uma jornada debaixo de uma tempestade encontrou um mendigo que lhe pediu alimento e não tendo nada para lhe ofertar, cortou com a sua espada a capa que o cobria e ofertou a outra metade ao mendigo. Continuando o seu caminho reparou que a tempestade tinha acabado, tornando-se o dia límpido e de temperatura amena.
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Em Portugal é tradição no dia 11 de novembro realizar o magusto, comendo castanhas assadas acompanhadas de vinho novo ou água-pé. Há até o ditado que diz assim: “No dia de São Martinho, vai à adega e prova o vinho”. Já estava mais esclarecido. Uns dias antes da data, a rapaziada estava numa azáfama, na recolha de lenha, onde se iria surripiar um cesto de castanhas. “O teu avô não tem uns castanheiros? Não, respondi. Mas nas fragas, encosta com os castanheiros do Negro, vais lá e apanhas”. Aquilo não me agradava. Se fosse apanhado tinha castigo pela certa. Valeu-me o Jorge, meu primo. Uma força da natureza, se não era o Ulisses era o Hércules. Poucos ou nenhuns homens tinham a sua força. “Não te preocupes primo, que eu vou ao souto do Doutor e trago um cesto delas”. Agradeci e recomendei cuidado, não fosse ele arranjar problemas. Mas ele era uma pessoa tranquila.
À noite, depois da ceia, no terreiro da aldeia, foi posta a lenha, junto desta o cesto cheio de castanhas e para mitigar a sede alguns garrafões. Uma passagem pelo tasco, para abrir o apetite. A entrada era restrita a homens, nada de mulheres. Nele já se jogava à sueca. Um pouco mais tarde já se discutia. “Olha lá meu asno, se me bates a carta era para eu ir à destrunfa e afinal tu não tinhas trunfos, és burro ou quê?”. O caldo estava entornado. Toca a ir para o terreiro apanhar um pouco de geada para acalmar os ânimos.
A lenha é ateada e nas suas brasas são postas as castanhas. Mesmo antes de estarem prontas para se comerem, já os gargalos dos garrafões tinham passado por quase todas as bocas. Nada de copos, que davam muito trabalho. O frio tinha desaparecido, casacos já espalhados pelo chão. De repente o tempo estava ótimo. Seria milagre de São Martinho? Altas horas da madrugada aparecem as primeiras mulheres; “Ó homem, olha como tu estás! Valha-me Deus. Estás bêbado. Vem para casa. “Risada geral. Boca deste, boca daquele. Um tenta levantar-se, mas já não há equilíbrio. A ajuda que alguém tenta dar é levada como agressão. O caos instala-se. O Jorge para me tentar proteger só gritava. “Fica comigo, fica comigo primo”. Gritos das mulheres, blasfémias dos homens, cães a ladrar, garrafões pelo ar, as poucas castanhas sobrantes são arremessadas como pedras.
De repente chega a Guarda. Dois guardas chegam para controlar este povo. Todos falam e gritam ao mesmo tempo. Um guarda entropeça em algo e cai e a Mauser voa para as mãos do Jorge. Alguém grita que o maluco do Jorge vai disparar. Uns fogem, outros rastejam e ainda outros ficam onde estão, porque já não estão em estado de perceber o que quer que seja. O Jorge ajoelha-se e larga a arma. Levou uma coronhada nas costas do outro elemento da guarda. Metido no Jeep para ir para o posto só dizia
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Por:
Manuel Fernandes
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