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    Arquivo: Edição de 31-05-2021

    SECÇÃO: Destaque


    ENTREVISTA COM O CORONEL ANTÓNIO PENA

    «Disse-me que não me louvava por lhe ter desagradado o meu envolvimento de apoio ao MFA»

    Colaborador há algum tempo de “A Voz de Ermesinde”, o Coronel António Pena tem tido um percurso de vida notável. No Exército foi distinguido com 21 louvores e 12 condecorações. Esta entrevista ajuda a conhecê-lo melhor, mas também a conhecer melhor a nossa história mais recente, nomeadamente o “25 de Abril”.

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    A Voz de Ermesinde (AVE): Numa vida profissional dedicada ao Exército, podemos afirmar que se inspirou no seu pai, também ele militar?

    António Pena (AP): Nasci em 1936, em Vargos, concelho de Torres Novas. O meu pai era furriel na Escola Prática de Cavalaria (EPC). As primeiras três classes fizeram-se em Vargos e a quarta em Pé de Cão, a três quilómetros. Em 1947 exame de admissão ao liceu em Santarém e concurso para os Pupilos do Exército, em ambos aprovação. Recordo a satisfação do meu pai na ida para os Pupilos. A sua influência na minha vida profissional foi importante na organização do trabalho, seu cumprimento com qualidade e na forma de interligar as vivências com subordinados, camaradas e chefias.

    O meu pai era pessoa de bom trato tendo prestígio na terra e no ambiente militar, fomos ambos sargentos na EPC e da mesma turma no 1.º ano do curso de promoção a oficial na Escola Central de Sargentos (Águeda). O meu pai 1ºsargento (48 anos) do ramo automóvel do Serviço de Material e eu sargento-ajudante (24 anos) do ramo elétrico, radioelétrico e eletrónico, também do Serviço de Material.

    AVE: Entrou nos “Pupilos do Exército” aos 11 anos. Mas nem tudo correu bem! Quer contar-nos essa história?

    AP: Na altura do ingresso, o curso dos Pupilos, bacharelato de engenharia, era afamado, com oferta de trabalho bem remunerado.

    Entretanto o regime ditatorial em nov1948 publica um decreto alterando o plano de estudos, atingindo os alunos que já frequentavam o Instituto desde 1944/45, saídas em 1952, 1953 e 1954, aplicando-se a quem já estava no Instituto a frequentar cursos diferentes A questão de 1948 foi fascizante e tem merecido diversas análises. O curso terminou em 1954, éramos 15, todos ingressámos no Exército como 2ºsargento ou na Força Aérea, como furriel. Alguns já não estão connosco, recordo o primeiro que morreu por ser de Ermesinde, Alberto Lopes, tinha ingressado na Força Aérea, a morte ocorreu em acidente aéreo. No opúsculo, “Finalistas de 1953/1954”, nos versos e desenhos da caricatura: “ERMEZINDE→” e “Cooperativa – Vamos ao baile”.

    A mudança nunca devia ter sido aplicada a quem já estava no Instituto noutros cursos a sua aplicação só devia ter começado no ano letivo 1949/50.

    Pelos afazeres, promoções (ingresso na carreira de oficial) e saídas para a vida civil, grande parte destes jovens foi esquecendo. Na sequência da injustiça e por ter sido, nos últimos dois anos de curso, agredido por um colega mais velho, deixei o Instituto na primeira data possível, 31 de março de 1954, só lá entrando de novo depois do “25 de abril de 1974”. O Instituto ajudou-me na formação de valores e atitudes que me permitiram obter vitórias, lidar com sucessos e aguentar, com resiliência, preconceitos negativos até de agora. Aos Pupilos devo humildade, espírito de sacrifício e lealdade rodeando Querer é Poder, qualidades vitais a um oficial técnico, estudante trabalhador ou professor de idade.

    MAIO DE 1981, ANIVERSÁRIO DOS PUPILOS DO EXÊRCITO. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, GENERAL RAMALHO EANES, MOSTRA-SE MUITO INTERESSADO NOS AFAZRES DO TENENTE-CORONEL ANTÓNIO PENA
    MAIO DE 1981, ANIVERSÁRIO DOS PUPILOS DO EXÊRCITO. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, GENERAL RAMALHO EANES, MOSTRA-SE MUITO INTERESSADO NOS AFAZRES DO TENENTE-CORONEL ANTÓNIO PENA
    AVE: A sua atividade profissional como militar começou em 1954, aos 18 anos. Fale-nos dessa “aventura”, da sua razão de ser e explique aos nossos leitores a importância da especialidade “Transmissões”.

    AP: Maio de 1954, curso de radiomontador dos Pupilos terminado em 31 de março, colocado na Escola Prática de Infantaria. As forças policiais da União Indiana, em julho de 1954, ocuparam os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli. A resposta resultou no envio de razoável contingente de Forças Armadas onde se incluiu o Batalhão de Caçadores de Vasco da Gama, mobilizado na EPI. Em 08set1954 partimos no navio Serpa Pinto. Na minha terra a mobilização foi de tristeza com despedidas a quem ia para a morte. Na véspera da partida de Mafra, pai, mãe, as duas irmãs e o tio, foram despedir-se rezando o terço durante a viagem. Em Mafra envolvimento semelhante, missa, discursos e carinhos. Embarque e viagem pelo Canal do Suez, tempo ocupado com instrução, algumas distrações e festa final onde foram premiados o militar mais velho e o mais novo (2ºSarg Pena). O Batalhão ficou instalado em Alparqueiros/Vasco da Gama. Os ambientes militar, social e cultural eram bons, facilidade no correio para pais, irmãs, namorada, familiares, amigos e madrinha de guerra.

    A designação de Ultramar em substituição de Colonial aconteceu em 1953, mas na carta de 24out54 referia estar bem na Colónia, designação que nunca mais utilizei.

    Muito trabalho, acumulação com as BatArt, logo me parecendo que os indianos não libertavam o território nos próximos dois anos. Avancei com preparação para concorrer à Escola do Exército. Entretanto requeri para ser incluído nas escalas de serviço dos sargentos de Infantaria, nas rondas e não cumprir a sesta em dois dias semanais para dar explicações aos radiotelegrafistas para fazerem o curso liceal. O Cmdt não tinha competência para resolver, mas o escalão superior decidiu não fazer sargento da guarda nem de dia, mas rondas e explicações, sim.

    Tudo corria bem nos quartéis e no ambiente social de Vasco da Gama, mas acontecem duas surpresas, transferência para a Companhia de Engenharia (Pangim) e abertura de concurso para 1ºSarg, resultando existência da preparação para concorrer à Escola do Exército. Quanto à especialidade de Transmissões foi sempre da maior utilidade antes e depois da Guerra do Ultramar, tendo a Arma sido criada em 1970. Agora importa salientar o presente e perspetivar o futuro. A revolução tecnológica nas áreas de computação quântica, internet e conexão global, ou seja, robotização associada à inteligência artificial, alteram a forma como se desenvolve e conduz a guerra. A substituição física do combatente por programadores de algoritmos e plataformas de combate, reduzem a presença física do ser humano no campo de batalha. Neste cenário a capacidade de controlo à distância dá prioridade à técnica sobre a coragem física, capacidade que se desenvolve nas Transmissões.

    AVE: Brilhante e longa carreira militar (1954-1996, dos 18 aos 60 anos de idade), de 2.º Sargento a Coronel. No tempo da Guerra do Ultramar, passou por Angola (1966/1968) e Guiné-Bissau (1970/1972). Que memórias guarda dessa Guerra?

    AP: O ter estado na Índia (1954/57); numa ação técnica em Paris (out/nov/dez1958), sistema de comunicações da Autometralhadora Panhard; conhecer o que se ia passando em Moçambique e Angola, onde viviam tios e primos e o ambiente político de Santarém, levou-me a calcular que o sistema não se ia manter, por isso não me causou espanto o que aconteceu em 1961. Ao partir para Angola em 1966 e para a Guiné em 1970, a despedida de choro e rezas de 1954 para a Índia foi substituída por ter levado a família. Para Angola à boleia da mulher (os militares só podiam ser acompanhados pela família se fossem voluntários), licenciada em Ciências Biológicas, foi contratada pelo Ministério do Ultramar para professora de ensino secundário em Luanda podendo ser acompanhada, como foi, por pais, filhos e uma trabalhadora doméstica. Em 1970 já nos podíamos fazer acompanhar pela mulher e filhos e assim aconteceu. Quanto a idas, estadias e regressos, saliento o que aconteceu em Bissau. Na p. 198 do livro “Diário da Liberdade” de Aniceto Afonso (1995), está registado, “9 de Junho – 1971. Primeiro ataque do PAIGC a Bissau”. Nessa altura, estando a terminar o ano letivo, tratei logo de conseguir o regresso da mulher e filhos, por me ser evidente que a Guerra se ia agravar.

    As memórias dizem-me que os oficiais ajudaram a mantê-la, envolveram-se nela, aqui na Instrução e Mobilização, lá nas Operações e Logística, mas também recordo que o início da Revolução de Abril e a sua preparação, foram assumidas por oficiais do Exército.

    CHEGADA À ÍNDIA PORTUGUESA NO AVIÃO SERPA PINTO (SETEMBRO DE 1954)
    CHEGADA À ÍNDIA PORTUGUESA NO AVIÃO SERPA PINTO (SETEMBRO DE 1954)
    AVE: Quando se deu o “25 de Abril” era Capitão na Escola Militar de Eletromecânica, em Paço de Arcos. Pelos seus artigos, sabemos que conhece os antecedentes da Revolução dos Capitães. Quer falar-nos dos antecedentes, que levaram à Revolução Política?

    AP: O Movimento dos Capitães surge na sequência de dois decretos de 1973, julho e agosto, facilitando a passagem de oficiais do quadro especial ao quadro permanente nas Armas de Infantaria, Artilharia e Cavalaria, prejudicando os capitães e subalternos do quadro permanente. Na reunião de Óbidos, dez1973, começa a Revolução com a alteração política e convite aos generais Costa Gomes e Spínola. Depois, fev1974, surge o livro “Portugal e o Futuro”, que provoca adesão ao Movimento de mais oficiais do conjunto que não era prejudicado com os decretos. Na reunião de Cascais, 05março1974, aprova-se o quadro político escrito por Melo Antunes, “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”. A partir daqui já não havia dúvidas em relação à necessidade de alterar a situação política, embora por falta de uma liderança se sentisse que existiam duas ou três hipóteses para a sua organização.

    Em março/abril de 1974 quase todos os capitães e muitos majores do Exército, oriundos da Academia Militar estavam com o MFA. Na minha unidade, Escola Militar de Eletromecânica, do conjunto de capitães e subalternos oriundos das academias militares, quase todos engenheiros, do Exército e da Força Aérea, apenas se notava não haver apoio de um capitão do Exército. No entanto do conjunto de capitães e subalternos dos quadros técnicos e oficiais superiores, apenas três oficiais do Exército (dois capitães e um alferes os três ex-alunos dos Pupilos) e três capitães da Força Aérea mostraram oficialmente que estavam com o MFA. Depois dos acontecimentos de 5 de março (Vasco Lourenço para os Açores) todos os oficiais técnicos foram desafiados a envolver-se no MFA, mas apenas três do Exército e três da FA corresponderam tendo sido de imediato levantado auto de averiguações individual por determinação do QG/GML. A partir desse dia até 25 de Abril, em especial depois do 16 de março (Caldas da Rainha), sofri as maiores ofensas, devido a ter apoiado os jovens oficiais oriundos das academias militares, por parte do tenente-coronel, Engenheiro da Arma de Transmissões, 2ºCmd da Escola. Quando no início de janeiro de 1975 recebi a guia de marcha por ter sido colocado no Colégio Militar o Comandante, coronel Engenheiro da FA, disse-me que não me louvava por lhe ter desagradado o meu envolvimento de apoio ao MFA, afirmou que o tinha traído sendo o mais antigo dos seis oficiais técnicos envolvidos e que até estava de Oficial de Dia.

    Na madrugada de 25 de Abril aconteceu, organização, coragem, determinação, decisão e comando, para a Ordem de Operações se cumprir com sucesso, mas foi muito difícil chegar a esse Dia.

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    AVE: Sabemos que acompanhou de perto o PREC (1974-1975), tendo sido mesmo Oficial de Comunicações/Transmissões do Comando Operacional do Continente (COPCON). Como interpreta essa fase da Revolução de Abril?

    AP: O ambiente resultante do Documento dos Nove (agosto) e do Projeto Aliança Povo – MFA (julho) provocou divisões no COPCON saindo alguns oficiais. Os textos eram muito diferentes sendo criados, o primeiro por oficiais moderados e o segundo por dois conjuntos politicamente diferentes, Gabinete de Dinamização (EME) e COPCON.

    Naqueles dias o que me pareceu por parte do general Otelo Saraiva de Carvalho e do coronel Chefe do Estado-Maior, Artur Baptista, consistiu em se terem apercebido que não havia nada a fazer contra a dinâmica militar resultante do Documento dos Nove. Outra sensação tem a ver com o Projeto Aliança Povo – MFA, não agradar.

    Um assunto que ainda não encontrei aprofundado em livros sobre o 25Nov1975 tem a ver com o general Otelo ter procurado, dando ordens, que o Corpo de Fuzileiros ficasse quieto, não deviam fazer nada.

    Quando o COPCON foi extinto, 27nov, exigi receber guia de marcha para o EME como os outros oficiais e não para o Colégio Militar como se pretendia por estar em acumulação. No EME, onde cheguei à noite, fui bem recebido e mandado apresentar na Direção da Arma. Também fui recebido com simpatia pelo Diretor, brigadeiro Sanches da Gama e mandado para o Colégio Militar onde nessa noite me apresentei e logo o Subdiretor me nomeou para Oficial Superior de Serviço no dia seguinte.

    Como se mostra na entrevista considero vital à Democracia Portuguesa ter havido o 25Nov1975.

    AVE: Num dos seus artigos propôs algumas promoções de militares ligados ao “25 de Abril” que poderão ser polémicas, nomeadamente a de Otelo Saraiva de Carvalho, a Tenente-General. Quer justificar?

    AP: Quanto ao Otelo, do artigo salienta-se: “Na madrugada de 25 de Abril aconteceu, organização, coragem, determinação, decisão e comando, para a Ordem de Operações ter sido cumprida com sucesso”. Para haver distinção especial com promoção a tenente-general, para além da proposta no artigo, “Democracia e Liberdade”, publicado no JN de 24abr1999, véspera da comemoração dos 25 anos do 25 de Abril e desta continuação, importa haver estudo da proposta e decisão.

    Procedimento semelhante terá de haver para as outras três promoções. Salgueiro Maia a brigadeiro-general e Melo Antunes a major-general. Quanto a Vasco Lourenço a major-general ou tenente-general, bem merece as três estrelas, sem a ação dele não tinha havido Revolução em 1974/1975, a sua determinação entre junho de 1973 e princípios de março de 1974 é de Honra e Glória. Apenas está tudo estudado em relação à quinta proposta, acesso do General Ramalho Eanes ao título de Marechal do Exército, como dignidade honorífica do Estado Português.

    (...)

    leia esta entrevista na íntegra na edição impressa.

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    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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