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    Arquivo: Edição de 15-12-2018

    SECÇÃO: Desporto


    ENTREVISTA

    Tertúlia (da bola) com o antigo jogador e treinador do Ermesinde SC José Augusto

    Publicamos nesta edição um excerto de uma entrevista realizada pela equipa do poadcast Tertúla da Bola, em parceria com A Voz de Ermesinde. Tertúlia da Bola é um projeto criado por jovens entusiastas do futebol, que semanalmente convidam uma antiga estrela futebolística no sentido de esmiuçar/recordar pormenores e/ou histórias sobre as respetivas carreiras desportivas. A Voz de Ermesinde foi contactada pelos criadores do Tertúlia da Bola, que nos deram conta do seu interesse em publicar nas páginas do nosso jornal algumas entrevistas com ex-atletas e ou treinadores do Mundo do Futebol que tenham raízes na nossa cidade. Convite aceite.

    E o primeiro convidado foi José Augusto, atualmente comentador desportivo da Rádio 5, mas que enquanto jogador e mais tarde como treinador passou pelo antigo Ermesinde Sport Clube. Numa entrevista conduzia por Tiago Alves (um dos jovens fundadores da Tertúlia da Bola), José Augusto falou do seu percurso no futebol, com especial incidência no período em que envergou as cores do clube da nossa Cidade.

    Fotos ARQUIVO PESSOAL JOSÉ AUGUSTO
    Fotos ARQUIVO PESSOAL JOSÉ AUGUSTO
    Tiago Alves (TA): Surge como futebolista em fi­nais dos anos 70 num FC Porto em transição, em termos de futebol formação e de futebol sénior. Dava-se na época o início da hegemonia do FC Porto no futebol português. Que diferenças constatou no FC Porto, desses anos, em termos de metodologia no futebol?

    José Augusto (JA): Era o meu primeiro ano de sénior, era tudo novo para mim. O que eu notava é que os jogadores que já lá estavam desde os 8, 9, ou 10 anos tinham outra cultura tática. Notava-se que tinham anos de futebol. Quanto ao FC Porto sénior, que nós acompanhávamos, estava numa fase de evolução com José Maria Pedroto, uma figura que revolucionou o clube e o futebol, naturalmente com o apoio do clube. Pedroto foi uma pessoa determinante no clube, porque fez escola, e indicou o caminho (do futuro) ao presidente. Era uma pessoa acima da média para a época. Era alguém com visão de presente e de futuro, e naturalmente projetou o FC Porto para aquilo que viria a ser, isto é, um clube ganhador, onde o problema de “atravessar a ponte” deixou de existir. O FC Porto passou não só a jogar para ganhar a nível nacional, como a nível internacional. Quer a sul, quer a norte, entrava sempre para ganhar. Foi um tipo de mentalidade que se alterou no clube e que teve continuidade com outros treinadores, que foram melhorando essa mentalidade vencedora.

    TA: Depois, já no futebol sénior, esteve muitos anos (entre as épocas de 1980/81 e 1990/91) ligado ao Valonguense, uma equipa que nessa altura jogava num campeonato muito competitivo, na segunda divisão Zona Norte. Como foi possível ao clube de Valongo estar então num patamar tão competitivo, em contraponto com os dias de hoje, em que passa muitas dificuldades (?)...

    JA: O Valonguense era o único clube que trabalhava num modelo não profissional [na 2ª divisão], treinávamos ao fim do dia, por exemplo. No entanto, o clube tinha uma geração muito forte na qual se foi aproveitando os jogadores da casa, que eram acessíveis financeiramente. Faziam-se apenas algumas aquisições, necessárias para uma competição que contava com equipas como o Leixões, Paços de Ferreira, Penafiel, Gil Vicente, Feirense e o extinto Riopele. Nessa altura o Valonguense conseguia passar alguns campeonatos sem derrotas em casa!

    TA: Chegou a terminar até na primeira metade da tabela classificativa…

    JA: Exatamente, chegámos a terminar a meio da tabela, o que para um clube com poucas condições, onde o futebol era totalmente diferente, foi um facto assinalável. Na época, existiam campos pelados e campos relvados, e uma coisa era jogar em campo relvado e outra em pelado. E para nós era uma vantagem jogar em casa [pelado], pois era um futebol diferente, baseado no talento individual dos jogadores, na capacidade técnica dos jogadores que jogavam do meio-campo para a frente. Era um estilo de jogo agressivo e até de alguma violência, sendo que os árbitros eram mais condescendentes.

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    TA: A dada altura (91/92) vai para o Ermesinde Sport Clube, um clube muito diferente do que é atualmente. Esta coletividade encontrava-se então na 2ª Divisão/Zona Norte. Sentiu muitas dificuldades para se manter no 2.º escalão (?), visto que a realidade do Ermesinde não era muito diferente de outros clubes, sendo aliás um caso parecido com o Valonguense (?)

    JA: Sim, mas o Ermesinde é um clube de uma cidade que tem muitos habitantes e tem muitos adeptos. Nós estivemos a jogar fora na primeira metade da época, porque o campo estava em fase de arrelvamento, e tivemos muitas dificuldades. Mas quando o campo ficou relvado e voltamos para lá, só perdemos uma vez em casa! A equipa até era forte e era um clube profissional, com treinos de manhã e de tarde, porém as condições de treino eram difíceis, porque treinávamos num pelado e já na altura era obrigatório os jogos serem em relva. A partir do momento em que o nosso campo ficou relvado, garantimos a manutenção com muita dificuldade. Mas era um clube totalmente diferente, tinha ambição. Mesmo quando estávamos a perder, acreditávamos sempre que podíamos ganhar.

    TA: Era um clube com uma cultura muito própria…

    JA: Sim, era um clube ganhador e que apesar de ser da dimensão do Valonguense e do Sport de Rio Tinto tinha outro tipo de mística e de acompanhamento. Pode-se dizer que o Ermesinde quase sempre jogava em “casa”, porque tinha uma massa adepta que o acompanhava e apoiava muito o clube quando este atuava fora do seu reduto. E penso que esse forte apoio ainda hoje se mantém.

    TA: Considera-se um “filho da terra” de Valongo e por isso esteve ligado muitos anos ao clube. Todavia, tinha uma situação profissional que o mantinha por perto. Como conciliou essas duas situações?

    JA: Essencialmente gostava do clube e pude também conciliar com o trabalho. Houve uma altura por volta dos 19, 20, ou 21 anos, onde quase todos os clubes da zona norte me convidavam: o Paços de Ferreira, o Famalicão, o Leixões, o Salgueiros, e alguns clubes que estavam na 1.ª Divisão Nacional, como o Marítimo, por exemplo. Eu optei quase sempre pelo Valonguense, não por questões financeiras, porque iria ganhar muito mais se fosse para outro clube, mas porque o meu pai também me influenciava muito e dizia que o emprego que eu tinha na Câmara Municipal de Valongo era mais seguro e... de futuro. Não deixou de ter razão, mas hipotecou a possibilidade de eu perceber se poderia jogar a outro nível. Faltou-me jogar na 1.ª Divisão e se fosse hoje eu teria aceite essas propostas, quanto mais não fosse pela experiência. Nunca o fiz, sobretudo pela segurança que o emprego na Câmara me deu.

    TA: A sua paixão pelo futebol nunca deixa de estar presente, mesmo depois de acabar a carreira, optou por ser treinador. Começou a carreira no seu Valonguense, novamente, mas passou também pelo Ermesinde, entre 2004 e 2006 . Em Ermesinde tem duas épocas bastante boas, sendo que na segunda verifica-se um crescimento enorme do clube, que luta para subir de divisão, apesar das dificuldades financeiras…

    JA: Exatamente. Na altura tinha treinado os iniciados do Ermesinde e tínhamos ganho a taça da Associação de Futebol do Porto. Ganhamos na final ao Rio Ave, que tinha equipa no nacional [1ª divisão]. No ano seguinte fui coordenador da formação do Ermesinde, numa altura em que o clube teve problemas financeiros e deixou de investir na contratação de jogadores de fora. Na altura, o clube conseguiu constituir uma nova direção que conhecia muito bem o meu trabalho, e entenderam que eu devia ficar. Na altura eu só tinha o 1º nível [de treinador] e cheguei a dizer-lhes para optarem por outra pessoa, mas eles insistiram que tinha de ser eu a pegar na equipa principal, como viria a acontecer. Na primeira época tivemos algumas dificuldades, tínhamos 13 jogadores da formação e o clube pagava um máximo de 300 euros aos jogadores. Completamente diferente dos 2000/1500 euros que tinha pago no ano anterior, na 2ª divisão B. E na segunda época fizemos uma temporada já com alguns miúdos, e recordo que cheguei a jogar com um menino de 15 anos, o Mendes, que agora é jogador do Famalicão. Na altura foi vendido ao Braga. Jogavam também dois juniores, o Leça e o Paulo, e mesmo assim ficamos em 4º lugar, muito perto da subida. Os jogadores ficaram com quatro meses de ordenados em atraso, cheios de problemas. Fizemos uma época fantástica e isso penso que foi o que fez com que eu assumisse que quereria ser mesmo treinador.

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    TA: Para finalizar, não sei se nos consegue contar uma história de balneário, que ache curioso partilhar…

    JA: No futebol existem muitas histórias. Tenho algumas como treinador e outras como jogador, naturalmente. Como jogador, posso referi-lo, a diferença de tipo de treino dos anos 80-90 para agora, era tão diferente. Em Valongo temos o monte de Santa Justa, íamos de autocarro para lá depois do treino, o técnico era o professor Pedro Nery. Ele dava-nos ali uma “tareia” de duas horas e nesse dia combinou com o motorista do autocarro vir embora e nós teríamos de regressar a correr ou a passo. Então acaba o treino, nós exaustos, de rastos [os treinos eram até à exaustão], e ele [Pedro Nery] vira-se para o pessoal e diz: «O autocarro não vem, disse-lhe para estar aqui às X horas. Bem, é melhor irmos indo, quem quiser vai a pé, vão da maneira que quiserem. Eu vou começar a correr, quem quiser vem comigo, mas quem não entender assim vai como quiser». Cheguei à estrada principal e passou um amigo meu de carro, que me deu boleia. Então o professor Pedro Nery quando chegou ao balneário, eu já tinha tomado banho (risos). Ele vira-se para mim e diz: «Então?», e eu «Então o quê mister? O mister disse para virmos como quisermos, por isso eu vim de carro? [gargalhadas]. Ele ficou sem palavras. Como treinador também tenho algumas histórias curiosas, com dirigentes, umas tristes, outras alegres. Posso contar uma no clube onde estive mais anos, no Aliados de Lordelo, onde nós acabamos por ficar nos seis primeiros na fase regular da nossa divisão, mas a alguma distância em relação aos primeiros. Houve um dirigente que me disse; «Mister, agora vamos jogar com os juniores, para pouparmos dinheiro, uma vez que já não subimos». Eu disse: «Não, nós vamos subir». ao que ele responde «Mister, não brinque comigo». O que é certo é que na fase final nós ganhamos oito jogos, empatamos um e perdemos outro e subimos de divisão.

    TA: É a magia do futebol, porque se tivesse optado de outra forma…

    JA: Exato, se eu fosse influenciado pelo que disse o dirigente, o clube tinha poupado muito dinheiro, porque mandaria alguns jogadores embora. Ou a maioria, os mais caros, mas perderia a hipótese de ter subido de divisão.

    Nota: Esta entrevista pode ser ouvida na integra no poadcast Tertúlia da Bola. Para aceder à entrevista consulte a seguinte página: https://www.facebook.com/tertuliadabola/

     

     

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