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    Arquivo: Edição de 15-09-2017

    SECÇÃO: História


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    A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL TEM CEM ANOS (29)

    Há cem anos houve uma sangria de homens em Portugal

    A população portuguesa, que na última década do século XIX (logo após a debelação da crise financeira de 1890) e na primeira do século XX (até à implantação da República), tinha conhecido um assinalável crescimento demográfico, viu esse ritmo positivo da evolução da sua população diminuir substancialmente no decurso da segunda década do século XX, sobretudo na sua segunda metade, muito por culpa da Guerra, mas também da Pneumónica e da Emigração. Hoje vamos falar, sobretudo, da emigração que se fez na conjuntura da Guerra, para a nossa aliada Inglaterra.

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    Em 1890, Portugal rondava os 5 milhões de habitantes, mas em 1911, já éramos quase 6 milhões (5,9 milhões), o que representa um crescimento demográfico na ordem dos 20% em 20 anos. Contudo nos 10 anos seguintes, o número de portugueses só aumentou 100 mil pessoas (6 milhões), o que representa pouco mais de 1,5% em 10 anos. Este diminuto crescimento da população portuguesa decorre de três razões que se agravaram mais na segunda metade da década de 1910: a 1.ª Guerra Mundial (1914-1918, sendo que a partir de 1917, mais de 50 mil expedicionários portugueses rumaram à "Frente Ocidental"); a Pneumónica (também chamada "gripe espanhola", que matou dezenas de milhares de pessoas nos anos de 1918 e 1919, causando maior número de mortos entre os portugueses do que propriamente a Guerra. Houve regiões de Portugal onde morreram mais de 10% da sua população); e a Emigração (a maior parte dos portugueses emigrava para o Brasil e Estados Unidos da América, e, depois da Guerra, também para a Argentina e Venezuela). Contudo, durante a 1.ª Grande Guerra, houve saída de muitos dos homens válidos que não foram mobilizados para a Guerra, para trabalharem na Inglaterra, como serradores, carpinteiros e outras profissões do género, em substituição dos ingleses que desempenhavam esses ofícios e que tinham sido recrutados para o conflito.

    Para este baixo crescimento populacional da 2.ª década do século XX também contribuiu a elevada taxa de mortalidade infantil, demonstrando como naquele tempo os serviços de saúde pública ainda eram muito débeis num país que mantinha um perfil predominantemente rural.

    A população trabalhadora rondava os 50% e entre as mulheres, trabalhavam cerca de 25 %. A maior parte delas estava ligada às atividade domésticas, não trabalhando fora do ambiente familiar. A população portuguesa das primeiras décadas do século XX, distribuía-se maioritariamente pelas duas cidades mais importantes de Lisboa e Porto e eram também os distritos da faixa ocidental que tinham maior densidade populacional, pois aí viviam mais de 50% da população portuguesa (Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa e Setúbal). Estes 8 distritos correspondem sensivelmente a um terço da área de Portugal continental.

    Dada a pequenez, em termos populacionais do nosso país há um século, Portugal teve de fazer das tripas coração para conseguir abastecer com homens e equipamento militar, em permanência, as três frentes de Guerra em que interveio: Angola, Moçambique e Flandres. Mais de cem mil homens foram recrutados para as fileiras do exército e como se tal não bastasse, e não fosse já sangria bastante para se fazer notar ao nível da produtividade agrícola e industrial, e ao nível da própria estrutura familiar, ainda saíram milhares de homens para trabalhar em países estrangeiros, nomeadamente em França e na Inglaterra.

    Num dos jornais que consultámos encontramos várias referências a estes milhares de emigrantes portugueses que as necessidades da Guerra atraíram. No diário republicano conservador "A Opinião" (de 25 de julho de 1917) que se publicava em Lisboa, encontrámos, logo na primeira página, a divulgação do conteúdo de um prospeto publicitário, que era distribuído em várias feiras/mercados semanais por todo o país (este foi recolhido na Feira de Santo Tirso), onde eram amplamente anunciadas as enormes vantagens em ir trabalhar para o estrangeiro, neste caso para a Inglaterra.

    Os maiores benefícios garantidos eram as viagens grátis até ao local de trabalho, fornecimento de casa, cama e roupa para a cama, alimentação desde Lisboa até ao local de trabalho e a possibilidade de ganharem duas libras de ouro, por semana, ou até mais. Para as famílias depauperadas por tantos sacrifícios e privações, que tivessem homens válidos esta oferta sabia a "sorte grande".

    Aí vai o conteúdo desse folheto "miraculoso": "Passagens Gratis / Para a / Gran-Bretanha / (Inglaterra) / Concede-as a Agencia Annibal / Vieira D'Abreu, Suc. / Rua do Loureiro, 40 - Porto / (Em frente á Estação de S. Bento).

    O governo inglez necessita de serradores, carpinteiros e outros individuos habilitados a trabalhar em serviços semelhantes, que se encarreguem de cortar arvores e traçal-as.

    O recrutamento d'estes individuos é feito em Portugal e o governo inglez oferece as seguintes vantagens:

    1.º - Viagens gratis até ao local de trabalho em Inglaterra desde a estação do caminho de ferro da cabeça de Districto, e ali, casa, cama e roupa para a cama bem como alimentação desde Lisboa até ao local de trabalho.

    TROPAS PORTUGUESAS DESEMBARCANDO EM BREST (FRANÇA) - "ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA" DE 5 DE MARÇO DE 1917
    TROPAS PORTUGUESAS DESEMBARCANDO EM BREST (FRANÇA) - "ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA" DE 5 DE MARÇO DE 1917
    2.º - Ordenado mínimo de UMA LIBRA OURO, por cada semana de trabalho, sendo o trabalho diario de 9 horas, mas se trabalharem mais horas, estas serão pagas á parte e por maior preço.

    Os contratados podem querendo, trabalhar por empreitada e n'este caso pódem ganhar DUAS LIBRAS OURO por semana e mais.

    Podem seguir para aquele paiz / 1.º - Todos os individuos que se encontrem isentos definitivamente do serviço militar, o que devem provar com a sua resalva(sic) militar. / 2.º - Todos os individuos que embora não se encontrem isentos definitivamente do serviço militar, mostrem pela sua caderneta militar (documento que devem apresentar) ter mais de 31 annos. N'este numero estão comprehendidos aqueles que tendo sido presentes ás juntas da revisão ficaram apurados ou foram isentos condicionalmente, isto é, estes também pódem seguir desde que tenham mais de 32 annos. / 3.º - Todos os individuos com mais de 45 annos e menos de 52 que se verifique terem a robustez precisa. Estes devem ser portadores da sua certidão de edade devidamente reconhecida, se esta não fôr do Registo Civil.

    Como esclarecimento devemos declarar que todos os indivíduos que seguiram para Inglaterra aproximadamente ha 10 mezes teem mandado para suas famílias quantias que variam entre 500$000 e 600$000 réis".

    Eram dados, depois, esclarecimentos concretos para os interessados saberem onde podiam encontrar os encarregados pelo representante do governo inglês do recrutamento de trabalhadores portugueses para emigrarem para Inglaterra.

    No caso dos eventuais interessados da região de Santo Tirso, os folhetos distribuídos davam os seguintes esclarecimentos complementares:

    "O agente encarregado pelo representante do governo inglez de recrutamento de trabalhadores para Inglaterra, encontra-se todas as segundas-feiras na Vila de Santo Tirso, na relojoaria do sr. Avelino Carneiro Pinto para fazer os contractos dos indivíduos que queiram seguir para aquele paiz e dar as informações precisas. Os contractados teem de apresentar seis retratos em ponto pequeno para colar nos passaportes e nos restantes documentos do contracto. Há ainda uma pequena despeza a fazer que por diminuta não se menciona".

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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