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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-07-2017

    SECÇÃO: História


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    A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL TEM CEM ANOS (28)

    Turismo de Guerra

    Aqueles que foram os principais palcos europeus da 1.ª Grande Guerra têm atraído muitos turistas que têm curiosidade em ver as marcas deixadas por esse primeiro grande conflito que, iniciado na Península Balcânica, se estendeu a praticamente toda a Europa e envolveu dezenas de países e milhões de combatentes. No contexto da evocação do seu centenário esta atração turística aceita-se como perfeitamente normal. O que mais surpreende, e esse é o motivo do apontamento de hoje, é que ainda a Guerra estava em curso, e estaria, e já havia quem antevisse lucros com o turismo de guerra, mal ela terminasse.

    CEMITÉRIO PORTUGUÊS DE RICHBOURG E PLACA DE HOMENAGEM DOS ATUAIS PRESIDENTE DA REPÚBLICA E PRIMEIRO MINISTRO PORTUGUESES
    CEMITÉRIO PORTUGUÊS DE RICHBOURG E PLACA DE HOMENAGEM DOS ATUAIS PRESIDENTE DA REPÚBLICA E PRIMEIRO MINISTRO PORTUGUESES
    Numa conjuntura de evocação daqueles que foram protagonistas e vítimas da Guerra de há cem anos, há muita gente que ruma aos locais onde há ainda marcas do primeiro conflito mundial.

    Uns fazem-no apenas como um destino turístico, para satisfazer a curiosidade de estarem nos mesmos sítios, onde há cem anos se viviam cenas infernais de destruição, carências de toda a ordem, dor e morte; outros por interesse histórico e recolha de dados para enriquecerem o seu conhecimento acerca desse confronto bélico; outros, sobretudo governantes e estadistas dos países que mais diretamente se envolveram na 1.ª Guerra Mundial, para homenagear aqueles que deram a vida pelo seu país.

    No caso português, foram cerca de 75 mil homens que deixaram as suas famílias, as suas terras e os seus trabalhos e ocupações, em praticamente todas regiões de Portugal para serem enviados para frentes de combate contra os alemães, tanto para a França, a partir de 1917, como para Angola e Moçambique, logo após a declaração de Guerra na Europa, no verão de 1914.

    Em termos climáticos, deixaram o ambiente temperado que conheciam desde o nascimento, para enfrentarem temperaturas gélidas e ares húmidos na Flandres ou calor escaldante na África, com vestuário e calçado quase sempre impróprio para aqueles ambientes. Na França os nossos soldados sofreram ataques de gás, sobretudo de cloro e mostarda e foram vítimas de doenças contraídas nas trincheiras; em Angola e Moçambique muitos morreram de doenças intestinais, como a disenteria. Todos os que sobrevieram ficaram tragicamente marcados pela guerra até ao fim dos seus dias, e muitos, por causa dos sofrimentos da guerra, morreram precocemente.

    Tudo isto justifica o interesse que milhares de pessoas, entre as quais se incluem naturalmente muitos portugueses também, manifestam na visita aos locais da Guerra (zona de trincheiras, localidades onde se deram batalhas, ou locais de sepultamento dos soldados que morreram durante a Guerra e que, para sempre, ficaram longe das suas famílias e das suas pátrias). Entre os sítios mais procurados pelos portugueses estão o cemitério de Richebourg (onde estarão enterrados 1831 soldados portugueses; neste mesmo local existe, desde 11 de junho de 2016, uma placa de homenagem dos atuais Presidente da República e Primeiro Ministro de Portugal), mas também a localidade de Bethune e o Museu de Fromelles, bem como a cidadela de Lille onde estiveram, como prisioneiros, muitos soldados portugueses.

    Já na parte belga, na cidade de Ypres/Ieper, cujos habitantes sofreram um enorme ataque com gás, vem-se realizando, a propósito do centenário da 1.ª Grande Guerra, todos os dias, às 20 horas, uma cerimónia de homenagem aos mortos dessa terrível Guerra, com a deposição de uma coroa de flores no memorial que aí se edificou. Existe também um Museu que recorda os principais acontecimentos bélicos que tiveram lugar nessa Frente e vários estabelecimentos comerciais que alimentam o denominado "turismo de guerra".

    Não deixa pois de ser curioso que, ainda no decurso da Guerra, houvesse já quem pensasse no turismo de guerra, que haveria de surgir logo após o seu termo.

    O jornal "República" de 16 de julho de 1917, logo no centro da sua primeira página, traz um artigo com os seguintes títulos e subtítulos: "Para depois da Guerra / A corrente de turismo para os campos de batalha / Um plano de grande alcance educativo e financeiro". No texto da notícia, pode ler-se, a este respeito, as seguintes passagens:

    "A França preocupada como já anda com o problema da regeneração nacional após a guerra, procura com antecedência gizar o plano mais profícuo do caminho a seguir. (…)

    A vinda dos touristes americanos é um factor de renascença económico que cumpre não descurar.

    SOLDADOS PORTUGUESES PARTICIPAM NO DESFILE DA VITÓRIA EM PARIS (14-7-1919) - ARQUIVO DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
    SOLDADOS PORTUGUESES PARTICIPAM NO DESFILE DA VITÓRIA EM PARIS (14-7-1919) - ARQUIVO DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
    O público dos Estados-Unidos manifesta para connosco o mais sincero entusiásmo, não nos sendo licito confundir o ponto de vista do govêrno de Washington com os sentimentos da nação americana. A larga comparticipação da França na exposição de São-Francisco, serviu admiravelmente a nossa causa.

    No decurso das minhas duas viagens - refere o articulista - consegui chamar a atenção das companhias de caminhos de ferro e agencias de viagem, para as visitas a empreender aos gloriosos campos de batalha das frentes aliadas, logo que a nossa vitória final ponha termo às hostilidades.

    Trouxe comigo propostas que oferecem o maior interesse; póde-se por elas antever que a nossa organização de conjunto a que se deveu a drenagem de mais de 18 milhões de visitantes com destino à Panamá Pacific Exposition de São Francisco, consagrará os seus futuros esforços no designio de trazer a França os touristes americanos.

    Na organização que se está preparando, não temos que nos preocupar com o recrutamento dos touristes nem tão pouco com as condições em que a viagem deverá ser feita. As empresas americanas já se acham trabalhando nêsse grandioso projecto.

    Tudo, portanto, se apresta dum modo maravilhoso para que a França recolha em numerário uma larga compensação dos enormes prejuizos materiais a que a guerra a tem conduzido (…)".

    Atualmente, na Flandres francesa, onde estiveram os nossos expedicionários, são visíveis vestígios das trincheiras, e diversos monumentos erguidos em homenagem das vítimas mortais. Há cemitérios onde foram enterrados soldados ingleses, alemães, indianos e neozelandeses (todos combatendo ao lado dos ingleses) o que ajuda a compreender a enorme mortalidade que este primeiro conflito mundial provocou.

    O Armistício foi assinado às 11 horas, do 11.º dia, do 11.º mês (novembro) de 1918. Contudo, só no dia 28 de junho do ano seguinte, os principais vencedores se reuniram em Versalhes, para a assinatura do Tratado de Paz.

    Foram exigidas pesadíssimas indemnizações à Alemanha, e feitas outras imposições que estarão na base do desencadear da 2.ª Guerra Mundial, vinte anos mais tarde. A Europa perde a sua secular hegemonia sobre o mundo e os Estados Unidos da América assumem, pouco a pouco um enorme protagonismo que os guindará à posição de uma grande superpotência.

    No que toca a Portugal os territórios que a Alemanha havia ocupado a norte de Moçambique e a sul de Angola são-nos restituídos e, por isso, Portugal mantém o seu império praticamente intacto.

    No dia 14 de julho de 1919 (feriado nacional em França, dia da Tomada da Bastilha, aquando da Revolução Francesa de 1789) desfilaram em Paris 400 soldados portugueses de Infantaria, passando sob o Arco do Triunfo, participando assim, muito justamente, na Festa da Vitória.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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