A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL TEM CEM ANOS (23)
Os primeiros combatentes portugueses embarcaram para França há 100 anos
Nos finais de janeiro de 1917, há precisamente cem anos, estavam a bordo de vários navios, portugueses e ingleses, ancorados frente ao Terreiro do Paço, em Lisboa, as primeiras centenas de combatentes portugueses, destinados à Guerra na Europa. Partiriam dali precisamente no dia 31 de janeiro com destino a Brest, na região da Bretanha. Este porto francês serviria de Base Militar de Desembarque, a todas as tropas portuguesas que se seguiram para a "Frente" ocidental durante a Primeira Guerra Mundial.
Poucos foram os militares que não seguiram de barco. Alguns eram oficiais e tinham a missão de preparar a chegada das tropas portuguesas do CEP (Corpo Expedicionário Português) a França. Esses foram de comboio, através do país vizinho, com passaportes individuais, à civil e assumindo-se como turistas.
Estes navios de transporte dos militares portugueses eram escoltados por contratorpedeiros, portugueses e ingleses, pois o perigo alemão espreitava a todo o momento nas águas do Atlântico. A Marinha de Guerra portuguesa enviou o "NRP Douro", sob o comando do Capitão-Tenente Pereira da Silva, o "NRP Guadiana", sob o comando, 1.º, do Capitão-Tenente José Carvalho Crato e, depois, do Capitão-tenente Afonso Cerqueira. Eram navios a vapor que alcançavam a velocidade de 27 nós, estavam equipados com uma peça de 100mm, 2 de 76mm e 2 tubos lança-torpedos de 450mm.
|
EMBARQUE DAS TROPAS PORTUGUESAS PARA A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, NA EUROPA (FRANÇA) |
Há cem anos, em finais de janeiro de 1917, na barra do Tejo, estavam embarcados os primeiros soldados portugueses, centenas deles, que no início de fevereiro começariam a chegar a Brest, porto francês de desembarque das nossas tropas.
O transporte dos nossos militares para França foi uma das grandes dificuldades reais com que Portugal se debateu para concretizar a participação lusa no teatro de guerra europeu. O transporte só era viável por mar, uma vez que por terra punha em causa a neutralidade espanhola, e como não dispúnhamos de suficientes meios navais de transporte, solicitámos à Inglaterra que pusesse à nossa disposição alguns dos seus navios de transporte.
Mesmo assim, os navios cedidos não eram adequados à sua finalidade, uma vez que haviam sido concebidos para a realização de viagens de três horas, que era quanto demorava a ligação entre a Inglaterra e a França, enquanto a viagem que iam fazer entre Lisboa e Brest demorava três dias. Por isso, estes barcos não estavam minimamente preparados para as pessoas dormirem ou para aí serem confecionadas as refeições.
Para agravar esta situação, os primeiros soldados a embarcar permaneceram nos barcos cerca de 10 dias, frente ao Terreiro do Paço e só no dia 31 de janeiro, cerca das 19 horas, é que partiram em direção ao seu destino.
Nesse período de espera para a Guerra, houve um episódio no Tejo, que divertiu os soldados - as acrobacias de um aeroplano pilotado por um português. O jornal "A Capital", de domingo, dia 28 de janeiro de 1917, página 1, sob os títulos "Aeroplanos que atacam comboios de tropas / Como se explica a audacia e a habilidade do tenente de marinha portuguesa Caseiro" dá a notícia:
"Na passada segunda feira, o aviador portuguez, tenente de marinha Caseiro, demonstrando uma audacia grande e uma excepcional habilidade de piloto de aeroplanos, veiu da escola de Vila Nova da Rainha de viagem até Lisboa e "passeou" sobre a cidade a alturas varias que, por vezes, chegaram a ser inferiores a 80 metros sobre os telhados da casas.
Depois, executando multiplas espiraes, procurando conhecer as condições atmosphericas e encontrando-as favoraveis, desceu até 15 metros do nivel do Tejo e evolucionou em volta dos transportes de tropas, em "zigzags" impressionantes! Os soldados saudavam a passagem do aeroplano portuguez com vivas e palmas. / O corajoso aviador desceu ainda mais, quasi a 10 metros da agua! Ao passar pelo submersivel "Espadarte" o tenente Caseiro saudou de viva voz o seu comandante (…)".
Ainda relativamente às condições em que eram transportados os nossos combatentes, um dos militares graduados descreveu o seu alojamento no barco como "(...) uma espécie de jazigo com duas prateleiras de lona sobrepostas de cada lado e um pequeno lavatório ao meio" e a comida era "(...) comida inglesa, quase sempre cheirando a cebo das botas.". Os praças ainda conheciam piores condições, muitos deles tinham de dormir no chão, espalhando-se pelos corredores.
Para além dos três dias que demorava a viagem entre Lisboa a Brest, muitos soldados não estavam habituados a viajar de barco e enjoavam, não se alimentando em condições, por outro lado, as condições higiénicas e sanitárias destes barcos eram deploráveis, e da parte de muitos militares não havia quaisquer hábitos de higiene, o que, tudo junto, levou ao aparecimento de epidemias de sarna. Tudo isto abalou psicologicamente o Corpo Expedicionário Português e teve impacto negativo no nível da moral das tropas portuguesas.
A 1.ª leva de combatentes do CEP, que foi desembarcando ao longo de todo o mês de fevereiro de 1917, totalizou cerca de 12 mil e 500 soldados, transportados em 9 navios (2 portugueses, Pedro Nunes e Gil Eanes e 7 ingleses, Bellerophon, City of Banares, Inventor, Bohemian, Rhesus, Flavia e Lasmedon), tendo chegado nas seguintes datas a Brest: no dia 2 de fevereiro, 4 navios; no dia 19 de fevereiro, 2 navios; no dia 20 de fevereiro, 1 navio; no dia 21 de fevereiro, 2 navios; no dia 25 de fevereiro, 3 navios; e no dia 26 de fevereiro, 1 navio.
Para as escoltas aos vários "comboios" que se formaram para transporte de tropas, o Governo Britânico disponibilizou 14 contratorpedeiros que realizaram dezenas de viagens. De facto, o trajeto de 3 dias de viagem, entre Lisboa - Brest era realizado sob o perigo constante de minas e ataques de submarinos alemães.
Ao longo de um ano, até fevereiro de 1918, embarcariam sempre mais e mais soldados portugueses para a Frente de Guerra, totalizando mais de 58 mil. Em março de 1917, foram 6 610; em abril de 1917, 8 269; em maio de 1917, 8 076; em julho de 1917, 7 196; em agosto de 1917, 7 590; em setembro de 1917, 2 620; em outubro de 1917, 2 048; em novembro de 1917, 792; em janeiro de 1918, 526; e em fevereiro de 1918, 1 836.
Por:
Manuel Augusto Dias
|